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Art. 1 ― Se há voluntário nos atos humanos.

(De Verit., q. 23, a . 1).
 
O primeiro discute-se assim. ― Parece que não há voluntário nos atos humanos.
 
1. ― Pois, como se vê em Gregório Nisseno1, Damasceno2 e Aristóteles3, é voluntário o que tem em si mesmo o seu princípio. Ora, o princípio dos atos humanos não está no homem mesmo, mas lhe é exterior; pois, o apetite do homem é movido a agir pelo apetível, que lhe é exterior e é um como motor não-movido, conforme diz Aristóteles4. Logo, nos atos humanos não há voluntário.
 
2. Demais. ― Como o prova o Filósofo5, não há nos animais nenhum movimento incipiente que não seja precedido de algum movimento exterior. Ora, todos os atos do homem principiam, pois nenhum é eterno. Logo, o princípio de todos os atos humanos é exterior, e portanto não há neles voluntário.
 
3. Demais. ― Quem age voluntariamente pode agir por si. Ora, tal não convém ao homem, pois, diz a Escritura (Jô 15, 5): Vós sem mim não podeis fazer nada. Logo, não há voluntário nos atos humanos.
 
Mas, em contrário, como diz Damasceno6, voluntário é o ato que é operação racional. Ora, tais são os atos humanos. Logo, neles há voluntário.
 
Solução. ― Necessariamente há voluntário nos atos humanos. Isto se evidencia considerando que o princípio de certos atos ou movimento está no agente ou no que é movido; e de outros movimentos ou atos o princípio é exterior. Assim, quando a pedra é movida para cima, o princípio dessa moção lhe é exterior; mas, quando movida para baixo, o princípio de tal moção está na pedra mesma. Ora, dos seres movidos por um princípio intrínseco, uns se movem a si mesmos e outros, não. E como todo agente ou ser movido age ou é movido para um fim, são perfeitamente movidos por um princípio intrínseco os seres em que há um princípio intrínseco, não só de serem movidos, mas de serem movidos para um fim. Ora, para que alguma coisa se faça para um fim, é necessário algum conhecimento deste. Por onde, tudo o que age ou é movido por um princípio intrínseco, com algum conhecimento do fim, tem em si mesmo o princípio de seu ato, não só para agir, mas agir para o fim. Enquanto que o que não tem nenhum conhecimento do fim, embora encerre em si o princípio da ação ou do movimento, não contém, contudo o princípio de agir ou ser movido para um fim, em si mesmo, mas em outro ser que lho imprime, para a sua moção em vista do fim. E por isso não se diz que tais seres se movem a si mesmo, mas que são movidos por outros. Ao passo que os que têm conhecimento do fim se consideram como movendo a si mesmos, por terem em si o princípio, não só de agir, mas ainda de agir para um fim. E portanto, como uma e outra coisa, i. é, o agir e o agir para um fim, procede de um princípio intrínseco, os movimentos de tais seres e os seus atos são chamados voluntários; pois, a denominação de voluntário importa em que o movimento e o ato procede da inclinação própria. Donde vem o chamar-se voluntário, conforme a definição de Aristóteles, de Gregório Nisseno e de Damasceno, o que tem um princípio interno, mas com a adição da ciência. Por onde, como o homem conhece por excelência o fim da sua obra e se move a si mesmo, os seus atos implicam o voluntário, em máximo grau.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — Nem todo princípio é princípio primeiro. Embora, pois, seja da essência do voluntário ter princípio intrínseco, não lhe vai contudo contra a essência que esse princípio seja causado ou movido por um princípio externo, pois essa essência não exige que tal princípio seja um princípio primeiro. Deve-se porém saber que pode um princípio de movimento ser primeiro, genericamente e não o ser em si mesmo; assim, no gênero dos seres alteráveis, o alterador primeiro é o corpo celeste, que todavia não é em si mesmo o primeiro motor, mas é movido localmente, pelo motor superior. Assim, pois, o princípio intrínseco do ato voluntário, que é a virtude cognoscitiva e apetitiva, é o primeiro princípio genérico do movimento apetitivo, embora seja movido por um princípio externo, quanto a outras espécies de movimento.
 
Resposta à segunda. ― Certamente o primeiro movimento do animal é precedido de algum movimento externo, sob duplo aspecto. Primeiro, enquanto por este movimento externo um sensível é apresentado ao sentido do animal, cujo sensível, apreendido, move o apetite. Assim o leão, vendo um veado aproximar-se, pelo seu movimento, começa a ser movido para ele. Segundo, enquanto, pelo movimento externo, o corpo do animal começa, de algum modo, a imutar-se, por imutação natural, p. ex., pelo frio ou pelo calor. Ora, imutado um corpo, pelo movimento de outro corpo externo, também se imuta, acidentalmente, o apetite sensitivo, que é virtude do corpo orgânico; assim quando, por uma alteração do corpo, juntamente se move o apetite à concupiscência. Mas isto não vai contra a essência do voluntário, como já se disse; pois, tais moções por um princípio externo são de outro gênero.
 
Resposta à terceira. ― Deus move o homem a agir, não só propondo-lhe ao sentido o apetível, ou imutando-lhe o corpo, mas também movendo a vontade mesma; porque todo movimento, tanto da vontade como da natureza, dele procede, como primeiro motor. E assim como não é contra a essência da natureza que o seu movimento provenha de Deus, como primeiro motor, por ser a natureza um instrumento de Deus, que se move; assim, não é contra a essência do ato voluntário proceder de Deus, por ser a vontade movida por ele. É, porém, comum à essência do movimento, tanto natural, como voluntário, proceder de um princípio intrínseco.

  1. 1. Nemesium, lib. De Nat. Hom., c. XXXII.
  2. 2. Lib. II Orthod. Fid., cap. XXIV.
  3. 3. III Ethic., lect. IV.
  4. 4. III De Anima, lect. XV.
  5. 5. VIII Physic., lect. IV.
  6. 6. II lib. Orthod. Fid., cap. XXIV.
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