Skip to content

Art. 2 ― Se há voluntário nos brutos.

(II Sent., dist. XXV, a . 1, ad 6; De Verit., q. 23, a . 1; III Ethic., lect. IV).
 
O segundo discute-se assim. ― Parece que não há voluntário nos brutos.
 
1. ― Pois, voluntário vem de vontade e esta, fundando-se na razão, não pode existir nos brutos. Logo, neles não há voluntário.
 
2. Demais. ― Por serem os atos humanos voluntários, diz-se que o homem é senhor deles. Ora, os brutos, que não agem, mas antes são levados ― como diz Damasceno1 ― não têm o domínio sobre seus atos. Logo, não há neles voluntário.
 
3. Demais. ― Damasceno diz2 que os atos voluntários tem como seqüência o louvor e o vitupério. Ora, tal não se dá com os atos dos brutos. Logo, não há neles voluntário.
 
Mas, em contrário, diz o Filósofo3, que às crianças e aos brutos é comum o voluntário. E o mesmo diz Gregório Nisseno e Damasceno[f]V. supra.
 
Solução. ― Como já se disse4, a essência do voluntário implica em o princípio do ato ser interno, como algum conhecimento do fim. Ora, duplo é este conhecimento: o perfeito e o imperfeito. Pelo perfeito não só é apreendida a coisa constitutiva do fim, mas também a idéia de fim e a proporção entre este e o que se lhe ordena. E tal conhecimento do fim só é próprio à criatura racional. O conhecimento imperfeito do fim é o consistente na só apreensão dele, sem se conhecer a idéia de fim e a proporção entre o ato e este. E tal conhecimento existe nos brutos, pelo sentido e pela estimativa natural. ― Por onde, do perfeito conhecimento do fim depende o voluntário, na sua essência perfeita, pelo qual alguém pode, apreendido o fim e deliberando sobre ele e sobre o que para ele conduz, ser ou não movido para tal. ― Porém, ao conhecimento imperfeito do fim segue-se o voluntário, no sentido imperfeito, enquanto que alguém, apreendendo o fim, não delibera mas é, subitamente, movido para ele. Por onde, o voluntário, na acepção perfeita, só é próprio à natureza racional; mas, na imperfeita, também existe nos brutos.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — A vontade, designando o apetite racional, não pode existir nos seres carecedores de razão. Ao passo que a denominação de voluntário procede da vontade e pode se aplicar aos seres nos quais há participação da vontade, por alguma conveniência com ela. E deste modo o voluntário se atribui aos brutos, enquanto que, por algum conhecimento, são movidos para o fim.
 
Resposta à segunda. O homem é senhor dos seus atos porque delibera sobre eles. Pois, é porque a razão deliberante se refere a termos opostos, que a vontade pode tender para um deles. Mas nesta acepção não há voluntário nos brutos, como já se disse.
 
Resposta à terceira. ― O louvor e o vitupério são consecutivos ao ato voluntário, quanto à idéia perfeita de voluntário, que não existe nos brutos.

  1. 1. Lib. II Orthod. Fid., cap. XXVII.
  2. 2. Ibidem, cap. XXIV.
  3. 3. III Ethic., lect. V.
  4. 4. Q. 6, a. 1.
AdaptiveThemes