Dom Lourenço Fleichman OSB
Quando escrevi o prefácio ao livro O Pensamento de Dom Antônio de Castro Mayer, procurei denunciar a falsificação que seus sucessores e seus padres realizavam ao esconder e abandonar toda referência aos textos do grande bispo, com data a partir da década de 1970. Nesta época tornaram-se mais claras as causas dramáticas da crise da Igreja e por todo o mundo apareceram críticas mais severas ao Concílio Vaticano II e sua obra. LEIA A CONTINUAÇÃO
Para ilustrar a presença desse mesmo fenômeno em outros escritores, citei Gustavo Corção. Nosso fundador também percebeu essas causas e as denunciou com a veemência que os próprios escândalos exigiam de cada católico. Todos esses bravos soldados da verdade não tiveram medo de denunciar os erros doutrinários que eram difundidos pelas autoridades da Igreja, mesmo sabendo que seriam duramente criticados pelos “conservadores” temerosos, aqueles que preferiam se esconder atrás das autoridades para tirarem de si toda responsabilidade.
Ocorre, porém, outra semelhança entre Dom Antônio e Gustavo Corção: o fato de terem surgido nos últimos anos pessoas que se pretendem admiradores do escritor, desde que se esqueça, se apague, tudo que ele escreveu nos anos 1970. Querem um Corção literato, humanista e amansado. Enquanto se trata da reprodução de textos do autor, basta eles não publicarem os mais recentes para se apresentar o Corção que mais lhes serve; mas quando se trata de escrever um texto biográfico, já não se poderia simplesmente fingir que ele não existiu a partir do início daquela década. Era preciso, então, uma operação cirúrgica que amputasse do morto partes consideráveis do seu pensamento. Assim mutilado, recortado e falsificado foi Gustavo Corção apresentado ao público pela senhora Marta Braga, num livro que deveria chamar-se Falsas Lições de Gustavo Corção.
Logo após a morte de Gustavo Corção, ocorrida em 6 de julho de 1978, alguns dos nossos companheiros, da Permanência, já sem o apoio do firme pensamento do mestre, vacilaram na fé e adotaram um posicionamento conciliador com os erros de Vaticano II e, sobretudo, puseram a obediência aos bispos acima da fé, mesmo se esta obediência significasse o abandono da verdade.
Infelizmente essas pessoas começaram um trabalho de contaminação dos membros da Permanência, sobretudo os mais jovens, com esse novo espírito que contrariava abertamente tudo o que Corção nos havia ensinado ao longo de tantos anos.
Para defender a honra do fundador da Permanência, meu pai, Julio Fleichman, que dirigiu a Revista Permanência de 1969 até sua extinção, em 1990, publicou um número especial da revista que trazia na capa um título: “O Pensamento de Gustavo Corção”. Composto por artigos onde a pena do gênio das nossas letras estava a serviço da verdade católica, este número da revista provava que Gustavo Corção tinha um pensamento muito definido sobre os desmandos do Concílio Vaticano II, que trouxe para dentro da Igreja os princípios da Revolução Francesa, de 1789.
Após décadas de esquecimento completo, eis que surgem, aqui e ali, estudos e teses sobre a obra de Gustavo Corção. Deveria ser, para nós, herdeiros do seu pensamento e do seu combate pela fé, motivo de alegria. Mas a maioria desses trabalhos segue essa linha da falsificação, vergonhosa e inaceitável.
A Editora Global publicou, também em 2010, uma coleção de artigos de jornal, sob a responsabilidade do sr. Luiz Paulo Horta. Poderíamos assinalar certas falhas na seleção do que este senhor considera “melhor” dos escritos do mestre, mas vá lá, que sejam esses os seus preferidos. Pior é ter ele demonstrado, no seu prefácio, que não gosta de Gustavo Corção.
Na mesma linha de Marta Braga, Horta esquarteja o cadáver de Corção criando um homem dividido e vacilante. Inventa uma “balança” na qual o pensamento do autor oscilaria entre as críticas a Vaticano II e as obras importantes do início de sua carreira literária. Segue uma tentativa de cristalizar a amizade com Alceu Amoroso Lima. Na realidade, esta amizade foi drasticamente abalada quando Corção deixou o Centro Dom Vital devido às orientações marxistas do presidente. Nessa altura do prefácio, Luiz Paulo Horta já abandonou Corção à sua sorte, passando a tecer os maiores elogios a Alceu. Horta se entusiasma tanto com Tristão de Athayde que seu prefácio caberia muito bem num livro deste, jamais num livro de Gustavo Corção: “No nosso cenário brasileiro, Alceu Amoroso Lima empunhou decididamente a bandeira dos “otimistas”. E, desde então, é difícil achar quem ainda sustente a tese de que Vaticano II foi uma ameaça aos alicerces da Igreja”.
Ora, se Luiz Paulo Horta tivesse um mínimo de honestidade intelectual, seria obrigado a mostrar que Gustavo Corção, esse mesmo Corção que ele pretensamente quer elogiar, manteve até o fim de sua vida a evidência (não a tese) de que Vaticano II foi uma ameaça aos alicerces da Igreja. No momento em que diversas obras de bispos e prelados de Roma são publicadas com ferozes críticas a Vaticano II, o sr. Horta dá provas de um impressionante atraso nos conhecimentos da vida da Igreja. A parte final do prefácio é tão agressiva contra Gustavo Corção que mereceria um pedido de explicações: “Corção podia passar ao ataque pessoal com uma virulência que não conhecia medidas, e ser eventualmente injusto e até cruel”. Em uma linha o sr. Horta consegue uma proeza de grosseria contra aquele mesmo que ele deveria elogiar. Mas não pára aí. Depois de atingir covardemente a Gustavo Corção, demonstrará todo o desprezo por suas idéias, apoiado no fato de que a espada de Corção repousa sobre o Altar do Sacrifício, inerte e inofensiva, silenciada por sua morte: “Em seus últimos tempos estava perigosamente próximo do bispo cismático Marcel Lefebvre, enquanto no plano político manifestava seu apoio ao regime militar brasileiro... Mas se diversas posições do “Corção de 1960” não são mais recuperáveis...Como pessoa, o “último Corção” conheceu uma fase de ensombrecimento...” E completa sua “tese” dizendo que o Corção dessa época produzia artigos e livros que poucos leram, o que contraria o fato dos seus livros, até hoje, não pararem nas prateleiras dos sebos.
Quais são essas “posições não mais recuperáveis”? Suas críticas à missa de Paulo VI e sua defesa da missa tridentina? Ou sua defesa de Mons. Marcel Lefebvre? Ignora ele que Bento XVI “recuperou”, tanto com o Motu Proprio sobre a Missa Tridentina quanto com o levantamento das excomunhões que pesavam injustamente sobre Mons. Lefevre e os quatro bispos, algumas dessas posições do “Corção de 1960”? Ensombrecida é a inteligência de Luiz Paulo Horta que dá mostras de uma ignorância colossal. Como é fácil criticar o pensamento de um morto, sem dar nenhum argumento de comprovação! Fica, pois, registrada a defesa da honra da mais lúcida inteligência que o Brasil conheceu.
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Marta Braga é doutora em História. Doutora por uma universidade espanhola. Traz no livro sobre Gustavo Corção seu currículo pessoal. E faz bem de explicar aos seus leitores a autoridade que adquiriu ao longo dos anos de estudo. Esperamos que a autora compreenda que essa autoridade não é isenta de responsabilidades e que seus leitores têm o direito de exigir dela escritos dignos dos títulos que ostenta.
Não somente por seus estudos e por sua tese sobre Gustavo Corção, mas também por todo o envolvimento de sua família com o grande defensor da fé católica, acredito na sinceridade do seu gosto em ler e estudar Gustavo Corção. Infelizmente, ao longo da obra, veremos a biógrafa deixar de lado as exigências científicas do seu ofício, em favor de sentimentos familiares.
Pretende demonstrar “o gênio total de Corção”, de ter dele “uma imagem inteira”. Mas considera que o redescobrimento de Corção, a recuperação de seu lugar singular na nossa história cultural, deve basear-se no “florescimento do Concílio Vaticano II a partir dos grandes pontificados de Paulo VI, João Paulo II e Bento XVI” . Isso significa que o ponto de partida do seu estudo já falsifica os dados da questão que a autora pretende apresentar, visto que Gustavo Corção não via, de modo algum, o Concílio ter “florescido”, assim como jamais diria que Paulo VI tenha sido um grande papa. A autora pode discordar de Gustavo Corção, mas não lhe é lícito forjar um Corção a partir das suas próprias idéias. Eis algumas pinceladas de Gustavo Corção falando do Concílio Vaticano II:
“O que vimos com estupor que até agora não se dissipou, foi o espetáculo de toda uma tentativa de secularizar a Igreja em lugar da esperada cristianização do século. E esse empreendimento sinistro foi realizado por gente da Igreja, por membros do Concílio” .
“A primeira coisa que os bispos fizeram foi a de declarar que aquilo não era um Concilio para valer. Não era um Concilio para definir coisa nenhuma. Não era um Concilio dogmático, e, portanto, não era uma reunião eclesial do magistério extraordinário da Igreja, que para ser magistério extraordinário da Igreja tem, como condição essencial, de se colocar sob a proteção, a sombra ou a luz da infalibilidade da Igreja e da inspiração e assistência para isso, em especial do Divino Espírito Santo” .
E sobre Paulo VI:
“E o papa que não põe o problema da Santidade em primeiro lugar é o mais triste papa... No seu interesse apaixonado, é (ele) puramente carnal; não digo que ele ande com mulheres, não – isto eu não sei – mas o carnal e o temporal do interesse de Paulo VI é publicado nos jornais todos os dias, e nas suas alocucões. É ele mesmo quem estridentemente anuncia que se interessa muito pelas coisas do mundo” .
Antes de entrarmos nos capítulos do livro, não posso deixar de assinalar outro detalhe do procedimento profissional da autora: as fontes de onde tirou os dados da sua pesquisa. Marta Braga nos fornece uma vasta lista de pessoas com quem conversou, que lhe forneceram todo tipo de informação sobre Gustavo Corção. Todas elas fazem parte de uma linha de pensamento específico, pensamento conservador, mas que aceitaram pacificamente as drásticas mudanças de Vaticano II. Não há ninguém ali que faça parte dos amigos de Gustavo Corção que o acompanharam até o fim no seu posicionamento crítico aos erros do Concílio Vaticano II e aos escândalos produzidos por bispos, e mesmo pelos papas desses últimos tempos.
Não digo que ela devesse ter a coragem de conversar com um Julio Fleichman, isso talvez fosse pedir demais! Mas ao desprezar e deixar de lado pessoas de sua própria família, ficou clara sua intenção de não querer entender as razões profundas que levaram Corção ao seu combate final. Com isso, do ponto de vista científico, histórico, o livro da doutora em história perde força, por não contemplar todos os dados da vida do seu personagem. Sua argumentação é mais do que fraca, é tendenciosa. Com isso, Marta Braga selou o destino da sua obra. O Gustavo Corção que ela retrata é o ideal que ela mesma concebeu, que ela gostaria que ele tivesse sido, mas que não corresponde à realidade da vida do pensador.
O livro começa com a narrativa da infância e formação de Gustavo Corção. Saborosos momentos para qualquer dos seus admiradores e discípulos. Tirando o fato da autora insistir no “humanismo” de Corção, sua vida é relatada de modo correto. Claro está que em parte da sua vida, Gustavo Corção iludiu-se com o pensamento humanista de Jacques Maritain. Mas esbarramos aqui no primeiro obstáculo causado pela parcialidade da autora. Ao negar ao leitor a compreensão mais profunda do que Corção pensava sobre o humanismo ou sobre a Democracia, deixa a falsa impressão de que Gustavo Corção foi, até o fim da sua vida, um humanista. Na página 44, ao tratar do Humanismo Integral, de Jacques Maritain, a autora afirma:
“Posteriormente, o Concílio Vaticano II e sobretudo o pontificado de João Paulo II confirmariam a importância urgente da busca desse humanismo cristão. A conversão de Corção respondeu aos seus anseios humanistas”.
Não me parece honesto apresentar um Corção ligado a uma doutrina que ele combateu com todo o seu vigor. Na realidade, ela, a autora, é quem admira exageradamente o humanismo de Jacques Maritain, e fica o tempo todo empurrando Corção na direção desse humanismo. Faça, leitor, um pequeno exercício: busque nos capítulos 4, 5, 6 e 7, quantas vezes a autora fala em humanismo, pessoa humana, afirmando ser Corção um humanista. Eu contei 12 vezes. Em muitas dessas, Marta Braga traz alguma citação de Corção para comprovar suas afirmações. Em nenhuma dessas citações Corção usa o termo humanismo, humanista, pessoa humana. Ora, é preciso afirmar com força que Gustavo Corção jamais embarcou nesse humanismo, mesmo quando ainda admirava Maritain. Desde A Descoberta do Outro, ou seja, já em seu primeiro livro, Corção olhava para a frente, para o alto, buscava no homem a Semelhança divina. Tudo em Corção é iluminado pela vida da graça, pela luz sobrenatural.
Curiosamente, depois de pretender assimilar o pensamento de Corção ao propalado humanismo cristão, sem perceber que a essência do pensamento dele é a vida cristã, sobrenatural e sacramental, Marta aborda a visão objetiva que nosso autor tinha das realidades. Ali, no capítulo 6, O Prisioneiro de Deus, na página 58 e 59, ela, enfim, deixa de lado a bobagem personalista de Maritain e mergulha no verdadeiro e genial mundo de Gustavo Corção. Sinto mesmo um alívio, num texto que nunca desejaria ter escrito, mas que me foi imposto para a defesa do verdadeiro pensamento de Gustavo Corção, em trazer algum elogio, em saborear o que há de mais elevado, lúcido e belo em nossas letras. E sinto muita pena que a autora não tenha percebido o tamanho da montanha que separa este Corção, original e genial, do pretendido humanismo que ele nunca aceitou.
Eis, então, a realidade do pensamento de Gustavo Corção sobre o humanismo:
“Um novo humanismo foi anunciado na Gaudium et Spes. Um documento conciliar que nos anuncia que nós estamos diante de um novo humanismo, em que os homens, todos nós, seremos julgados pelo próximo e pela História. Isto está dito com todas as letras na Gaudium et Spes, artigo 55, e é uma blasfêmia que ficou gravada e que hoje está encadernada e posta como documento da Igreja.”
“O que nos apavora e nos entristece no quadro moderno é a inversão de todas as ordens de valores, é o envenenamento desse progresso consentido por Deus para que o homem se encha e se farte com as obras de seu orgulho. E o resultado de toda uma civilização mais humanista, já se vê na deterioração da própria obra temporal tão glorificada” .
“Em artigos recentes, mais de uma vez, aludimos ao fenômeno da exaltação do homem que, ultrapassando a natural e aceitável glorificação da bela natureza racional, colocada logo abaixo dos anjos, chega a formar um humanismo que pretende dar o tom de uma civilização em lugar do cristianismo.
Antes de prosseguir, paro um instante. Neste intermezzo passo vagarosamente as páginas do livro, nas análises que a autora tece sobre os diversos livros escritos por Gustavo Corção. Ia eu passar direto ao último capítulo, quando deparei-me com o final da análise sobre Dois Amores Duas Cidades.
“Nos nossos tempos de transição, de traumas e de perplexidades, e num parágrafo que bem poderia ter sido escrito anos mais tarde e cuja mensagem está em estreita conexão com as palavras de João Paulo II sobre a nova civilização do amor, Corção conclui a sua obra” .
Me impressiona ainda a teimosia dessa senhora de tentar assimilar a obra de Gustavo Corção ou seu pensamento, com qualquer aspecto da obra dos papas deste último Concílio. Marta Braga não pode ser ingênua a ponto de ignorar que Corção protestaria com mais essa falsidade. Civilização do amor? Eis o que Corção pensava sobre ela:
“Em nome de um otimismo confiante nos recursos humanos, na ida à Lua, e nos transplantes de corações logo rejeitados, em nome de um novo humanismo que ousa dar o qualificativo de novo ao capricho inconstante dos homens, em nome do nada e da vaidade das vaidades, perseguição de vento, o caudal de erros se alargou neste estuário de disparates que inunda o mundo e produz na Igreja devastações incalculáveis. Que nome daremos ao mal deste século?
Este: DESESPERANÇA.
Ei-lo, o mal de nosso tormentoso e turbulento século que ousou horizontalizar as promessas de Deus transformadas em promessas humanas. Que ousou tentar a secularização do Reino de Deus que não é deste mundo. Ei-los os escavadores do nada a construir em baixo-relevo, en creux, a nova torre de Babel. Esperantes às avessas, eles querem fazer revoluções niilistas, querem voltar ao zero, querem destruir, querem contestar, rejeitar, querem niilizar. E se chamam "progressistas".
No século anterior as agressões e traições convergiram contra a Fé, como se viu na crise modernista que São Pio X represou.
Tremo de pensar que o próximo século será o do DESAMOR.
Perguntando ao mar, às árvores, ao vento, o que querem esses homens que se agitam e meditam coisas vãs, parece-me ouvir uma resposta de pesadelo. Eles querem produzir uma sinarquia, uma espécie de unanimidade, uma espécie terrível de paz e bem-estar. Qual?
Querem chegar ao PECADO TERMINAL”.
Além disso, apesar da beleza lírica da citação das últimas páginas de Dois Amores Duas Cidades, não poderia ter escapado à historiadora as palavras do próprio Corção sobre este livro, especialmente sobre este epílogo que ele chamou de Inconclusão, justamente por ter percebido que algo ficara mal explicado. Por que razão a doutora Marta Braga não pesquisou este dado essencial para se compreender o pensamento do autor? Ei-lo:
“Na época em que escrevi Dois Amores Duas Cidades não tive clara consciência de estar escrevendo um livro oposto ao Humanismo Integral de Maritain. Hoje a evidência é solar e dolorosa. Maritain, dizendo em seu Avant-Propos, que coloca sua obra no plano da filosofia prática, na verdade despoja a matéria tratada de toda a seiva Mística e teológica, e com isto tenta afirmar a praticabilidade de um mundo que se afastou de Deus graças a um humanismo que é o pseudônimo do grande pecado desta civilização apóstata. Em muitos pontos nossas obras se opõem, porque não faço outra coisa todos os dias, senão reafirmar minha confiança no cristianismo dos Santos, dos santos papas, santos doutores, santos mártires — no cristianismo de Jesus, Maria e José.
Perguntei acima por que a biógrafa não foi em busca do real pensamento do autor. A resposta é aquela concepção tendenciosa que já citei, a idéia pré-concebida de modificar o pensamento de Corção, reduzindo-o ao que ela mesma pensa e gostaria que Corção pensasse.
É por isso que Marta Braga chama Gustavo Corção de velho! Velho e manipulado! Agora, vejam se é possível crer que o homem que escreveu a página do Século do Nada citada acima, tenha sido manipulado por seus discípulos (ou seria, senhora, por um só?).
Ao longo de toda a obra, a tendenciosa historiadora, sempre que toca no assunto dos dez últimos anos de vida de Gustavo Corção, martela impiedosamente: ficou velho, saúde fraca, manipulado.
“A década de 1970 é a última da vida do grande mestre. Ele aqui já está adiantado em idade e (...) concentra-se no seu desgosto com a terrível crise na Igreja pós-conciliar. É um Corção já não tão brilhante e certamente muito mais sentimental” .
“Corção, embora na velhice tenha tido simpatias tradicionalistas religiosas por força das circunstâncias e da má orientação de companheiros, apresentou etc.”
Será que ela não percebe que rouba de Gustavo Corção um pedaço substancial da sua grandeza? Diminui sua capacidade intelectual, transforma-o num velho gagá, a ponto de ter toda aquela firmeza de caráter e da inteligência virado pó!
Não posso deixar de ver no último capítulo, chamado Tempos de Crise, uma enganação que beira o cinismo. Começa eliminando as citações do autor, de modo que suas afirmações não podem ser confirmadas por textos de Corção. As únicas citações, curiosamente, são de um artigo da revista A Ordem, datado de 1957! Os arquivos do jornal O Globo conservam centenas de seus artigos dessa década, mas a historiadora os ignora, todos!, como ignora o Século do Nada, afirmando, sem provas, que tratava-se de um Corção “sentimental” e “não tão brilhante”.
Na página 133 do seu triste livro, afirma:
“Nunca deixou de defender o humanismo cristão [vimos que isso não é verdade]. Mas, no seu desgosto de velho julgou ter-se equivocado na prática”. É muito fácil afirmar sem provas tais aberrações. Além do mais, porque teria ele julgado ter-se equivocado apenas na “prática”? De onde tirou isso? Onde o autor Gustavo Corção escreveu ou disse ter-se equivocado só na prática? Quantos artigos de Corção, sobre a filosofia humanista, sobre democracia, sobre Maritain e sua nefasta obra, devo eu transcrever aqui?
Além de velho, outra saída encontrada pela autora para eliminar o Corção que a incomoda é dizer que era um convertido, logo seria necessariamente “apaixonado”, “impulsivo”. Engana-se Marta Braga ao atribuir alguma mudança na orientação da Revista Permanência ao fato do seu fundador e mestre ter-se dedicado mais à elaboração do O Século do Nada. Ao contrário! Corção afirma jamais ter estudado tanto como nessa época em que escreveu seu último livro, justamente por ter percebido, com Dois Amores Duas Cidades, que algo de estranho acontecia. Esse estudo era acompanhado por seus alunos e discípulos, na convivência semanal, nas aulas das segundas-feiras, quando o mestre transmitia suas descobertas sobre a história recente da França, sobre a vida da Igreja, sobre o Concílio, além das suas conclusões que aparecerão depois no livro. Todo o movimento de aprendizado, de orientação, era do gigante para as formiguinhas, do mestre para os alunos. A afirmação da senhora Marta Braga é falsa e injuriosa, exprime uma realidade que ela só ouviu da boca daqueles que não seguiram o pensamento do mestre, preferindo seguir outros caminhos.
Como afirmei no início, os dez últimos anos da vida de Gustavo Corção correspondem às evidências de que a crise da Igreja fora causada pelo Concílio, pelos papas do Concílio, que provocaram uma crise de identidade tal, que já não se pode afirmar quem ainda guarda a fé sobrenatural. Dentro desta realidade, Gustavo Corção defendeu diversas vezes a honra de Mons. Lefebvre e não teve medo de se expor para dizer a verdade sobre o bispo de Ecône. Freqüentou com seus amigos da Permanência, enquanto viveu, a Missa Tridentina, fugiu com todas as forças da missa de Paulo VI, que criticou duramente, teologicamente, tanto em artigos de jornais como em aulas gravadas que conservamos piedosamente como um tesouro de sabedoria e de doutrina.
Ficamos profundamente tristes com a publicação dessas Falsas Lições de Gustavo Corção. Teria sido melhor para a honra do maior escritor do século XX no Brasil, que seu nome continuasse esquecido, do que aparecer manipulado por pessoas muito jovens e que não tiveram a honestidade intelectual de mostrar Gustavo Corção como ele realmente era.