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Não vos inquieteis com nada

Não vos inquieteis com nada, mas em todas as circunstâncias manifestai a Deus as vossas necessidades
por meio de orações e de súplicas unidas à ação de graças
(Fp 4,6)

 

Queridos fiéis,

Enquanto o mundo moderno se precipita de cabeça rumo à tirania política, recessão econômica e perseguição cultural, é natural – e sobrenatural – para os católicos, dirigirem-se a Deus.

À medida que somos, forçadamente, desconectados do nosso controle sobre as coisas materiais, é natural que nos apeguemos com maior afinco aos bens espirituais em nossas vidas: nosso relacionamento com Deus, a família e os amigos, e com nós mesmos. Com a ajuda da graça de Deus, lucraremos dessa desconexão forçada não apenas por contemplarmos o valor das coisas espirituais, mas também por colocá-las em sua ordem devida: amar a Deus sobre todas as coisas e, então, amar ao próximo como a nós mesmos por amor de Deus.

Uma das consequências naturais desse rearranjo será uma vida de oração mais fervorosa e eficaz.

 

Definição de oração

A oração, em sentido estrito, é a elevação da mente e do coração a Deus para Lhe pedir, corretamente, algo: as graças ou dons de que precisamos para viver na terra e para atingir a vida eterna.

A oração, em sentido amplo, é a elevação da mente e do coração a Deus, não apenas para Lhe pedir algo, mas para O adorar, agradecer a Ele e fazer-Lhe reparação.

A oração, no sentido mais amplo, é uma conversa com Deus, às vezes chamada de colóquio. A oração é uma conversa, uma conversa de duas vias, porque Deus sempre responde às nossas orações, seja por inspirações interiores ou eventos exteriores; basta que estejamos ouvindo.

A natureza e finalidade da oração está explicada na Figura 1.

 

Necessidade da oração

A oração é nosso dever primário não apenas enquanto cristãos, mas mesmo enquanto homens. É natural e necessário (i. e., parte da lei natural) que peçamos graças a Ele, de Quem recebemos tudo – até mesmo nossa existência. É natural e necessário que reconheçamos, coloquemo-nos diante, honremos e agradeçamos ao Ser Supremo. É natural que conversemos com Deus, com Quem unir-nos é nosso fim último, o propósito último de nossa existência.

A oração frequente, portanto, é necessária para obter o céu àqueles que atingiram a idade da razão.

 

Tipos de oração

Há certos modos de classificar a oração:

– As orações podem ser classificadas de acordo com seu fim: culto (isto é, adoração, ação de graças e reparação) ou petição.

– A oração pode ser pública ou privada. As orações públicas, neste sentido, são as orações oficiais da Igreja, também chamadas de Liturgia. Essas orações estão contidas nos livros oficiais da Igreja: o Missal, o Ofício Divino (Breviário), o Ritual e o Martirológio e são rezadas por um ou com um ministro da Igreja.

– A oração pode ser pessoal ou coletiva.

– A oração pode ser vocal ou mental.

 

Os vários tipos de oração estão explicados na Figura 2.

 

*Figura 1*

 

*Figura 2*

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Eficácia da oração na santificação

A oração produz três efeitos maravilhosos na alma:

– ela promove, em nós, o desapego das criaturas

– ela nos une inteiramente a Deus

– ela, gradativamente, transforma-nos em Deus

A oração promove, em nós, o desapego das criaturas na medida em que elas são um obstáculo para nossa união com Deus. Esse efeito da oração decorre da sua própria natureza como uma elevação do coração a Deus.

O segundo efeito da oração – a união – é realizada através da conversação íntima e é preservado pelo temor de perder a Deus através do pecado mortal, ou de afastar-se dEle através do pecado venial ou das imperfeições.

A oração, gradativamente, transforma-nos em Deus pela graça santificante que Deus nos dá. São Francisco de Sales diz:

“Se a oração é um colóquio ou uma conversação da alma com Deus, então que falemos a Deus, e Ele fale de volta a nós; que aspiremos a Ele e respiremos nEle, e Ele, reciprocamente, inspire-nos e respire sobre nós”

 

Eficácia das orações de petição

As orações de petição sempre serão atendidas, pois temos a promessa do próprio Cristo:

“Pedi, e vos será dado; buscai e achareis; batei e abrir-se-vos-á" (Mt 7,7);

“Por isso vos digo: tudo o que pedirdes na oração, crede que o haveis de conseguir e que o obtereis” (Mc 11, 24)

Há, porém, algumas condições. Primeiramente, Deus só nos dá aquelas coisas que são verdadeiramente boas para nós, o que significa que nós só devemos rezar pedindo as coisas que, direta ou indiretamente, dizem respeito à nossa salvação ou à salvação de outro.

Então, quando rezamos, devemos rezar com atenção, fé firme, desejo ardente, esperança, docilidade e humildade.

Quando rezamos dessa maneira pedindo algo, jamais saímos sem ser recompensados. Pois, embora Deus já soubesse de cada necessidade nossa desde a eternidade, e tem Sua vontade fixa por toda a eternidade, Seu conhecimento prévio de nossas orações faz parte de Seu plano providencial para o universo. E, dessa maneira, podemos dizer que nossas orações, de fato, são a causa da munificência de Deus.

Se o que pedimos não for o melhor para nossa salvação, nossa oração, ainda assim, não deixará de nos trazer novas graças e um aumento da fé, esperança e caridade, desde que rezemos com humildade.

 

Oração vocal

Quando decidimos rezar, a maioria de nós, instintivamente, recorre à oração vocal, que envolve a recitação de textos fixos, como a Liturgia da Igreja, ou devoções como o Rosário, hinos, ladainhas, atos de consagração, etc, ou falando com palavras próprias.

A oração vocal, porém, não está na recitação de palavras; está na elevação da mente e do coração a Deus por atos afetivos de humildade, fé, esperança, caridade, gratidão e pesar que as palavras evocarem ou permitirem. É importante entender isso, pois nos ajudará a perceber que a atenção a Deus, a Quem nos dirigimos, é necessária e evitará que cometamos o erro de multiplicar nossas orações vocais sem atos afetivos de virtude. Não precisamos nos concentrar nas palavras, mas precisamos nos concentrar em Deus.

 

Oração mental

A oração mental é uma forma mais elevada de oração, pois é mais espiritual e, portanto, mais adequada à união com Deus. Também é mais difícil, razão pela qual muito poucos rezam bem dessa maneira.

A oração mental pode ser, de maneira ampla, dividida em oração meditativa ou oração contemplativa em razão das operações na alma de cada uma. Ela também é dividida de outros modos pelos autores espirituais.

A figura 3 contém a divisão da oração mental de Santa Teresa d’Ávila.

Oração

Sentidos exteriores

Vontade

Razão

Memória

Imaginação

Origem

Objetivo/resultados

Mental (deliberação)

Voluntariamente suspensos

Uso completo

Uso completo

Uso completo

Uso completo

Natural & sobrenatural

Discursivo

Refletir sobre verdades

Recoleção

Voluntariamente suspensos

Uso completo

Uso completo

Uso completo

Uso completo

Natural & sobrenatural

Consciência da presença de Deus

Quietude

Orações repetitivas/escrita

Absorta em Deus

Uso completo

Uso completo

Uso completo

Puramente sobrenatural

Quietude apesar de alguma distração parcial

União

Involuntariamente suspensos

Absorta em Deus

Absorta em Deus

Uso completo

Uso completo

Puramente sobrenatural

Paz no amor de Deus

Êxtase/arrebatamento

Involuntariamente suspensos

Absorta em Deus

Absorta em Deus

Absorta em Deus

Absorta em Deus

Puramente sobrenatural

Transes, êxtases, levitação

Meditação

A oração meditativa é a forma mais simples de oração mental e pode ser definida como “uma divagante reflexão amorosa das verdades religiosas”, através da qual elevamos nossas mentes e corações a Deus.

O que isso significa é que, após nos colocarmos na presença de Deus (imaginando-nos ajoelhados ante Seu trono, ou sentados aos Seus pés ou de qualquer outra maneira que nos seja conveniente para nos imaginar na Sua presença), começamos a pensar nEle ou em algum aspecto de Seu mundo criado e das suas criaturas como sendo ordenadas a Ele. Mas o objeto desse esforço de reflexão discursiva não é obter uma compreensão melhor das verdades da nossa fé (ou mesmo verdades da Filosofia ou ciência relacionadas com Ele), e sim descobrir manifestações de Seu amor por nós.

São João da Cruz afirma, sucintamente: “O fim da meditação e da consideração mental das coisas divinas é obter algum conhecimento do amor de Deus” Portanto, a meditação pode ser vista como uma parte do primeiro estágio de cortejo. Assim dois espíritos semelhantes atraem-se um ao outro, eles se encontram conversando com prazer e, quando a sós, ponderando sobre sua conversação, pela meditação ponderamos as palavras e ações de Deus na Escritura, na Teologia e nas vidas dos Santos ou em nossas próprias vidas para descobrir novas razões para amar a Deus e novos sinais do amor de Deus por nós.

A diferença entre amantes humanos e amantes divinos é que, em vez de nos indagarmos se o outro nos ama, sabemos que Deus nos ama com certeza da fé e da razão. Nossas meditações, portanto, são um exercício na descoberta e elucidação desse amor e na provocação do nosso amor por Ele através dessa descoberta.

A oração da meditação, embora mais livre que a oração vocal, não deve estar totalmente privada de uma estrutura, pois nossa frágil natureza humana requer algum tipo de apoio. Tipicamente, a oração meditativa deve incluir os seguintes passos:

– Colocar-se na presença de Deus,

– Refletir sobre o tema da meditação (p. ex., o Evangelho do dia)

– Ponderar os pontos da meditação

– Conversar com Deus

– Formar resoluções

Sta Teresa d’Ávila admitia ter grande dificuldade de se concentrar nas meditações e, portanto, defendia a meditação com um livro, para que seja possível ler e reler a seção de um texto.

Algo que devemos evitar quando meditamos é tornar-nos o objeto da meditação. Nossa oração não deve ser uma torturante extensão do exame de consciência.

 

Contemplação

A meditação é o primeiro estágio do cortejo; é uma oração-meio conducente à perfeição da oração, que é a contemplação. Sta Teresa d’Ávila descreve a contemplação como “nada além do íntimo comércio da amizade, na qual uma alma conversa um a um com esse Deus, que ela sabe que a ama”

No começo, é um colóquio íntimo, totalmente pessoal e espontâneo, sem preocupações com forma e ordem e procedente, apenas, do fluxo de amor do coração. Assim como dois amantes, convencidos de seu amor mútuo, sentem total liberdade e prazer na companhia um do outro, a contemplação é aquela relação de amor com Deus livre, desinibida. Às vezes a alma fala, às vezes mantém-se em silêncio, ouvindo interiormente, para perceber os movimentos da graça, que são a resposta de Deus

Quando todos os desejos de nosso amor foram falados, assim como dois amantes podem olhar um para o outro em silêncio, nosso colóquio cessa e nossa alma é acalmada em contemplação silenciosa de Deus. Essa é a consumação da oração de contemplação: uma intuição simples da Verdade. Na contemplação, a alma em busca de Deus é iluminada por Sua luz e é atraída intensamente a Ele.

Essa é a forma mais elevada de oração e não é algo que pode ser atingido por um método; é um dom livre que Deus dá em breves momentos ou por períodos prolongados, para encorajar as almas em sua obra de santificação

 

Não vos inquieteis

Após termos lembrado a natureza, necessidade e tipos de oração, enquanto contemplamos as nuvens da revolução se fechando, lembremos, ainda, que nenhuma tirania, nenhuma pobreza e nenhuma perseguição religiosa pode nos remover o maior bem, aquela pérola que é nosso relacionamento pessoal com nosso Deus de amor. Como São Paulo diz,

Não vos inquieteis com nada, mas em todas as circunstâncias manifestai a Deus as vossas necessidades por meio de orações e de súplicas unidas à ação de graças (Fp 4:6)

 

In Jesu et Maria,

Pe. Robert Brucciani

(Ite Missa Est, Março-Abril 2021. Tradução: Permanência)

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