Contexto histórico da prisão de Dom Vital e Dom Macedo Costa
A monarquia brasileira, protegida pelo Grande Oriente da rua do Lavradio1, admitia ainda a união dos dois poderes e mantinha a Religião Católica como religião de Estado — ainda que esta situação significasse antes uma submissão perniciosa da Igreja à Coroa. Ora, o imperador Pedro II, apesar de ter formação católica, e apesar de dizer-se católico perante os bispos, era liberal, defendia a liberdade de pensamento, e acreditava que a maçonaria brasileira, diferentemente da Européia, não era perversa. Várias eram as leis do Império que prejudicavam e perseguiam a Igreja, como o fechamento dos noviciados, os decretos que reduziam os bispos a meros funcionários públicos, leis que limitavam inclusive a escolha dos professores dos seminários diocesanos.
Nos anais dos Capuchinhos do Rio, conta-se a visita que o Imperador fez a Frei Fidélis d ́Avola, herói da Guerra do Paraguai. O religioso pediu ao Imperador que reabrisse os noviciados franciscanos. O monarca liberal lhe teria dito:
— Qual, Frei Fidélis, a época dos frades já passou. A que o capuchinho respondeu
— Majestade, não diga assim. Porque por aí andam também a dizer que já passou o tempo dos reis2.
No dia 3 de março de 1872, o Grande Oriente da rua do Lavradio festejou seu Grão Mestre, o Visconde do Rio Branco, chefe do governo Imperial. Nesta ocasião, um infeliz padre que participava dos festejos, tomou a palavra e discursou, e seu discurso, para escândalo, foi publicado na imprensa local. O bispo do Rio de Janeiro, Dom Pedro Maria de Lacerda, teve de intervir, e, após as caridosas e infrutíferas correções, viu-se na obrigação de suspender de ordens o padre maçom, o que gerou uma campanha maçom contra a Igreja católica na imprensa de todo o Brasil — uma verdadeira guerra. Novos jornais surgiram de toda parte, todos maçônicos, envolvidos na campanha de difamar a Igreja. Durante essa avalanche, a maçonaria publicou um opúsculo chamado “O ponto negro” onde aparecem, entre outras coisas, uma lista de prelados católicos que seriam alvos dos ataques da maçonaria.
Dom Vital Maria Gonçalves de Oliveira3 aparecia nesta lista, apesar de ser um obscuro capuchinho, que acabara de ser nomeado bispo e que ainda se encontrava em São Paulo logo após a cerimônia de sagração episcopal. Dom Vital tinha sido designado bispo com a idade de 27 anos, por indicação do governo imperial confirmada pelo Papa Pio IX. Foi-lhe confiada a diocese de Olinda, na Província de Pernambuco4. O texto maçônico citado o descrevia sem escrúpulos como “jesuíta, ultramontano, homem perigoso”, quando jamais escrevera sequer um único texto.
Mesma sorte é reservada a Dom Antônio de Macedo Costa5, bispo da província do Pará, com sede na cidade de Belém. Homem de grande cultura, admirado por todos, escritor de estilo requintado e de doutrina profunda, Dom Macedo nunca tinha escrito nada contra a maçonaria, mas figurava igualmente na lista dos alvos dos maçons.
Com o apoio ao menos implícito do Conselho de Estado, os maçons levaram sua audácia a ponto de publicar seus próprios nomes nos jornais. Foi assim que os bispos conheceram que os maçons já estavam infiltrados nas Confrarias religiosas das paróquias.
Diante desta revelação, os bispos se viram na obrigação de por em prática as orientações dos papas, particularmente de Pio IX, então reinante. A tal ponto chegara a situação, que os maçons, com extrema audácia, expulsaram um padre enviado por Dom Vital para retirar o Santíssimo do sacrário, dizendo que eram eles os proprietários do Santíssimo Sacramento.
Com efeito, Dom Vital ordenou às Confrarias que excluíssem os membros maçons. O Conselho da Confraria do Santíssimo Sacramento respondeu ao bispo que os estatutos não permitiam expulsar um membro por esta razão. Dom Vital insistiu duas vezes mais, como pede o direito e a prudência. Como foi confirmada a recusa de obediência, ele se viu na obrigação de impor a pena eclesiástica de Interdição para todas as atividades religiosas desta confraria 6. Diante disto, a Confraria do Santíssimo Sacramento entrou com um recurso junto ao Conselho de Estado contra o bispo de Olinda.
O governo, dominado pelos maçons, decidiu que o bispo devia anular a pena e ordenou neste sentido. Dom Vital recorreu ao Papa para saber como agir, e este confirmou a retidão da sua atitude. Com o apoio direto de Pio IX, o bispo de Olinda mostra ao governo que não podia acatar às ordens do governo pelo fato da pena ser eclesiástica, fugindo por completo da alçada do governo. Fica muito claro, pelo estudo destes eventos, o quanto os argumentos do governo maçônico põem em evidência seus pretendidos direitos de Placet imperial 7, já preparando a opinião pública para uma futura separação da Igreja e do Estado.
Por causa desta situação, os maçons enviaram a Roma um embaixador extraordinário, o Barão de Penedo, para tentar obter uma condenação do bispo de Olinda. Eis os sentimentos dos ministros brasileiros sobre o Papa:
“Não é difícil prever os extremos a que podem chegar os bispos assim animados e aconselhados pelo Chefe da Igreja”
O embaixador brasileiro apresenta ao Papa um Memorando difamatório contra Dom Vital, no qual sequer menciona os ataques dos maçons. Ele consegue que uma carta secreta seja enviada ao prelado para corrigi-lo. Mas o governo comete um erro grosseiro: nas orientações recebidas pelo embaixador fica bem explicado que o bispo de Olinda será feito prisioneiro durante as negociações com a Santa Sé:
“Devo prevenir V. Exa de que o governo ordenou o processo do Bispo de Pernambuco e, se for necessário, empregará outros meios legais de que pode usar, embora sejam mais enérgicos, sem esperar o resultado da missão.... O governo imperial não pede favor, reclama o que é justo e não entra em transação”8.
Esta atitude contraditória chocou o Papa. Dom Macedo Costa escreveu ao Santo Padre, procurando o esclarecer sobre a situação, e teve sucesso: o Papa manifestou de modo claro seu apoio aos bispos. Não obstante, o governo não deixou de difundir pela imprensa que o Papa havia condenado Dom Vital, o que não causou pouco prejuízo para o bispo.
Ei-lo, então, prisioneiro, no Rio de Janeiro, em janeiro de 1874, na Fortaleza de São João. Alguns meses depois será a vez do bispo do Pará, Dom Antônio de Macedo Costa, também levado a ferros à Corte do Rio de Janeiro, pelas mesmas razões.
Dois anos depois, em setembro de 1876, o novo primeiro-ministro, Duque de Caxias, assina a anistia dos dois bispos prisioneiros, apesar de, também ele, ser maçom, porém mais moderado. O Papa Pio IX prometera levantar a interdição sobre as Confrarias caso os bispos fossem soltos. Assim ele ordena. A imprensa maçônica espalha o grito de vitória, mas a Santa Sé põe as coisas nos seus devidos lugares pela Encíclica a todos os bispos do Brasil, onde a verdade sobre as mentiras do governo são postas em claro. Os maçons são expulsos das Confrarias e seus estatutos são reformados.
Após ter sido libertado, Dom Vital partiu para Roma, onde foi recebido calorosamente por Pio IX. Retoma o governo de sua diocese. Dois anos depois ele retorna a Roma e é aí, na Cidade Santa, que a doença o acomete. Reinicia a viagem de retorno, mas é obrigado a ficar em Paris, no convento dos Capuchinhos de Versailles, onde fizera seu noviciado. Foi aí, cercado por seus irmãos de hábito, que remete sua alma a Deus, na idade de 33 anos.
Dom Macedo Costa viverá ainda alguns anos. Corre o boato que teria sido feito Cardeal in pectore (secreto), mas não há confirmação. Ele terá um papel preponderante na questão de fundo, ou seja, o dever do Estado na defesa da Igreja; a união dos dois poderes e a questão da liberdade de cultos 9.
Seus últimos anos são de muito trabalho para conseguir o mínimo de liberdades para a Igreja sob a república. Ficou famosa também sua correspondência com Rui Barbosa, um dos principais realizadores da Constituição de 1891.