Pe Xavier Beauvais, FSSPX
Diz-se que a violência é condenável por atentar contra a liberdade do outro. Ora, isso imediatamente suscita uma questão: A que nível se situa essa liberdade, e que uso se faz dela? O mau uso é considerado por todos os moralistas como uma alienação da liberdade. Esquece-se muitas vezes que a liberdade não é um dado imutável e definitivo: costuma-se ser pressuposta quando deve ser buscada. A liberdade no homem é um esboço sempre aperfeiçoável e sempre ameaçado; é um começo sem fim, uma elaboração contínua, e a violência sempre tem um lugar aí. Uma absoluta não-violência nesse domínio só poderia resultar no triunfo de todos os instintos de preguiça e anarquia, ou seja, na ruína de toda a liberdade real.
Daí a necessidade e mesmo a legitimidade de certas formas de violência, não só para melhorar o indivíduo, mas para proteger a sociedade.
Existe uma violência educadora: É aquela que exercemos sobre a criança que educamos. Ao educar uma criança, nós a obrigamos a renunciar agora a uma parte da sua liberdade para garantir melhor a sua liberdade amanhã. Sacrificamos algo no presente para o repormos amanhã.
“A cultura -- dizia Alain, que não é suspeito de ser um direitista – a cultura começa com o aborrecimento.”
Começa quando se faz com que uma criança faça o que não quer fazer. Hoje em dia, esse tipo de violência é negado. Quantas crianças pisariam na escola se tivessem escolha? Como dizia o poeta: “Com a recusa, tudo começa; com a liberalidade, tudo acaba”.
Hoje em dia é exatamente o oposto: as crianças são pequenos deuses que aprenderão todas as coisas de modo espontâneo, com boa vontade, tudo será maravilhoso. -- É assim que fazemos delas uns monstrinhos.
Existe uma violência repressiva, representada pelos organismos da terapêutica social que são, para citar alguns, a polícia e a justiça penal. Como ensinava Santo Agostinho: “o castigo é a ordem do crime”. Sua função é reeducar os delinquentes.
Exista uma última forma de violência que é muito legítima: a violência defensiva, que consiste, por exemplo, em resistir a agressão anticristã, ou na revolta de uma nação contra outra, ou contra uma casta opressora. Há também a guerra justa, ou a sublevação desencadeada contra uma tirania.
Há no homem faculdades e tendências que exigem um mínimo de violência. De um lado, os mecanismos da sensibilidade e dos humores precisam ser adestrados e disciplinados; de outro, a inclinação ao mal que deve ser freada ou, no limite, extirpada. E aos indivíduos ou às coletividades que se mostram incapazes de exercer essa violência sobre si mesmas – em outras palavras, de curar-se desde o interior – é legítimo e mesmo benfazejo que lhe sejam impostas desde fora.
[...]
Não se esqueçam de que a vida do homem será sempre um combate; as virtudes guerreiras sempre terão o seu lugar, pois o mal sempre adquirirá novas faces e disfarces. Para a boa violência, à serviço da verdade e do bem, sempre haverá emprego. O homem se reduz com a paz falsa: O que tiraríamos de uma espécie de tranquilidade no pântano? Não devemos esquecer, enfim, que toda facilidade exterior que não cria uma exigência interior, degrada o homem. Não devemos nos iludir. Enquanto existir o mal, o bem não poderá jamais se defender sem um mínimo de violência.
(L´Acampado, 170)