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Ainda o bolchevismo mexicano

O nosso confrade da imprensa mexicana, professor general Dr. Elias Calles, no artigo com que honrou, dias atrás, um dos diários desta Capital, soube mostrar, ao menos, que, como publicista, tem tanto ou mais coragem do que como chefe de Estado. Filósofo – porque já um plumitivo nosso provou à saciedade que foi mestre-escola em seu país – a sua argumentação é das que não precisam amparar-se em provas e fatos, e de si mesmo resulta evidente aos olhos de todo homem de boa fé. O seu mal são alguns esquecimentos.

O judeu vermelho dá como provado, por exemplo, que o mundo civilizado admite, aceita, acata e defende a concepção pagã do Estado senhor absoluto das consciências, não só de fatos, mas de direito. Dado isto, é claro: o Estado mexicano tem uma Constituição política que prescreve tais e tais rigores contra a família, a escola confessional, a Igreja, as tradições mais legítimas da nação mexicana. Logo, não há que discutir: à nação nada mais cabe fazer que obedecer, paciente e pacificamente.

Ora, o que o mundo civilizado está demonstrando é justamente o contrário do que dele diz o ilustre Calles.

Em primeiro lugar, se a principal tendência do Estado moderno é realmente essa de sobrepor-se violentamente a todas as outras expressões da vida em sociedade, a verdade é que só a mais crassa ignorância, a mais positiva incapacidade de observação ou a mais refinada má fé, poderá fugir à verificação de que todos os povos cultos já reagem, a esta hora, contra uma tão absurda volta ao passado, pois até mesmo nos países em que se implantou o poder pessoal, sob formas ditatoriais, a verdade é que se inicia uma fase de transição entre a tirania do Estando burocrático e a harmonia entre o poder político e as demais forças que, em planos diferentes, são, no entanto, tão necessárias como aquele poder à conservação da sociedade.

Mas quando Calles parece defender uma tese sobre os fundamentos do Estado moderno, a realidade é que devemos ouvi-lo em silêncio.

Deus me livre de trazer para aqui o que de tais generais e, principalmente, dos coronéis, ou pretendentes a generais, enfim, de tais caudilhos e caudilhotes disse ainda em 1920 o insuspeito, o insuspeitíssimo Blasco Ibañez no seu livro “El Militarismo Mexicano”.

Juro que ainda não houve bispo ou frade, nem mesmo mexicano, que mostrasse tão nua e cruamente a verdade verdadeira sobre o valor filosófico e moral dos atuais dirigentes daquele pais e eu avalio o que não sofreu o governo espanhol do general ou coronel embaixador que representava em Madri a soberania mexicana...

Mas voltemos aos esquecimentos de Calles periodista, e defensor do filósofo (estadista) Elias Calles.

O segundo deles é que, protestando sempre contra leis absurdas e imorais, arranjadas a coice de armas por uma mazorca vitoriosa, o Episcopado mexicano protesta, antes do mais, neste momento, e com maior indignação, é contra a infame maneira de executá-las.

Eu sei bem que, mesmo antes de sair ele próprio a defender-se sobre esta matéria, não se esquecera o judeu eminente de recomendar aos seus representantes o digno esquecimento de que ele mesmo dá exemplo.

Assim, “El Universal” do México, com data de 14 de julho deste ano, e também insuspeito, ao que parece, de clericalismo e outras coisas horríveis, confiava aos seus muitos leitores estas deliciosas reflexões sobre a atitude do oficialismo mexicano em face da questão religiosa:

“Asombra desde luego la homogeneidad de pensamiento de todos nuestros cónsules en el estranjeiro, hasta el del señor Otálora, que es español, si no mienten mis noticias. Se dice que donde hay dos mexicanos, hay tres pareceres. Ello podrá ser cierto por lo que troca al vulgo, pero de la regla se sustraen los cónsules mexicanos, que poseen uma maravillosa unidad de pensamiento para decir todos en todas partes las mismas cosas com respecto a la cuestion religiosa; en otras matérias discreparán, pero en ésta la uniformidad es conmovedora: no se persigue a nadie por cuestiones religiosas en México; solamente se aplica la ley; ley que México tiene el perfecto derecho de hacer en la forma que le dé la gana y sin que a ninguno le importe; por otra parte, la ley es muy buena, pues todavia perdona la vida a los católicos y a los curas... Lo único que ahora se pretende es, simplemente, reducirlos a polvo impalpable; por lo demás, la libertad de consciencia es uma de las más preciadas conquistas de la revolución.

He aqui el compendio y resumen de todas las declaraciones de nuestros disciplinados cónsules”.

O testemunho dos católicos, pois, não se baseia em criações do medo ou no “estilo talismânico” – como diria Gobineau – dos representantes do Sr. Elias.

“Desconsolador espetáculo – diz o Sr. C. Eguia – es el que los governantes actuales continuan alli sin traba la expoliación y el latrocínio oficial de templos, como el de siete Iglesias católicas Del Estado de Tabasco, definitivamente arrancadas al culto por no sujeitarse los sacerdotes a la imbecil lei tabasqueña, que entre otras cosas obligaba a los curas a casarse”.

É diante de semelhantes misérias, provocadas pelos delirantes interpretadores ou deformadores de leis que, de si mesmas, não mereceriam o respeito da mais degradada tribo africana, que já em fevereiro o nobre Arcebispo de Morelia, D. Leopoldo Ruiz dirigia o seguinte apelo a um dos membros do bolchevismo mexicano:

“Señor Secretario del Despacho da Gobernación: La situacion de los católicos es intolerable por las patentes violaciones a los poquissimos derechos que la Constitucion las reconoce, al clausurarse e intervenirse, sin processo ninguno, sin orden escrita y sin dar lugar a defensa, seminários, colégios de instrucción normal y comercio, que no están comprendidos em el art. 3o. de la Constitucion; escuelas primarias, secundarias y superiores que funccionaban dentro da ley; orfanatorios, asilos y casas de beneficiencia, sostenidos por la caridad publica; todo sin miramiento alguno a las garantias individuales y com grave prejuicio de las victimas”.

Eis ai o que dizem os católicos, pouco preocupados com o saber filosófico dos primários mexicanos, mas conscientes de que, acima de todas as magicancias e truanices de qualquer filosofismo, estão os direitos naturais, digamos assim, da consciência humana, atacados todas as vezes que se diminui o prestígio da família ou se não consente a afirmação da verdade cristão em toda a sua inteireza.

E nós, cidadãos de qualquer país da América, sabemos perfeitamente do que pode a força bruta quando se rotula com qualquer título de legitimidade jurídica, dentro do Estado, não raro com a só legitimidade de vitória tão brutal quanto passageira.

Pois é contra o que podem tais governos, nascidos da anarquia e da revolução, e mantenedores da revolução e da anarquia, é contra esses paradoxos da nossa vida social, que nos levantamos, todos nós, os que aspiramos à estabilidade da civilização nas terras da América.

Nós sabemos que “Civilização e Cristianismo são termos sinônimos” e que não existe sociedade latino-americana onde não impere a tradição da Igreja católica, que a criou.

Os filósofos do México serão como os seus generais e coronéis descritos com tanta graça por Blasco Ibanez.

Pois façam as suas gigantescas correrias pelo campo político: destruam-se à vontade mutuamente. Mas não ousem desrespeitar o que é propriamente a sociedade americana, coisa menos efêmera e mais séria e mais respeitável, que os diversos estilos governamentais que ainda nos afeiam a paisagem espiritual, mas nos preocupam pouco, quando os olhamos um a um...

Sabemos que eles duram menos que as célebres rosas do senador Azeredo, e que o que temos a vencer são as condições também “sociais” que ainda permitem a criação de tais monstruosidades.

É por isso que o que se está passando no México tem provocado o protesto de todos quantos formam, conscientemente, o que com orgulho pode chamar-se a civilização americana.

É que os crimes que ali se estão cometendo alcançam coisas ainda mais sagradas que as que limitam o domínio propriamente político. São injúrias, são calúnias, são tentativas de morte contra a própria consciência do México, contra a sua integridade moral.

(Gazeta de Notícias, 8 de Setembro de 1926)

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