Skip to content

Category: Tempo da PáscoaConteúdo sindicalizado

Páscoa

Gustavo Corção

 

No torvelinho das horas e dos dias convém considerar, vez por outra, os marcos imóveis, os sinais da eternidade. Vale a pena parar a carreira dos sucessos e, com voz da poesia, perguntas às árvores espantadas, às pedras retraídas, às casas que ficam para trás com portões de ferrugem e janelas estremunhadas, se porventura entendem a avidez que nos impele, que nos compele a perseguir um bem que logo perde o sabor quando alcançado; se entendem essa fome que se muda em fastio ou náusea à medida que morde o momento que passa e que continua a ser insaciável para os sonhos de fumaça impossível. A árvore permanece, posto que aos ventos ofereça uma mobilidade cantante e dançante; a pedra permanece; o velho portão, malgrado a ferrugem, permanece. São essências tranquilas e bem ritmadas. A seu modo humilde imitam e refletem o imutável. Sendo o que são, com simplicidade robusta, trazem a marca daquele que é o que é. Nós, ao contrário, vivemos a fugir do que somos. Essência mais alta, feita à imagem e semelhança de Deus, fugimos de Deus quando buscamos o absoluto impossível no torvelinho das coisas. Nós, que deveríamos ser mais imóveis que as árvores, as casas e as pedras, para melhor contemplarmos as realidades que resistem aos ventos e à ferrugem, nós vivemos a correr, a fugir do que temos, a buscar o que nunca teremos e, sobretudo, a assistir à rápida decomposição dos amores conseguidos. Marta, Marta, de muitas coisas te ocupas, mas uma só é necessária... Vale, pois, a pena parar a dança das horas e considerar os marcos de eternidade.

E essa sabatina de contemplação e de imobilidade que a Igreja nos propõe agora no Domingo da Ressurreição. Amanhã e depois os cuidados voltarão a empunhar as manivelas da engrenagem: hoje estamos diante da pedra de Pedro, da Casa de Deus, da árvore do Crucificado. Amanhã e depois voltaremos à lida de nossa peregrinação, aos problemas do tempo, ao petróleo de Nova Olinda, aos candidatos à presidência e à vice-presidência, aos livros escritos sobre Machado de Assis, a tudo isso que será apenas vaidade das vaidades e perseguição do vento se não soubermos trazer para esses problemas dispersos o critério fundamental que os transfigura em caminhos de Deus.

Hoje é dia de Páscoa, dia em que a Igreja, com sinais moldados nas coisas peregrinas, e com o memorial da Ressurreição testemunhada pelos Apóstolos, compõe o quadro da vitória de Cristo, e nos deixa entrever o país de maravilhas que se estende pelo outro lado do espelho — o país da divina Esperança. A obra de Cristo, espécie de usinagem operada sobre a dor e a morte e, por conseguinte sobre o que constitui o máximo espanto do mundo, abre-se agora num estuário de glória. Assistimos durante a semana, à representação do drama onde se vê passar um Deus apaixonado. O Homem das Dores de Isaías é o mesmo do Cântico dos Cânticos. É o mesmo coração vulnerado. Mas agora o círio pascal está aceso para dar o tom à nossa vida como um diapasão de luz. São Bento ensina que a vida do monge deveria ser uma contínua quaresma. A nossa também. E a quaresma deveria ser paixão; e a paixão deveria ser morte; e a morte deveria ser páscoa. A transmutação que Deus espera de nós é uma transfiguração que vá deixando o que menos somos em favor do que verdadeiramente somos por natureza e do que somos chamados a ser pelos favores da graça. De claridade em claridade, se formos dóceis, iremos caminhando, por atalhos de dores, para o país do amor perfeito que tem bandeira de fogo em mastro de cera.

Parece-vos ingênuo — ó leitores tristes — o quadro da Sião gloriosa que a Igreja põe hoje diante de vossos olhos? Parece-vos estampa infantil a santa liturgia? Ou quem sabe até se tudo isso não vos sabe a costumes obsoletos, a cerimoniais que os etnólogos explicam, a ritos que as ciências do século superaram? Por vós, e por mim, receio que a simplicidade do quadro seja chocante e não consiga atravessar a sebe de nossas complicações. Nós somos complicados; Deus é simples. Nós somos adultos, envelhecidos; Deus é mais moço do que nós. Nós somos espertos, sinuosos, ardilosos; Deus escolheu para Si as figuras do cordeiro e da pomba. Diz-nos a fé que ali, na outra margem do Mar Vermelho, onde brilha o círio da vitória, os desenganos e as tribulações terão desenlaces de prodígio; que receberemos, em medidas de alqueires calcados, recalcados e transbordantes, o que não tivemos a audácia de pedir; que serão consertadas as contradições de nossos tristes amores; que a lágrima vira joia; que a chaga vira flor. Diz-nos a fé que naquele país de maravilhas, que se estende lá do outro lado do espelho, teremos paz.

Parece-vos ingênua — ó homens tristes! — a linguagem da fé? Parece-vos insípida a comida da esperança? E quem pergunta poderá se gabar de melhor sentir e de melhor servir? Não é a descrença que mais espanta. A descrença, se me permitem os apologistas, tem certa lógica na sua retração, no seu encolhimento, no seu propósito de não levar longe demais as investigações que terminariam em incêndio. A descrença, sob esse especial ponto de vista, é mais razoável, mais compreensível do que a crença imperfeita que se detém, que se encolhe, que se retrai quando nela, na fé, tudo pede expansão e consequência. Não nos espantemos, pois, da cegueira dos descrentes porque muito mais espantosa é a meia cegueira de nossa inconsequência. Talvez fosse melhor mudar de tom. A segurança da fé e a certeza da esperança seriam mais edificantes do que os titubeios da perplexidade. Talvez fosse melhor, nessa máxima festa, procurar pífaros e cítaras para cantar o júbilo de alma cristã no dia da Páscoa do Senhor, em vez de permitir ao velho coração um gemido de cansaço... Deus há de permitir que essa tristeza se converta em alegria e que a alguém aproveite o que a nós nos pesa. É privilégio seu: é ofício de seu Filho transformar a dor em salvação e a morte em vida.

 

(Diário de Notícias, 10/04/1955)

Introdução ao quinto domingo depois da Páscoa

Deixo o mundo e vou para o Pai” Evangelho.

 

Paramentos brancos

 

A liturgia continua a cantar o triunfo de Cristo e a liberdade do povo cristão que Ele resgatou.

E nesta semana das Rogações convida-nos particularmente a unir com a sua a nossa prece, como no-lo diz a Missa das Ladainhas e até a oração e o Evangelho de hoje. Mas é preciso pedir em nome do Senhor e pedir coisas realmente de valor e de interesse para nós, a salvação em primeiro lugar, evidentemente, e então sem falta nos concederá o que pedimos: para que seja perfeita a nossa alegria e para que crendo que Ele saiu de Deus, mereçamos entrar com Ele na glória do Pai.

Cautela, pois, não nos iludamos. A Epístola de S. Tiago frisa este ponto com insistência. Não basta orar, é preciso orar bem.

 

Evangelho: “Para pedir em nome do Senhor, diz S. Agostinho, é preciso pedir aquilo que nos deve proporcionar a alegria perfeita, a perfeita alegria espiritual. E isto pediremos se o objeto da nossa prece for unicamente a vida verdadeiramente ditosa. Porque pedir outra coisa é não pedir nada, pois em comparação deste grande bem, tudo o mais é nada”

 

Missal Quotidiano e Vesperal por Dom Gaspar Lefebvre, Beneditino da Abadia de S. André. Bruges, Bélgica: Desclée de Brouwer e Cie, 1952.

Introdução ao terceiro domingo da Páscoa

Ainda mais um pouco e não me vereis” Evangelho.

 

Paramentos brancos

 

A Santa Igreja, cheia ainda das alegrias da Páscoa, irrompe num cântico de júbilo e proclama a glória de Deus. “Ainda mais um pouco, disse Jesus no cenáculo, e não me vereis”; haveis de chorar então e de vos lamentar. E mais um pouco ainda, e ver-me-eis de novo e o vosso coração se alegrará”

Os apóstolos sentiram de feito esta alegria iluminante, de que transborda a liturgia pascal, ao contemplar de novo a carne e as feições do Amigo e do Mestre ressuscitado.

A Páscoa da terra é a preparação e a representação da Páscoa eterna, da Páscoa das alegrias totais, de que há de partilhar a Igreja depois de dar à luz no exílio e na dor os que foram marcados na fronte com o sinete da vida. E esta alegria já começa aqui na terra, começa na esperança, spe gaudentes, e por aquela presença de Cristo, invisível mas real, que prometeu aos que O buscam.

Peregrinos e estrangeiros vamos a caminho do céu, animemo-nos daquela alegria cristã que nos leva para Deus, o qual nos virá em auxílio e conduzirá ao termo da viagem e à vitória.

Evangelho: “Este pouco, de que falava o Senhor aos discípulos, parece-nos longo, diz S. Agostinho, porque ainda andamos cá no exílio. Mas quando ele acabar, então veremos com surpresa como foi breve.

Que a nossa alegria se não assemelhe, de longe sequer, com a de que se há de alegrar e se alegra de fato o mundo na breve ausência do Senhor. Mas, enquanto se não realizar o objeto dos nossos desejos, cultivemos aquela alegria santa que é florir da alma entre espinhos e que se alimenta da esperança do fruto que há de vir”

 

Missal Quotidiano e Vesperal por Dom Gaspar Lefebvre, Beneditino da Abadia de S. André. Bruges, Bélgica: Desclée de Brouwer e Cie, 1952.

Introdução ao quarto domingo da Páscoa

Se Eu não me for, o Espírito consolador não virá a vós; mas Eu vo-lo enviarei” Evangelho.

 

Paramentos brancos

 

A liturgia de hoje louva a justiça de Deus, que se manifestou no triunfo do Senhor e pela descida do Espírito Santo, que, de volta ao céu, o Senhor prometera.

Deus que dera testemunho de Seu Filho, ressuscitando-O dos mortos, condena o mundo que O crucificou. Este testemunho brilhante da justiça divina deve nos consolar a alma das amarguras e das dificuldades da vida presente.

Jesus abriu-nos o caminho; Ele é o caminho, a verdade e a vida. Enquanto vivermos na terra temos de beber sem dúvida o travor do exílio, de amargar com a perseguição e a hostilidade dos elementos adversos, mas quando desabrochar no dia pleno e luminoso, que antevemos, a aurora que nos leva, se olharmos então para trás, para esses pedaços de noite e dia por onde passamos, havemos de sentir com certeza como foi breve o caminho e suave o sofrimento que nos conduziram a tão grande vitória.

São Tiago exorta-nos a sofrer com paciência, com paciência cristã evidentemente, as arestas e fadigas da jornada, porque a paciência, diz o apóstolo, dá perfeição à obra, à obra da nossa santificação, e assemelha-nos a Deus “em quem não há vicissitudes nem mudança”

 

Evangelho: “O Espírito Santo convencerá o mundo do pecado”, do pecado tão grave como jamais se viu e que os judeus, sem advertir na gravidade do ato que faziam, perpetraram, rejeitando Cristo, o Redentor.

“O Espírito Santo convencerá o mundo da justiça”, da justiça de Cristo que o mundo desprezou, crendo-se a si mesmo justo, e que Deus glorificou, com os prodígios que se seguiram à tragédia do Calvário.

“Convencerá, finalmente, o mundo do juízo”, demonstrando pela santificação das almas e pelas conquistas sempre crescentes da Igreja, que “o príncipe deste mundo já está julgado”

 

 

Missal Quotidiano e Vesperal por Dom Gaspar Lefebvre, Beneditino da Abadia de S. André. Bruges, Bélgica: Desclée de Brouwer e Cie, 1952.

Introdução ao segundo domingo depois da Páscoa

Eu sou o Bom Pastor, conheço as minhas ovelhas e as minhas ovelhas me conhecem. E dou a minha vida pelas minhas ovelhas” Evangelho.

 

Paramentos brancos

 

Diz-nos São Pedro na Epístola que Jesus é o pastor das nossas almas, perdidas tantas vezes pelos atalhos da vida, errando longe do redil. E que o Senhor veio dar a vida por elas e agregá-las à sua volta, não duvidando para o fazer, como o Evangelho acentua, deixar no deserto as noventa e nove e ir por moitas e algares à procura da desgarrada que se perdera.

Lembremo-nos que os sacerdotes são os legítimos continuadores desse pastor divino e sejamos dóceis à sua palavra e rezemos por eles para que sejam dignos do seu ministério.

 

Missal Quotidiano e Vesperal por Dom Gaspar Lefebvre, Beneditino da Abadia de S. André. Bruges, Bélgica: Desclée de Brouwer e Cie, 1952.

Introdução ao domingo in albis

Oitava da Páscoa e primeiro domingo depois da Páscoa

Paramentos brancos

 

Chama-se este domingo – Quasi modo – das primeiras palavras do Intróito e in albis porque nele depunham outrora a túnica branca do batismo.

Para ensinar os seus filhos recém-nascidos para a graça com que generosidade devem confessar o nome de Jesus, a Igreja os conduz à Basílica de São Pancrácio, que, aos doze anos, rendeu ao Senhor o testemunho do sangue.

Todo cristão deve dar testemunho de Cristo. A fé no Filho de Deus ressuscitado dar-lhe-á coragem para vencer os poderes do mal, para vencer o mundo, como diz São João. É necessário, pois, que esta fé em Jesus tenha uma base sólida; e a Igreja no-la oferece na missa de hoje. Esta fé deve ter por base, diz São João, o testemunho das três Pessoas Divinas e o da água, do sangue e do espírito que no batismo, no calvário e na vida da Igreja e dos cristãos dá testemunho da divindade de Jesus. A dupla aparição do Senhor aos apóstolos e a incredulidade de Tomé que cede à evidência mais nos confirmam nesta fé.

Pela nossa crença esclarecida e forte e pela nossa conduta impoluta rendamos à divindade do Senhor, no meio desta sociedade corrompida, o testemunho sincero da nossa alma.

 

Do Evangelho:A dureza dos discípulos em acreditar na Ressurreição, diz S. Gregório, não foi apenas sinal de que eram ainda enfermos na fé, mas antes argumento para firmar a nossa fraqueza. Menos me aproveita a mim Madalena que logo acreditou, que Tomé que duvidou por muito tempo; porque o apóstolo, tocando nas chagas, amputou-nos do peito a raiz da dúvida

 

Missal Quotidiano e Vesperal por Dom Gaspar Lefebvre, Beneditino da Abadia de S. André. Bruges, Bélgica: Desclée de Brouwer e Cie, 1952.

Introdução ao domingo de Páscoa

DOMINGO DE PÁSCOA

 

Paramentos brancos

 

Exatamente como no Natal, é em Santa Maria Maior que se faz a estação desta festa, a maior de todo o ano.

A Igreja não separa nunca Jesus de Maria e glorifica hoje com a mesma apoteose o Filho e a Mãe.

Jesus Ressuscitado dirige-se em primeiro lugar ao Pai, em homenagem de sujeição incondicional, enquanto a Igreja, por seu lado, levanta a Deus um hino de sentido reconhecimento e lhe suplica que venha em socorro dos filhos que lutam com o mundo, o demônio e a carne, a caminho da pátria nova dos céus. Mas para isto é necessário comer o Cordeiro Pascal com os ázimos da virtude, duma vida santa e impoluta. O Evangelho apresenta-nos as santas mulheres correndo ao sepulcro para ungir o Mestre com perfumes. Corramos também com a alegria de ressurgidos a ungir com o nosso amor e a nossa fidelidade à virtude o coração do Mestre, não morto, porque é imortal, mas alanceado, dilacerado pelos crimes do nosso tempo e, possivelmente, da nossa má conduta.

 

Do Evangelho: O anjo apareceu envolto numa túnica branca, diz S. Gregório, para anunciar a alegria da nossa festa. A alvura das vestes representava o brilho e a magnificência da nossa solenidade.

Da nossa? Da nossa e da deles; porque a Ressurreição do Senhor foi e é indubitavelmente a nossa festa, pois reintegrou-nos na vida da graça, e é também a dos anjos, porque reabilitando-nos para o céu preencheu entre eles as cadeiras que a defecção dos rebeldes deixara vazias.

 

Missal Quotidiano e Vesperal por Dom Gaspar Lefebvre, Beneditino da Abadia de S. André. Bruges, Bélgica: Desclée de Brouwer e Cie, 1952.

Missa do quarto domingo da Páscoa

Intróito. Sl. 97, 1 - 2. Cantai ao Senhor um cântico novo, aleluia, porque o Senhor fez maravilhas, aleluia, revelou às nações a sua justiça, aleluia, aleluia, aleluia. Sl. Foi a sua direita e o seu santo braço que o salvou. V.Glória ao Pai.

Oitava da Páscoa

 Domingo in albis

AdaptiveThemes