Pe. Gabriel Billecocq, FSSPX
No alvorecer do dia 13 de outubro de 1884, enquanto fazia a sua ação de graças, Leão XIII viu o diabo sendo desacorrentado no nosso mundo contemporâneo. Como age hoje em dia o anjo caído para atrair as almas? É o que veremos no presente artigo.
Por modo de ausência
Um espião invisível é bem mais poderoso do que um inimigo descoberto. Eis a razão do demônio gostar de ser esquecido: quanto menos se fala dele, menos é notado e denunciado, tornando-se mais poderoso e satisfeito. Pois, desse modo, os homens não se previnem.
É o que ocorreu no fim do século XX. O diabo se esconde por detrás de todos os erros que promovem o homem. Poderíamos pensar, inicialmente, no ceticismo. Realmente, o racionalismo e, sobretudo, o cientificismo, são engenhosos esconderijos para o príncipe deste mundo. O cientismo particularmente, que busca demonstrar tudo por meio da ciência moderna postulando a inutilidade de Deus, o poderio do homem e, portanto, a ausência do demônio. Auguste Comte o formulou muito bem, ele, que chegou a inventar a religião cientista, na qual o gênero humano seria o sacerdote da natureza.
Infelizmente, a igreja conciliar tomou a frente desse mecanismo diabólico. O ecumenismo, cujo fundamento é a relativização de toda verdade, tem por sucedâneo uma tamanha tolerância que tudo se torna verdadeiro desde que os homens assim o pretendam. O mal não existe mais, as forças diabólicas não têm razão de ser. Como disse recentemente o Papa Francisco a propósito do vírus universal: o homem agrediu a natureza e ela lhe deu o troco com esta doença.
Exit Deus da vida do homem. Exit portanto o demônio, que reina melhor quanto mais escondido está.
Por modo de sugestão
O fato de ser ignorado não significa que ele não age, muito ao contrário. E seu modo de agir é velho como o mundo. Desde Eva e até o final dos tempos, a estratégia é a mesma. A tentação passa pelos sentidos exteriores, penetra a imaginação para excitá-la antes de se propagar mais profundamente na alma, com o intuito de arrancar da vontade o consentimento.
O ponto de partida não é difícil de se conhecer: são as três concupiscências. O amor dos prazeres sensuais e grosseiros, a posse imoderada de riquezas e bens desse mundo, o desejo de poder e o orgulho, tais são, infelizmente, as tristes engrenagens de toda alma humana manchada pelo pecado original. Não há nada de novo, a tática é sempre a mesma, mas funciona.
No tocante ao católico que combate e faz sacrifícios, o demônio percebe logo que as sugestões grosseiras tem menos influência. É por isso que, antes de tentá-lo no sentidos, obceca a imaginação ao ponto de perturbar a sua inteligência. Ele quer que o vejamos por toda parte, que sua presença assombre a tal ponto a alma que o pobre católico creia que atua de modo universal em todos os acontecimentos da sua vida. Essa obsessão engendra a necessidade impulsiva de falar do diabo a todo tempo, chegando ao ponto de pedir um exorcismo. Sugestão terrível e diabólica que nos faz pensar no gato que brinca sem parar com uma bola de meia.
Por modo de temor
Para além da sugestão a se mostrar por toda parte, o diabo concentra a alma do infeliz homem. Então, a alma vive no temor, enxerga pecado em tudo, dá à vida humana um aspecto pessimista e sombrio, em seguida engendra o descorajamento interior.
Nisso, o demônio é fortíssimo. Ele insiste em uma verdade essencial: é preciso combater o pecado e não abandonar a nossa alma no mal. Mas, insiste a tal ponto nessa verdade, que nos faz esquecer o correlativo necessário e redentor: a luta contra o pecado passa primeiro pelo amor de Deus. Assim, a alma humana, ao invés de se entregar à confiança e à esperança teologal, fecha-se num temor desmedido do demônio.
O mundo moderno que tanto escraviza os homens estimula o medo nas almas humanas. O demônio se aproveita desse temor onipotente, aguça-o para afastar as almas de Deus. O medo do demônio domina a alma e faz com que se dê ao demônio demasiada importância. Quanto mais nos ocupamos dele e nos concentramos na sua presença, mais nos esquecemos de que a alma é feita para Deus e que, pela graça divina, ela está nas mãos do seu Criador.
Por modo divino
Finalmente, excetuando-se os católicos que conhecem o demônio, obcecam-se por ele e caem nas suas redes, há ainda outros homens que o conhecem bem. Infelizmente, não são católicos. Estes votam-lhe um verdadeiro culto.
Essa é a vitória mais terrível do demônio, na qual toma o lugar de Deus para ser honrado. Pense-se nos sacrifícios humanos, bem mais numerosos do que parece. Pensem nas missas negras e comércios de crianças para cumprir esses ritos. Pense-se finalmente como os príncipes da igreja conciliar se entregam agora ao jogo do globalismo e da maçonaria, tornando o príncipe desse mundo mestre do universo inteiro.
Um brilho sublime de esperança
Em vista desse quadro, haveria motivo para se desesperar ou, ao menos, para desanimar. Mas isso seria esquecer duas coisas:
A primeira, que nós não pertencemos àquela raça de fariseus que procuravam a felicidade aqui embaixo. Os sequazes de Satanás podem fazer o que querem, mas não podem nos fechar o Céu. Antes, é o Céu que se fecha para eles.
A segunda é a palavra de Nosso Senhor aos seus apóstolos: “tende confiança, eu venci o mundo”, subentende-se aqui o império de Satanás. E acrescenta: “Eu estarei convosco todos os dias, até ao fim do mundo”.
Se Nosso Senhor está conosco, quem será contra nós?
(Tradução: Permanência. Le Chardonnet, nov/2020)