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Ofícios (93)

Introdução ao décimo quarto domingo de Pentecostes

“Salomão jamais se vestiu como um destes lírios” (Evangelho).

 

Paramentos verdes

 

As lições do Breviário são tiradas do Livro do Eclesiástico, se o domingo vem no mês de agosto, ou de Jó, se vem no de setembro. S. Gregório comentando o Eclesiástico, diz assim: “Há homens que se entregam inteiramente à sedução dos bens materiais, ignorantes sem dúvida ou pelo menos esquecidos do tesouro deslumbrante e inexaurível que a matéria vela. Sem a saudade dos bens que ficam para além e que eles culpavelmente perderam, sentem-se felizes, os mesquinhos, com um punhado de terra. Criados para a luz da verdade, não sentem dentro de si o desejo de a olhar, de a compreender, de se perderem nela. Desorientados no meio dos prazeres em que se precipitaram, chegam a pensar que lhes é pátria o exílio em que vivem e que é luz radiosa a treva que os envolve. Ao contrário, os eleitos para quem os bens da Terra não têm valor algum, procuram sem descanso, entre as areias agitadas deste deserto amargo, a pérola preciosa que a sua alma anseia. Presos à Terra pela carne que também é terra, debatem-se na ânsia de se libertarem, absolutamente determinados a desprezar o que passa para recolher o que permanece”.

Quanto a Jó, é o tipo genuíno do homem desprendido da terra e da perfeita resignação na vontade adorável de Deus: “Se de Deus recebemos a fortuna, dizia ele, porque não havemos de também aceitar o revés, se for servido no-lo mandar? ”

A Missa de hoje abunda nestes pensamentos. O Espírito Santo, que a Igreja recebeu no dia de Pentecostes, formou em nós o homem novo que se opõe e procura destruir as inveteradas tendências do velho homem — que são as intemperanças da carne e a busca insaciável da riqueza para as satisfazer. O Espírito de Deus, o espírito de liberdade que habita em nós e nos torna filhos do Pai e irmãos de Nosso Senhor Jesus Cristo, segrega-nos da servidão ignóbil do pecado, porque os que pertencem a Jesus Cristo, crucificaram a própria carne com os seus vícios e baixezas. Caminham no Espírito e não satisfazem os instintos da carne, porque a carne está em oposição irredutível com o espírito.

Convencido da verdade evangélica de que ninguém pode servir a dois senhores, o cristão põe-se de guarda contra si mesmo, contra as velhas paixões amortecidas talvez nas cinzas funerárias do velho homem, não vão às vezes ressuscitarem. “O que se deixa escravizar pelos bens deste mundo, diz S. Agostinho, está às ordens dum senhor duro e terrível. Está debaixo da tirania do demônio. Sem dúvida, ele não o ama, pois quem é que pode amar o demônio? Todavia, suporta-o. Por outro lado, também não odeia Deus. Ninguém odeia Deus no fundo de sua consciência. No entanto, despreza-O e não O teme, como se estivesse seguro de estar perdoado. Mas o Espírito Santo põe-nos de atalaia contra estes perigos, quando nos diz pelo profeta que a misericórdia de Deus é infinita e que a sua paciência nos convida à penitência. Se alguém pois quer amar a Deus em sinceridade e verdade, se alguém tem o desejo normal de ser feliz, considere a sentença do Senhor, procure em primeiro lugar o Reino de Deus, e tudo o mais lhe virá por acréscimo”.

 

Missal Quotidiano e Vesperal por Dom Gaspar Lefebvre, Beneditino da Abadia de S. André. Bruges, Bélgica: Desclée de Brouwer e Cie, 1952.

Introdução ao décimo terceiro domingo de Pentecostes

 “Levanta-te, vai; a tua fé te salvou” (Evangelho).

 

Paramentos verdes

 

Continua a Santa Igreja a ler os Livros Sapienciais começados no domingo passado e abre hoje pela celebrada sentença do sábio: “Vaidade das vaidades e tudo é vaidade”. Quando Salomão se deixou arrastar na onda subversiva do amor às coisas da Terra, pensou e chegou a convencer-se de que eram realmente grandes e admiráveis. E nesta convicção, não se poupou a trabalhos e cuidados para amontoar ouro e construir palácios e se proporcionar os mais requintados prazeres. Mas quando voltou a si mesmo e pôde contemplar, à luz da sabedoria divina, o abismo tenebroso e o nada que era aquilo tudo, arrancou esse grito sublime e verdadeiramente digno do Céu: “Vaidade das vaidades e tudo é vaidade”. E se não podemos exigir de Salomão uma sabedoria perfeita, visto que viveu na lei antiga que não vedava de todo estas coisas, que diremos de nós que somos chamados a uma vida mais alta, senão que devemos imitar as virtudes celestes que são só espírito e inteligência?

Toda a Missa de hoje anda precisamente à volta deste ponto e procura excitar em nós a fé em Jesus Cristo, o único que nos poderá arrancar desta miséria. Já no Antigo Testamento, diz S. Paulo, era a fé em Jesus Cristo que salvava. Existia a lei, é verdade, mas era por si impotente para resgatar e Abraão salvou-se pela fé. O Evangelho diz-nos o mesmo. Curou o Senhor dez leprosos e só um voltou a render-Lhe graças; os nove, diz S. Agostinho, talvez tenham julgado rebaixar-se se dessem graças. E porque as não deram foram rejeitados. O outro que voltou foi acolhido na Igreja de Deus. Assim aos judeus por seu orgulho perderam também o reino que os profetas lhes anunciaram e o Filho de Deus veio abrir. Pelo contrário, nós todos, descendentes dos gentios, dissemos a Jesus que ponhamos n’Ele toda a nossa esperança e que Ele nos salvaria e alentaria com o maná do Seu corpo Santíssimo até chegarmos à pátria que antevemos para além do deserto desta vida terrena.   

Do Evangelho: Queriam os judeus impor a lei mosaica a todos os cristãos como princípio necessário e indispensável à salvação. S. Paulo demonstra na Epístola com argumentos decisivos que só a fé em Jesus Cristo nos pode salvar e de nenhum modo a lei do Sinai, e recorda as promessas concernentes a Abraão e à sua descendência, quer dizer, a Cristo e a todos os que fossem membros de Cristo pela Fé, pela Esperança e pela Caridade.

 

Missal Quotidiano e Vesperal por Dom Gaspar Lefebvre, Beneditino da Abadia de S. André. Bruges, Bélgica: Desclée de Brouwer e Cie, 1952.

Missa da Assunção da Santíssima Virgem

Paramentos brancos

 

Em 1° de novembro de 1950, o Santo Padre Pio XII definiu o dogma da Assunção da SS. Virgem Maria. Proclamava assim solenemente que a crença segundo a qual Maria, ao fim da sua vida terrestre, foi levada em corpo e alma à glória do Céu, faz realmente parte do depósito da fé, recebido dos Apóstolos. “Bendita entre as mulheres”, em razão da sua maternidade divina, a Virgem Imaculada, que desde a sua concepção, tivera o privilégio de ser isenta do pecado original, não devia conhecer a corrupção do túmulo. Para evitar qualquer dado impreciso, o Papa absteve-se inteiramente de determinar o modo e as circunstâncias de tempo e de lugar em que a Assunção deveria ter-se realizado: somente o fato da Assunção, em corpo e alma, à glória do Céu, constitui o objeto da definição.

Também a Missa, publicada pela S. Congregação dos Ritos na mesma data, se contenta em pôr em evidência a Assunção em si mesma com as suas conveniências teológicas. Ela vê Maria glorificada na Mulher descrita no Apocalipse (Intróito), na Filha do Rei vestida com um manto de ouro do Salmo 44 (Gradual), na Mulher que, com seu Filho, será a inimiga vitoriosa do demônio, do Gênesis (Ofertório). Aplica-lhe os louvores cantados a Judite triunfante (Epístola), e, sobretudo, vê na Assunção o coroamento de todas as glórias que procedem da maternidade divina e que Maria cantou ela mesma no seu Magnificat (Evangelho). As orações fazem-nos pedir a Deus a graça de podermos, como a SS. Virgem, estar continuamente voltados para as coisas do alto, esperar a ressurreição feliz e partilhar da sua glória no Céu.

Na Liturgia encontra-se o culto da Assunção desde o século VI no Oriente. Em Jerusalém, comportava uma procissão ao túmulo da Virgem. Esta procissão estendeu-se a Constantinopla. Em Roma, do século VII ao XVI constituía uma das “procissões de ladainhas” e tinha lugar na Basílica de Santa Maria Maior.

 

Missal Quotidiano e Vesperal por Dom Gaspar Lefebvre, Beneditino da Abadia de S. André. Bruges, Bélgica: Desclée de Brouwer e Cie, 1952.

Introdução ao décimo primeiro domingo de Pentecostes

Ephpheta! — Abra-te! ” (Evangelho).

 

Paramentos verdes

 

Separado das doze tribos do Norte, apenas morto Salomão, o reino de Judá durou 350 anos e contou 20 monarcas. Muitos de entre eles foram ímpios e maus, tendo alguns, como Salomão, acabado no pecado. Quatro, no entanto, distinguiram-se na virtude e nas armas e mereceram ser colocados pela veneração do povo na galeria dos varões ilustres de Israel. Ezequias, de que nos fala hoje o Breviário: “Confiou no Senhor, Deus de Israel, e não teve semelhante nos reis de Judá. Por isso, Deus foi sempre com ele”. Quando Senacarib, rei dos assírios se quis apoderar de Jerusalém, Ezequias subiu ao templo e orou com tanto fervor como teriam orado Davi e Salomão. Mandou-lhe então o Senhor o Profeta Isaías para lhe anunciar que não temesse. E, com efeito, o anjo exterminador de Jeová feriu de peste 185.000 assírios e Senacarib teve de voltar, a marchas forçadas, para Nínive. Alguns anos mais tarde, caíra o rei doente e Isaías anunciara-lhe que tinha chegado ao fim dos seus dias. Temeu então Ezequias que Senacarib se aproveitasse da sua morte para desforrar-se da derrota e cercar Jerusalém e pediu ao Senhor que lhe prolongasse a vida. Mais uma vez o Senhor o ouviu, como assevera a Escritura: “Ouvi a tua oração e vi as tuas lágrimas e curar-te-ei e subirás ao Templo no terceiro dia”. O rei convalesceu, com efeito, e Jerusalém foi libertada do terror dos inimigos. Ezequias, prostrado no leito e levantando-se três dias depois para defender o reino, é figura da morte e da ressurreição do Senhor. Este pensamento domina toda a Missa. O Intróito proclama a vitória do povo de Deus e a fuga dos inimigos. Na Epístola, insiste S. Paulo na ressurreição de Cristo, fundamento e garantia da nossa predestinação. No Evangelho, finalmente, a cura do surdo-mudo com o Ephpheta que o Senhor pronunciou e a Igreja aplicou sabiamente no rito do Batismo, recorda-nos que, passados da morte para a vida, ficamos daí em diante também “abertos” às coisas da fé. E podemos dizer que a escolha para o Ofertório de um versículo do Salmo 29 aplicado pela tradição da Igreja à Ressurreição e Ascensão do Senhor foi inspirada pela mesma ordem de ideias. De modo que a Missa de hoje apresenta-se-nos numa espécie de tríptico. No primeiro plano, destaca-se a figura de Cristo ressurgindo glorioso do sepulcro; no painel da esquerda, Ezequias prostrado pela doença e curado por Deus; à direita os frutos da vitória de Cristo aplicados ao povo pelo Batismo.

É, pois, um programa de vida magnífico. Oxalá o ponhamos em prática para vivermos com Cristo a vida nova a que fomos chamados pela fé.

 

Missal Quotidiano e Vesperal por Dom Gaspar Lefebvre, Beneditino da Abadia de S. André. Bruges, Bélgica: Desclée de Brouwer e Cie, 1952.

Introdução ao décimo domingo de Pentecostes

“Todo o que se exalta será humilhado, e todo o que se humilha será exaltado” (Evangelho)

 

Paramentos verdes

 

A liturgia deste domingo procura inculcar no espírito dos fiéis o sentido justo da humildade cristã, que consiste em atribuir a Deus todo o bem verdadeiro e toda a santidade. Porque os nossos atos, com efeito, só poderão ser sobrenaturais, isto é, santos, se procederem do Espírito que Jesus enviou aos apóstolos no dia de Pentecostes, e que não cessa de conceder àqueles que humildemente lho pedem. Pelo que a obra da nossa santificação é inteiramente impossível, se tentarmos realizá-la sozinhos. É necessário reconhecer a nossa incapacidade, as nossas más tendências, toda esta gama de coisas mínimas e imponderáveis que não vemos e nos fazem apalpar tristemente a lama original da nossa natureza; é necessário, digo, reconhecer tudo isto, ser humildes, então, para sentirmos a necessidade de pedir e Deus ter ocasião de nos dar. Porque Deus conhece de longe os orgulhosos e vê de perto os humildes. O orgulho é, portanto, o maior inimigo das almas.

A Igreja desenvolve este pensamento, de modo tristemente realístico, nas lições do Breviário. Atália, depois de ter cometido os mais graves atentados contra o Deus de Jacó, de Abraão e dos Profetas e de ter levado o seu arrojo e o seu orgulho ao ponto de levantar no átrio do templo um altar a Baal, foi lançada por uma janela do seu palácio à rua e devorada pelos cães. E Joás, um pobre órfão, descendente de Davi, mas perseguido pela fúria de Atália, que procurava extinguir toda a família real para melhor assegurar a impunidade dos seus desvarios, foi alçado ao poder com 7 anos apenas e dele deixou a Escritura este belo elogio: “Joás praticou o que era justo diante de Deus”. É que há duas classes de homens, conforme diz Pascal: “Os santos que se julgam réus de todos os crimes e os pecadores que não encontram em si culpa alguma. Os primeiros são humildes e Deus glorifica-os; os segundos são orgulhosos e Deus abate-os e castiga-os”. “Deus, diz S. João Crisóstomo, verbera o orgulhoso. Ele submergiu o mundo, queimou Sodoma, destruiu o exército dos egípcios, porque, não tenhamos dúvida, foi Deus que feriu todos estes povos. Mas, direis vós, Deus é bom e é Pai. É, sem dúvida. Todavia, isto não são palavras vazias, mas fatos que não podemos negar. Ou não foi punido o rico que desprezou Lázaro? E as virgens loucas não foram repudiadas pelo esposo? O Senhor diz que sim! Ora pelo que o Senhor disse e fez no passado podemos prever o que fará no futuro. Tenhamos, portanto, sempre diante de nós o rio de fogo, as cadeias que rolam, as trevas, o ranger dos dentes e o verme que dilacera e que rói. Será o modo mais eficaz de cultivarmos a humildade que nos faz dizer com a Igreja: “Clamei pelo Senhor e Ele ouviu-me” (Intróito).

Defendei-me, Senhor, como a pupila dos olhos. Vós vedes, Senhor, o que é reto e justo (Gradual). Ao Senhor elevei a minha alma e n’Ele coloquei a minha esperança. Não me torneis, Senhor, objeto de irrisão para aqueles que me querem mal.

Meditemos, além disso, na grande lição do Evangelho, do fariseu e do publicano.

 

Missal Quotidiano e Vesperal por Dom Gaspar Lefebvre, Beneditino da Abadia de S. André. Bruges, Bélgica: Desclée de Brouwer e Cie, 1952.

Introdução ao nono domingo de Pentecostes

“Não conheceste o tempo da tua visita” (Evangelho)

 

Paramentos verdes

 

A liturgia de hoje fala-nos dos castigos terríveis com que Deus há de punir os que renegam a Cristo. Perecerão todos. Nenhum deles entrará no Reino dos Céus. Pelo contrário, os que no meio das contrariedades e dos enganos do mundo permanecerem fiéis, serão arrancados das mãos dos inimigos e entrarão com o Senhor para a glória do seu reino. É o que nos sugerem as lições de Matinas. Elias era de Judá e habitava em Galaad. Por três vezes saiu o profeta do seu retiro para anunciar aos israelitas prevaricadores os castigos terríveis e iminentes com que a justiça divina os ameaçava por seus crimes. A primeira, por causa do escândalo de Acab e de Jezabel que tinham arrastado o povo à idolatria. A segunda, por causa dos 450 profetas de Baal, que ele fez condenar à morte. A terceira, finalmente ainda contra Jezabel. Por tudo isto, foi Elias perseguido e teve de fugir para o monte Horeb. Citado por Ocozias, filho de Jezabel, a comparecer na sua presença, fez vir fogo do céu sobre os emissários do rei, que morreram queimados. Foi, pois, como vemos, um paladino terrível dos direitos de Deus. Diz a Sagrada Escritura que foi elevado ao céu num carro de fogo.

“Elias, diz S. Agostinho, é a figura de Nosso Senhor Jesus Cristo. Foi perseguido pelos judeus, do mesmo modo que o Salvador, o verdadeiro Elias, foi rejeitado e desprezado por eles. Elias separou-se do seu povo e Cristo abandonou a sinagoga e chamou para si os gentios”. Arrancou Deus a Elias das mãos e da conspiração dos ímpios e arrebatou-o aos céus num carro de fogo, do mesmo modo que libertou Cristo da expectativa dos seus inimigos e O fez subir ao céu no dia da Ascensão. O triunfo do Salvador sobre aqueles que O odiavam, figurado pelo triunfo de Elias, deve ser também o nosso triunfo. Mas para isso, temos de permanecer fiéis ao Senhor sob pena de incorrermos nos castigos que vieram sobre os judeus. S. Paulo no põe de guarda contra este perigo e convida-nos a meditar na história de nossos pais: “Porque tudo o que sucedeu com eles é figura do que há de vir e foi escrito para nossa instrução, para nós que vivemos no fim dos tempos”. No Evangelho os ensinamentos do Senhor, chorando sobre Jerusalém e expulsando do Templo os vendilhões, são ainda uma lição de fidelidade. Procuremos assimilar bem estes pensamentos do Ofertório, tão belos e tão sábios: “Os preceitos do Senhor são retos e dão alegria às almas: os seus juízos são mais suaves do que o mel puro dos favos. Por isso, ser-lhes-ei fiel”.

Do Evangelho: O Senhor prediz no Evangelho de hoje a destruição de Jerusalém, levada a efeito anos mais tarde pelos romanos. “Se esta cidade perjura, comenta S. Gregório, conhecesse o destino que a esperava, talvez tivesse chorado os seus crimes e recebido o Senhor. E a alma perversa choraria igualmente os seus pecados se conhecesse a desgraça terrível que a espera na outra vida”.

 

Missal Quotidiano e Vesperal por Dom Gaspar Lefebvre, Beneditino da Abadia de S. André. Bruges, Bélgica: Desclée de Brouwer e Cie, 1952.

Introdução ao oitavo domingo de Pentecostes

“Dá conta da tua administração” (Evangelho)

 

Paramentos verdes

 

O Espírito Santo que circula, por assim dizer, nas veias da Igreja, circula igualmente nas veias de todos os fiéis e faz que possamos dizer com verdade: “Pai nosso que estais no Céu” e que esperemos participar com Jesus Cristo na herança de Deus. Mas para merecermos entrar um dia nos tabernáculos eternos, é necessário que cá na Terra vivamos realmente como filhos e que nos deixemos docilmente conduzir para onde nos levar o Espírito de Deus que deve orientar e informar toda a nossa vida. E aqui está aquela sabedoria cristã que a Igreja nos aconselha a pedir na oração da Missa e que o Evangelho louva e diz que, em matéria de espírito, ultrapassa a previdência dos filhos do século nas coisas da Terra.

As lições do Breviário continuam a falar-nos de Salomão. Empregou muito bem o grande rei a sua sabedoria em construir um templo digno da glória do Senhor. Foi a sua obra prima. Três anos gastou em juntar os materiais: as grandes pedras talhadas na montanha, as madeiras do Líbano e o ouro puríssimo que recamava os altares e o resto do Templo até os tetos, porque nada havia na Casa do Senhor que não fosse forrado a ouro. Quando a construção terminou, mandou celebrar as grandes solenidades da dedicação e nelas pronunciou a oração magnífica que a Bíblia nos conserva e que inspirou muitíssimos passos da liturgia da dedicação das Igrejas.

As partes cantadas da Missa de hoje resumem à maravilha os sentimentos que orientaram o grande monarca na construção da obra e na composição da oração: uma grande ideia da majestade de Deus e do respeito devido aos lugares santificados pela Sua presença, aliada a uma confiança inabalável na proteção divina e na imensa bondade do Senhor.

 

Missal Quotidiano e Vesperal por Dom Gaspar Lefebvre, Beneditino da Abadia de S. André. Bruges, Bélgica: Desclée de Brouwer e Cie, 1952.

Introdução ao sétimo domingo de Pentecostes

“Pelos frutos se conhece a qualidade da árvore” (Evangelho)

 

Paramentos verdes

 

As lições do Breviário terminam hoje a história de Davi e começam a de Salomão. Ao ascender ao trono de seu pai, Salomão pediu a Deus que lhe desse a sabedoria necessária para discernir o bem do mal e conduzir o seu povo no caminho da justiça. E Deus respondeu-lhe: “Porque só isto Me pedes, porque nem Me pedes vida longa e venturosa, nem riqueza, nem a morte dos inimigos, mas apenas inteligência para praticar a justiça, farei o que tu queres. Dar-te-ei, pois, um coração tão sábio e inteligente como nunca existiu nem existirá sobre a Terra. E dar-te-ei mais isto que não Me pediste: terás glória e riqueza a tal ponto que não se achará nenhum semelhante a ti em todos os séculos passados. E se andares nos meus caminhos e guardares os meus mandamentos como fez o teu pai Davi, Eu prolongarei os teus dias”. E a promessa de Deus cumpriu-se. Salomão foi um monarca poderoso e sábio, cuja aliança era desejada pelos povos vizinhos. Rei pacífico, Salomão é figura de Cristo, o Príncipe da paz, proclamado pelas nações; sábio entre os sábios, prenuncia o Filho de Deus, a Sabedoria encarnada, que viria estabelecer definitivamente a separação do bem e do mal e guiar o seu povo nos caminhos do Altíssimo.

Melhor que Salomão, ensinou Jesus a sabedoria verdadeira que nos legou no Evangelho e na palavra da sua esposa, a Igreja. E é necessário, é absolutamente indispensável para entrarmos no Reino dos Céus, seguir e amar com inteireza esta doutrina. A Epístola e o Evangelho são que o dizem: “Não é aquele que diz Senhor, Senhor, quem entrará no Reino dos Céus, mas o que fizer a vontade de Deus”. E S. Paulo procura convencer-nos da mesma verdade e da necessidade para todos impreterível de pertencer a Cristo sem reservas e de lhe ser fiel até à morte. E neste ponto, Davi e Salomão são para nós ainda uma lição ao mesmo tempo terrível e consoladora. Salomão não perseverou, foi infiel ao Senhor e a sua glória, ainda que deslumbrante, não tardou a diluir-se no vácuo donde se erguera. Faltou-lhe a consistência. Davi, não obstante o seu pecado terrível, é maior, porque chorou amargamente, e foi tão sincera a sua conversão que a sua piedade inspira ainda hoje a piedade das almas santas. Peçamos a Deus que nos conduza no caminho da Sua justiça e que aparte de nós tudo o que nos pode causar dano e nos conceda tudo o que nos pode servir de auxílio.

 

Da Epístola: os pecados da carne e do espírito têm por salário a vergonha e levam à morte eterna. A virtude tem por recompensa a santidade já neste mundo e a vida eterna no outro.

 

Missal Quotidiano e Vesperal por Dom Gaspar Lefebvre, Beneditino da Abadia de S. André. Bruges, Bélgica: Desclée de Brouwer e Cie, 1952.

Introdução ao sexto domingo de Pentecostes

Comeram todos e ficaram saciados” (Evangelho)

 

Paramentos verdes

 

Um grande pensamento domina toda a liturgia de hoje: a necessidade de destruir o pecado por meio dum arrependimento sincero e de pedir a Deus a graça de não recair nele. É no Batismo que morremos para o pecado e é na Eucaristia que encontramos aquela energia que nos permite caminhar sem desfalecer no caminho da virtude. A Igreja impregnada ainda do pensamento destes dois sacramentos que conferiu aos fiéis na Páscoa e no Pentecostes, continua a falar-nos deles neste tempo. As lições de Matinas contam-nos, com efeito, o caso lamentável de Davi, em que este poderoso monarca sucumbiu às insinuações malignas da serpente, demonstrando que todo o homem, qualquer que seja o grau de dignidade ou virtude a que tenha ascendido, conserva sempre a lama original de que Deus o formou.

Queria Davi casar-se com Betsabé, esposa dum dos oficiais do exército. Para o conseguir enviou o seu marido Urias que andava em campanha para um lugar perigoso onde o risco de morte era iminente. Urias efetivamente morreu e Davi casou-se com Betsabé, de quem teve um filho. Mandou então o Senhor o profeta Natan a dizer-lhe: “Ó Rei, havia na cidade dois homens, um rico outro pobre. O rico tinha ovelhas e manadas de bois em grande número, o pobre não tinha coisa alguma senão uma ovelhinha que ele comprara e criara e que tinha crescido em sua casa juntamente com seus filhos, comendo do seu pão, bebendo do seu mesmo copo e dormindo no seu regaço. Ele lhe queria como filha. Como, pois, um forasteiro viesse ver o rico, não querendo este tocar nas suas ovelhas nem nos seus bois, para dar um banquete àquele forasteiro tomou a ovelhinha do pobre e preparou-a para dar de comer ao hóspede”. Davi indignado exclamou: “Por Deus, que tal homem é merecedor de morte” E tornou Natan: “Pois és tu esse homem. Tinhas todas as donzelas de Israel para escolheres como esposa e violentaste a mulher de Urias. Por isso, Deus suscitará da tua própria casa a desgraça contra ti” Então, Davi, arrependido, exclamou: “Ai de mim que pequei contra o Senhor” E tornou-lhe Natan: “Por causa do teu arrependimento o Senhor perdoou-te. Não morrerás. Mas serás castigado e o filho de Betsabé perecerá”. Passado algum tempo o pequeno morria e Davi oprimido pela dor ia prostrar-se no templo diante de Jeová.

Davi, comenta S. Ambrósio, não pôde tolerar o peso do pecado que o oprimia e sem dilação confessou diante do Senhor o seu crime. A generalidade dos homens não faz assim. Onde se encontra hoje um indivíduo um pouco mais rico que os seus vizinhos, que se não agaste como de coisa indigna da sua considerada posição, se o confessor o repreender e aconselhar a meter-se por caminhos mais retos e mais santos! Mas os santos do Senhor que ardem por avançar nas apertadas sendas de Deus, se lhes acontece de cair, levantam-se com mais ardor para a carreira e, estimulados pela vergonha da queda, redobram de coragem no combate para ressarcir, e sempre com vantagem, o inadvertido lapso.

A Missa completa perfeitamente as instruções do Breviário. Na Epístola, S. Paulo recorda-nos, e com que insistência, que, uma vez mortos para o pecado no Batismo, devemos viver a vida nova, a vida que é sem pecado e vem de Deus. E se pecarmos, se tivermos a grande desgraça de nos despojar dessa vida nova, então vamos aos pés de Deus implorar o seu perdão (Gradual), para continuarmos a louvá-lO em torno do seu altar (Comunhão). E Deus não deixará de ouvir a nossa prece e de firmar os nossos passos na vereda dos seus mandamentos, porque Ele diz que é coragem, escudo e guia para o seu povo. O Evangelho, finalmente, aponta-nos a fonte divina onde devemos beber a força de que precisamos para seguir o Senhor até o Céu sem desfalecer pelo caminho.

A multiplicação dos pães é com efeito figura da Eucaristia, que é viático para todos nós, não apenas no fim da vida quando se empreende a viagem para além, mas durante a vida toda. Ela aperfeiçoa a graça do Batismo, dando-nos força para não cair, e alentando e desenvolvendo a vida de Deus em nós até desabrocharmos na plenitude perfeita da pátria para onde vamos.

 

Missal Quotidiano e Vesperal por Dom Gaspar Lefebvre, Beneditino da Abadia de S. André. Bruges, Bélgica: Desclée de Brouwer e Cie, 1952.

Introdução ao quinto domingo de Pentecostes

“Vai primeiro conciliar-te com o teu irmão” (Evangelho)

 

Paramentos verdes

 

A liturgia deste domingo ensina-nos o modo como devemos perdoar as injúrias e, como no anterior, tem aqui esta doutrina dois elementos por base: a história de Davi que continua a ler-se no Breviário e um passo da Epístola de S. Pedro cuja festa se celebra nesta altura. Esta semana era até chamada outrora, por este motivo, a dos Apóstolos 1.

Logo que Davi derrotou Golias, Israel triunfante vitoriava os soldados e cantava: “Saul matou mil e Davi dez mil”. Saul irritou-se com isto e a inveja mordeu-lhe o coração. “Mil eu e dez mil Davi, dizia. Então será Davi mais do que eu? Que lhe falta senão ser rei?”

E desde esse dia, nunca mais o pôde ver com bons olhos, como se adivinhasse que Davi fora escolhido por Deus. A inveja fê-lo criminoso. Por duas vezes tentou mata-lo e por outras tantas Davi evitou o golpe. Então mandou-o para a guerra, na esperança de que lá morreria. Davi, porém, regressou vitorioso à frente do exército. Saul desesperou e entrou de persegui-lo abertamente. Um dia que andava a procura-lo desceu para repousar a uma caverna tenebrosa onde Davi se ocultara; desceu e dormiu. Disse então a Davi um dos seus companheiros: “Eis o rei; o Senhor entregou-o nas tuas mãos. É sem dúvida o momento de o matares”. “Não, respondeu Davi. Não permita Deus que eu desrespeite jamais o que recebeu a unção santa”.

E contentou-se de lhe cortar a orla do manto e de lha mostrar de longe quando o dia rompeu. Então Saul chorou e disse: “O meu vassalo Davi é melhor do que eu”. Surpreendeu-o ainda outra vez Davi em pleno sono, com a lança à cabeceira e apenas lhe pegou nela e na taça, Saul abençoou de novo Davi sem, no entanto, deixar de o perseguir. Mais tarde os filisteus recomeçaram a guerra e os Israelitas foram derrotados. Suicidou-se Saul, lançando-se sobre a própria espada. Davi, longe de se alegrar com a morte do rei, rasgou as vestes e chorou amargamente e mandou cortar a cabeça ao amalecita que se atribuía o pretendido mérito de matar o monarca e lhe trouxera a notícia com a coroa. “Montanhas de Gelboé, exclamou, que nem o orvalho nem a chuva descem jamais sobre vós, que vistes tombar os heróis de Israel, Saul e Jonatas, tão amáveis e tão belos durante a vida e que a morte não pôde separar”.

A grande lição de caridade se depreende destas considerações e compreendemos agora a escolha do Evangelho e da Epístola que nos pregam ambos o dever impreterível de perdoar. “Sede, pois, unânimes na oração e não deis mal por mal, nem ultraje por ultraje”, diz a Epístola. “Se apresentares a tua oferta no altar, diz o Evangelho, e te lembrares de que o teu irmão tem contra ti alguma coisa, deixa diante do altar a oferta e vai reconciliar-te primeiro com o teu irmão”. A comunhão da Missa exprime os sentimentos de Davi ao apoderar-se da cidade de Sião e mandar colocar nela a Arca do Senhor. Isto foi a recompensa da sua invencível caridade, dessa virtude indispensável para que o culto tributado a Deus pelo homem no seu templo santo Lhe seja verdadeiramente agradável. A Epístola e o Evangelho salientam que é sobretudo quando nos reunimos para orar que mais nos devemos unir. E o melhor meio para alcançar esta virtude é o amor de Deus e o desejo veemente dos bens eternos e daquela felicidade que reina na corte do Deus vivo, onde se não entra senão pela porta estreita da renúncia e da abnegação cristã.

 

Da Epístola: A caridade é a virtude cristã por excelência porque, quando se pratica, põe em ação todas as demais virtudes. E então se a exercemos com aqueles que nos perseguem pela fé, torna-se a mais perfeita apologia do Cristianismo.

 

Missal Quotidiano e Vesperal por Dom Gaspar Lefebvre, Beneditino da Abadia de S. André. Bruges, Bélgica: Desclée de Brouwer e Cie, 1952.

  1. 1. As Missas destes primeiros domingos remontam a S. Gregório Magno.
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