A unidade por acréscimo
Ao criticar as reações de alguns católicos diante das decisões episcopais tomadas em resposta às restrições de culto impostas pelo governo, um bispo francês afirmou, numa recente emissão de rádio, que ele era o “garantidor da unidade” da sua diocese. Para além da banalidade dessa observação – pois toda autoridade legítima e reconhecida é, em si mesma, garantia da unidade do organismo do qual está à frente – essa afirmação causa espanto: esperaríamos antes que um bispo se apresentasse como “garantidor da fé”, como ensina o catecismo.
Sem dúvida, deve-se atribuir a esse episódio um caráter talvez aproximativo, próprio do discurso verbal; o autor talvez não escreveria o que disse. Pois, desde quando garantir a unidade do rebanho que lhe foi confiado é a função primeira de um bispo? Não seria antes a consequência de outro atributo da função episcopal? De todo modo, é uma definição incompleta.
Que unidade?
A unidade é certamente um bem e, a esse título, merece ser procurada. Mas, a unidade pode servir a fins diferentes, nem todos necessariamente honestos: é possível haver unidade no erro -- nesse caso, a unidade já não é um bem. De modo análogo, quando reconhecemos que a união faz a força, isso nem sempre é bom, pois a união faz a força... tanto para os bons, como para os maus, infelizmente!
Desse modo, é preciso definir de que unidade se trata. A unidade pode ser constituída de diversos modos: ao redor de um homem, de um princípio, de uma tarefa a ser realizada... Pode haver uma unidade exterior, formal, visível, circunstancial, que se traduza em atos concretos, mas não implique em uma unidade interior acerca dos princípios ou dos fins a serem alcançados. A unidade pode ser substancial, como a do corpo humano, apesar da diversidade dos seus órgãos. Pode ser uma unidade simplesmente de ordem, como a que há em uma família ou em um exército.
Portanto, há diferentes formas de unidade; nem todas possuem o mesmo valor ou força. Dizer-se garantidor da unidade é, por conseguinte, insuficiente para definir uma função.
Contudo, objetarão alguns, Nosso Senhor disse: “(...) que sejam todos um, como tu, Pai, o és em mim, e eu em ti, para que também eles sejam um em nós, a fim de que o mundo creia que tu me enviaste” (Jo 17,21). Sim, mas, quando disse isso, Nosso Senhor não se dirigia aos apóstolos, antes, pedia uma graça ao seu Pai. A Pedro, Jesus não disse: “guardai os teus irmãos na unidade”, e sim: “E tu, uma vez convertido, conforta os teus irmãos” (Lc 10, 32). Ao enviar os apóstolos, não disse: “uni as nações!”, mas: “Ide, pois, ensinai todas as gentes, batizando-as em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28,19).
Um princípio de unidade
No seu tempo, Santo Agostinho ensinava: “In necessariis unitas, in dubiis libertas, in omnibus caritas.” (Nas coisas necessárias, união; nas debatidas, liberdade; em todas as coisas, caridade”). Para esse grande doutor da Igreja, a unidade devia ser procurada, portanto, antes de tudo nos princípios. E até em época recente, a união dos batizados se fazia em torno dos princípios da fé, como o símbolo de Nicéia-Constantinopla, ou nas três grandes referências: a Santa Virgem, a Missa e o Papa.
Mas, nos nossos dias, em favor da abertura ao mundo preconizada pelo Vaticano II, um desvio realizou-se: a união é frequentemente procurada não mais em torno da adesão a princípios claros, mas ao redor de uma participação ativa em atos exteriores. Por exemplo, pede-se aos padres apegados à missa tradicional marcar a sua unidade com o seu bispo participando da missa crismal. O novo rito do batismo leva a ver o sacramento mais como uma acolhida pela comunidade eclesial do que o apagar da mancha original e a recuperação da vida sobrenatural.
A união, portanto, não é mais marcada pela afirmação de uma mesma fé, mas pela participação em um novo cerimonial. Claro, a participação em uma cerimônia marca uma certa forma de unidade, mas de nível inferior. A unidade espiritual em torno dos dogmas da fé é de ordem superior pois ela conduz a outra unidade, dessa vez exterior: a participação em ações comuns. O inverso não é verdadeiro: podemos participar em uma cerimônia sem, contudo, partilhar da mesma fé. Os encontros de Assis são prova disso.
Unidade na verdade
Portanto, é necessário buscar a unidade na verdade: antes de tudo, é preciso que haja união na fé, união em Jesus Cristo. Era essa unidade na fé que produzia a união da Europa, antes da Reforma a ter implodido; isso apesar das lutas, por vezes ferozes, entre os diferentes reinos.
A unidade europeia quebrou-se quando o catolicismo deixou de ser a referência comum. A Europa moderna marcha para a sua perdidão pois busca recuperar sua unidade em torno de valores materiais: dinheiro, fronteira, defesa... recusando toda referência às suas origens cristãs.
Pois há uma unidade do gênero humano que Nosso Senhor não quer: aquela que se faz sem Ele. A única e verdadeira fonte de união é a que se faz na fé e na verdade ou, se quisermos, a união pela verdade ou em torno da verdade.
É por isso que, bispos ou não, a atitude que devemos ter deve se inspirar no Sermão da Montanha (São Mateus, capítulos 5 e 6), em que Nosso Senhor declara o seguinte:
“Buscai pois, em primeiro lugar, o reino de Deus e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão dadas por acréscimo”
(Action Familiale et Scolaire, 247. Tradução: Permanência)