O terceiro discute-se assim. – Parece que o primeiro homem não tinha ciência de todas as coisas.
1. Pois, tal ciência ele a tinha por espécies adquiridas, por conaturais ou infusas. Ora, não por espécies adquiridas, porque o conhecimento pro meio delas provêm da experiência, como diz Aristóteles; e o primeiro homem ainda não podia ter experiência de todas as coisas. Semelhantemente, nem por espécies conaturais; por ter ele a mesma natureza que nós, e a nossa alma é como uma tábua em que nada está escrito, como diz Aristóteles. Se era, pois, por espécies infusas, então a ciência que tinha das coisas não era da mesma natureza que a nossa, que haurimos delas.
2. Demais. – Todos os indivíduos da mesma espécie conseguem do mesmo modo a perfeição. Ora, os outros homens não tem ciência de todas as coisas, imediatamente, desde o princípio; mas a adquirem ao seu modo, na sucessão do tempo. Logo, nem Adão, desde que foi formado, teve ciência de todas as coisas.
3. Demais. – O homem foi colocado no estado da vida presente para que a sua alma progrida no conhecimento e no mérito; pois para isso foi a alma unida ao corpo. Ora, o homem naquele primeiro estado progrediria, no mérito; logo, também no conhecimento das coisas. E portanto, não tinha conhecimento de todas.
Mas, em contrário, ele, por si mesmo impôs os nomes aos animais, como diz a Escritura. Ora, os nomes devem convir às naturezas das coisas. Logo, Adão conhecia as naturezas de todos os animais; e pela mesma razão tinha conhecimento de todas as outras coisas.
SOLUÇÃO. – Na ordem natural o perfeito precede o imperfeito, como o ato, a potência; pois o potencial só é atualizado pelo que já é atual. E como as coisas foram, no princípio, instituídas por Deus, não só para existirem em si mesmas, mas para serem os princípios de outras, por isso foram produzidas num estado perfeito, em virtude do qual pudessem ser princípios de outras. Ora, um homem pode ser princípio de outro, não somente pela geração corpórea, mas também pela instrução e pelo governo. E portanto, assim como o primeiro homem foi instituído no estado perfeito, quanto ao corpo, de modo que imediatamente pudesse gerar, assim também o foi quanto à alma, para que imediatamente, pudesse instruir os outros e governar.
Ora, como não pode instruir quem não tem ciência, por isso o primeiro homem foi instituído por Deus de modo a ter ciência de todas as coisas em relação ás quais dever ser instruído. E estas são todas as que virtualmente existem nos primeiros princípios conhecidos por si mesmos, i. é., todas as que os homens podem naturalmente conhecer. – Mas para o governo da vida própria e o das dos outros, é necessário não só o conhecimento das coisas que podem ser naturalmente conhecidas, mas também o das que excedem o conhecimento natural, porque a vida do homem se ordena a um fim sobrenatural; assim, para o governo da nossa vida é necessário conhecer as coisas da fé. Por isso o primeiro homem recebeu o conhecimento das coisas sobrenaturais na medida em que era necessário para o governo da vida humana, de conformidade com aquele primeiro estado. Porém ele não conhecia as outras coisas, que não podem ser conhecidas pelo seu esforço natural nem são necessárias ao governo da vida humana; como são as cogitações dos homens, os futuros contingentes e certos conhecimentos particulares como, p. ex., quantos seixos jazem num rio e outros semelhantes.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O primeiro homem tinha ciência de todas as coisas, por meio de espécies infusas por Deus. Mas nem por isso a sua ciência era de natureza diversa da natureza da nossa ciência; assim como os olhos, que Cristo deu ao cego de nascença, não eram de natureza diferente da daqueles que a natureza produziu.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Adão, como primeiro homem, devia ter alguma perfeição que não cabe aos outros homens, segundo resulta do que já foi dito.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Adão, relativamente á ciência das coisas naturais, que se podem conhecer, não progrediria quanto ao número das coisas sabidas, mas quanto ao modo de saber; pois, o que sabia pela inteligência, saberia, depois, pela experiência. Relativamente porém, aos conhecimentos sobrenaturais, progrediria mesmo quanto ao número, por meio de novas revelações; assim como os anjos progridem por novas iluminações. Mas não há símile entre o progresso no mérito e o na ciência, porque um homem não é o princípio do merecimento de outro, como é o da ciência.