Por meio de sua forte vida de oração, seu grande senso de recolhimento e as luzes especiais que recebeu do Céu, a Irmã Maria de São Pedro estava sendo preparada para uma obra especial. Aqui chegamos às dramáticas revelações sobre a Obra de Reparação. Em 25 de agosto de 1843, Festa do Rei São Luís IX, um dos patronos da França, a Irmã Maria recebeu uma mensagem especial de Nosso Senhor:
“Então Ele me abriu seu Coração e, recolhendo lá as potências de minha alma, dirigiu-me estas palavras: ‘Meu Nome é blasfemado em todo lugar; até as crianças blasfemam!’ E me fez entender o quanto esse medonho pecado fere dolorosamente, e mais que todos os outros, seu divino Coração; pela blasfêmia, o pecador amaldiçoa-O na face, ataca-O abertamente, aniquila a Redenção e pronuncia ele mesmo sua condenação e seu julgamento. A blasfêmia é uma seta envenenada que fere continuamente seu Coração: Ele disse que queria me dar uma seta de ouro para feri-lo deliciosamente e cicatrizar as feridas de malícia que os pecadores lhe infligem.” 1
A oração ditada por Nosso Senhor tornou-se familiar para muitos de nós, a Seta de Ouro:
“Que seja sempre louvado, bendito, amado, adorado, glorificado o santíssimo, sacratíssimo, sumamente adorável, incompreensível, inefável Nome de Deus no Céu, na Terra e nos infernos, por todas as criaturas saídas das mãos de Deus e pelo Sagrado Coração de Nosso Senhor Jesus Cristo no Santíssimo Sacramento do Altar. Assim seja.” 2
Essa é a oração dada diretamente por Nosso Senhor à Irmã Maria de São Pedro como reparação especial pelas blasfêmias. Padre Janvier, como será visto depois, explica que o pecado da blasfêmia manifesta-se, na verdade, de várias formas.
Comentando essa bela oração, diz a Irmã Maria:
“Nosso Senhor, tendo me dado essa seta de ouro, acrescentou: ‘Presta atenção a este favor, porque te pedirei contas.’ Naquele momento, parecia-me ver sair do Sagrado Coração de Jesus, ferido por esta seta de ouro, torrentes de graças para a conversão dos pecadores...” 3
Que seja conhecida
Aqui chegamos ao ponto difícil para a Irmã Maria de São Pedro. Naturalmente, ela não tinha qualquer problema para rezar a oração. A dificuldade, entretanto, era que Nosso Senhor havia ordenado que ela tornasse a oração conhecida e a divulgasse. Em outras palavras, que a oração fosse impressa e distribuída amplamente para que as pessoas pudessem rezá-la. Para uma freira de clausura, essa é uma tarefa intimidadora. Como atender aos pedidos do Senhor sem violar sua vida carmelita? Seu voto de obediência a impede de embarcar no projeto por conta própria. Seu voto de pobreza faz com que lhe seja impossível pagar pela impressão, ou mesmo pedir que outros financiem o projeto sem primeiro receber permissão de sua Superiora. E ainda há o complicado inconveniente de se ter uma carmelita imprimindo santinhos com orações que “recebeu do Céu”. Ela sabia que nem ela nem católico algum podiam publicar uma só palavra até que a autoridade da Igreja tivesse investigado tudo e dado aprovação.
Ainda assim, Nosso Senhor tinha-lhe manifestado seus desejos. Havia apenas uma maneira de realizá-los e a irmã sabia qual. Ela agora seria obrigada a relatar as palavras de Nosso Senhor para a reverenda madre, o que não era tarefa fácil. Sabe-se que, normalmente, a última coisa que uma madre superiora deseja é ter uma de suas freiras dizendo que ouve vozes do Céu. De certa forma, trata-se do pesadelo de toda superiora, porque ela carregará o fardo de discernir se as ocorrências supostamente sobrenaturais vêm de Deus, de um autoengano ou do diabo.
A primeira resposta da superiora foi proibir a irmã de voltar a pensar no assunto e até de praticar a devoção. Esta é, de fato, uma boa reação carmelita, coerente com os ensinamentos de São João da Cruz. Irmã Maria de São Pedro obedeceu prontamente, ainda que esta obediência tenha lhe causado grande sofrimento.
As religiosas sempre foram encorajadas, ainda que não obrigadas, a revelar suas lutas interiores a suas superioras. Por isso, não muito tempo depois, encontramos a Irmã Maria de São Pedro de joelhos na cela de sua superiora, explicando o tormento de sua alma. Encontrava-se dilacerada pelo desejo de se conformar aos pedidos de Nosso Senhor e pelas ordens contrárias de sua superiora, a quem devia e prestava obediência religiosa. Enquanto isso acontecia, um pequeno folheto caiu de um livro que a madre superiora tinha nas mãos e que estava lendo quando a irmã entrou na cela. A madre, que nunca antes havia reparado no folheto, pegou-o do chão e ficou estonteada ao ler o título:
“Advertência ao Povo Francês”
Com o subtítulo:
“Reparação inspirada para aplacar a ira de Deus”
Espantada, a Reverenda madre voltou-se para a Irmã Maria e disse sorridente: “Minha irmã, se eu não te conhecesse, tomar-te-ia por feiticeira.” 4 Isso porque ali estava um folheto defendendo o mesmo tipo de Reparação sobre a qual a Irmã Maria de São Pedro vinha insistindo com tanta intensidade.
O folheto tem ele mesmo uma história interessante, tendo sido publicado em 1819 na França por um sacerdote chamado Padre Soyer, posteriormente bispo de Luçon. Dom Soyer ainda era vivo, de forma que a Reverenda madre escreveu-lhe pedindo mais informações sobre o folheto. O prelado respondeu que havia publicado essa advertência a pedido de uma freira carmelita em Poitiers, chamada Irmã Adelaide, uma alma eleita a quem Nosso Senhor havia se manifestado pedindo orações de reparação pelas blasfêmias. 5
Ora, acontece que a Madre Adelaide havia falecido em 31 de julho do mesmo ano de 1843, apenas 26 dias antes de a Irmã Maria receber a primeira revelação de Nosso Senhor sobre a Seta de Ouro, quando Nosso Senhor fez o mesmo pedido: orações especiais de reparação pelo pecado de blasfêmia. Parece, então, que temos aqui a passagem de bastão de uma carmelita para outra a respeito dos reiterados pedidos de Nosso Senhor por uma Obra de Reparação pelos pecados de blasfêmia.
Por causa disso e de uma série de outras razões 6, a madre superiora passou a considerar a possibilidade de que as alegadas mensagens recebidas pela irmã pudessem ser genuínas.
A superiora consultou alguns padres entendidos no assunto para obter orientação e a irmã foi encorajada a comunicar suas revelações a seus dois confessores. Isso foi interessante, uma vez que nenhum dos confessores se mostrava bem disposto em relação a freirinhas que alegavam receber mensagens do Céu e, como acabou acontecendo, ambos passaram a crer firmemente na autenticidade das revelações da Irmã Maria de São Pedro.
O primeiro deles, Padre Pierre Aleron, ficou tão convencido que foi o primeiro na diocese a estabelecer a Obra de Reparação em sua paróquia. Como será visto adiante, foram necessários cerca de 35 anos para que a devoção recebesse aprovação eclesiástica, e o Padre Aleron afligiu-se com essa demora.
O segundo confessor, Padre Jean Salmon, possuía traços curiosos. Era mais velho, muito escrupuloso, praticamente surdo e servia no tribunal diocesano. Quando se lê a descrição que o Padre Janvier faz dele, tem-se a impressão de que o Padre Salmon aterrorizava sem intenção o tribunal por causa de sua escrupulosidade. Tinha a tendência, segundo diz respeitosamente o Padre Janvier, “a ver a influência do demônio em muitas coisas inocentes.” 7 Apesar de seus escrúpulos, o Padre Salmon ficou convencido das operações divinas na alma da Irmã Maria de São Pedro, chegando a defender sua causa quando necessário 8.
“A Terra está coberta de crimes”
Chegamos agora à citação que abriu este estudo. Em 24 de novembro de 1843, Nosso Senhor falou as seguintes palavras à Irmã Maria de São Pedro:
“Até o presente, mostrei-te apenas em parte os desígnios de meu Coração, mas hoje quero mostrá-los a ti por completo. A Terra está coberta de crimes! Meu Pai está irado com a violação dos três primeiros Mandamentos de Deus. A blasfêmia para com o Santo Nome de Deus e a profanação do Santo Dia do Senhor completam a medida das iniqüidades. Esses pecados subiram ao Trono de Deus e provocaram sua cólera, que irromperá se sua justiça não for aplacada. Em nenhuma outra época esses crimes alcançaram tal ponto. Desejo, e muito ardentemente, que se forme uma associação devidamente aprovada e organizada para honrar o Nome de meu Pai.” 9
Continua a irmã: “Nosso Senhor fez-me assim entender que queria, por esta obra de reparação, conceder misericórdia aos pecadores.” 10
Nosso Senhor, então, acusou a França de ser culpada especialmente de blasfêmia e a ameaçou com o castigo divino. Apreensiva, ela perguntou: “Meu Senhor, permita-me perguntar: se se fizer esta reparação que desejais, perdoareis de novo a França?” 11 Ao que Nosso Senhor respondeu:
“Eu a perdoarei mais uma vez, mas, note bem, uma vez. Como esse pecado de blasfêmia se estende por toda a França e é público, é necessário que essa reparação seja pública e se estenda a todas as cidades; ai daqueles que não fizerem essa reparação!” 12
Padre Janvier, ao comentar essas palavras, dá uma extensa explicação sobre os diferentes tipos de blasfêmia, incluindo o fato de que a maçonaria é uma blasfêmia. Ele fala também da culpa da França ― a culpa pública ― de promover idéias maçônicas. Essas observações do Padre Janvier são baseadas diretamente nas palavras de Nosso Senhor para a santa carmelita. Como será visto adiante, Nosso Senhor mencionou especificamente os “blasfemadores e sectários” 13 e os inimigos da Igreja, assim como “a malícia dos homens rebeldes”. Escreve o Padre Janvier:
“À blasfêmia grosseira do iletrado junta-se a blasfêmia doutrinal do livre pensador. Da rua e da praça pública ela passou aos salões, às escolas e chegou aos lares; foi entronizada nos teatros e cafés; espalha-se com orgulho e sem disfarce nos discursos, livros e brochuras, e nessa multidão de folhetos ou escritos periódicos com que somos inundados a cada dia.”
“(...) Pelo espírito revolucionário do qual [a França] se tornou na Europa o centro principal e a fornalha mais ativa, pelo ateísmo prático que professa em seu governo e em suas leis, ela exerce, em relação à blasfêmia, um tipo de proselitismo universal tão funesto para os indivíduos quanto para as sociedades.” 14