Um monge beneditino
São Bento morreu 1360 anos antes de São Pio X escrever sua encíclia Pascendi em 1907, descrevendo o modernismo. Apesar dos vários séculos que separam esses dois homens da Igreja, eles tinham pensamentos sobre a sociedade muito semelhantes. São Bento, no Capítulo IV da sua Regra, afirma que o monge “não deve preferir nada a Cristo”. São Pio X, no começo de seu pontificado, declarou que seu objetivo, como Vigário de Cristo na terra, era “… restaurar todas as coisas em Cristo”. Apesar desses dois estarem tão distantes na história da Igreja, eles desejavam que tanto a alma individual quanto a sociedade como um todo fossem consagrados a Cristo.
O modernista, de acordo com um autor, tem “… a ambição de eliminar Deus da vida social”. O homem que tenta remover Deus da vida social já O removeu da sua alma. Como diz o adágio, “a natureza abomina o vazio”. Se removermos Deus da humanidade, o vazio precisa ser ocupado com alguma coisa. O modernismo substitui Deus pelo homem, negando a Deus seus direitos como nosso Pai. São Pio X explica que o modernismo crê numa “imanência vital”, que nada mais é que a vida humana transcorrer sem Deus. Na sua Regra, São Bento também repreende comunidades monásticas instáveis que substituem a vontade de Deus pelos seus caprichos pessoais. Tudo de que eles gostam é considerado lícito, e seus desgostos são ilícitos.
Todo pecado é uma declaração de independência a Deus e a sua Igreja. Nós, como pecadores, substituímos a vontade de Deus pela nossa vontade própria. Nós, injustamente, usurpamos sua autoridade e convencemo-nos de que não precisamos de seu auxílio. A crise dos nossos tempos, tanto na Igreja, quanto na sociedade, não é um ataque externo, mas interno. É uma espécie de decadência intelectual da capacidade do homem de raciocinar. Através do orgulho, o modernista se convence de que tudo vem dele e de que toda a realidade depende da sua opinião pessoal. O depósito da fé imutável revelado por Deus e confiado à Igreja, agora, está sujeito ao julgamento pessoal e à opinião de cada homem. O conceito modernista de verdade se desenvolve dentro e através do homem, não existe mais fora do pensamento humano. A verdade de Deus não mais transcende, vinda de cima como um dom de Deus, mas desenvolve-se pelo complexo progresso do pensamento humano. Com esse mindset, os deveres religiosos do homem, o conteúdo de sua fé e seu comportamento moral estão excluídos da autoridade da Igreja. Todas as suas decisões vêm de dentro e não mais dependem de Deus e da Igreja. Essa evolução confirma a frase darwiniana “sobrevivência dos mais aptos” no campo do pensamento.
O modernista considera a coerência contínua da fé do ensinamento da Igreja como um grande obstáculo ao progresso da humanidade. Essa doutrina constante e estável impediria o desenvolvimento natural do homem e, portanto, seria maléfica à sociedade. Eles, em essência, afirmam que a estabilidade da Verdade bloqueia o processo evolutivo necessário do homem. Se perdermos de vista nossa absoluta dependência de Deus como nosso Criador e Autor de toda a verdade, criamos um mundo artificial sem Pai. O modernista substitui Nosso Pai celestial por alguns slogans idealistas e torna-se um órfão numa sociedade sem Pai. O modernista declara, em essência, que ele é Deus.
A sociedade de hoje é órfã. A vida de um modernista existe por imanência vital, que se desenvolve por uma energia interior impossível de ser controlada. Essa é a mesma ideia de evolução que Teilhard de Chardin proclama: “… é uma condição geral, à qual todas as teorias, todas as hipóteses, todos os sistemas devem reverência e que eles devem satisfazer daqui em diante se anseiam ser cogitáveis e verdadeiros. A evolução é uma luz que ilumina todos os fatos, uma curva que todas as linhas devem seguir”. Karl Rahner também afirma que “a graça pode ser considerada como pertencendo à existência do homem”. Dessas ideias, o modernista conclui que ele se tornou Deus, não precisando, assim, de um Pai.
Esses erros levam às sublevações em geral que vemos na sociedade de hoje. As crianças de hoje podem escolher seu sexo se não estiverem satisfeitas com a maneira como nasceram. Pode-se, legalmente, casar-se com outra pessoa do mesmo sexo e adotar filhos. A estranha doutrina do transhumanismo proclama que o homem pode e deve direcionar, material e intelectualmente, seu processo evolutivo. Ele pode, portanto, melhorar, com a ciência moderna, suas capacidades físicas e intelectuais. Eles até mesmo pensam em como viver eternamente, vencendo a morte através da ciência. Eles também falam de transferir seus intelectos a algum tipo de robô para que, através da tecnologia, eles possam continuar a existir. Eles não querem um Pai.
A associação moderna chamada Black Lives Matter tem sido um catalisador de muitos protestos violentos pelos EUA. Eles buscam uma sociedade sem paternidade, tal como a conhecemos. De acordo com a declaração oficial de sua missão, eles afirmam desejar “desmantelar as práticas patriarcais” e também “romper a estrutura familiar nuclear ocidental, que requer que um ajude o outro como famílias extendidas e ‘vilarejos’ que se preocupam uns com os outros coletivamente...” Isso é um novo tipo de sociedade comunista sem um Pai e é um grito de independência de Deus.
São Bento nos pede que aceitemos Cristo como a fonte e o centro de nossas vidas. Ele nos ensina sobre um Deus transcendental que nos ama como um Pai, não o deus modernista da imanência vital. A Divina Providência continua envolvida no desenvolvimento de nossos corpos e nossas almas. Ela nos pede que, humildemente, pratiquemos a caridade com os mais velhos, os mais novos e os enfermos, sabendo que aquilo que fazemos aos menores fazemos a Cristo: diferentemente da ideia de Darwin de sobrevivência do mais apto. Nossa maior glória é que temos um pai na pessoa do superior do mosteiro, que exerce o papel de Cristo em nossas vidas. Se pudéssemos resumir a Regra de São Bento, ela é como o eco de Nosso Senhor, ensinando-nos a rezar: “Pai nosso, que estais no Céu...”
(The Angelus, Set-Out 2020)