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Art. 2 – Se Adão, no estado de inocência, via os anjos em essência.

O segundo discute-se assim. – Parece que Adão, no estado de inocência, via os anjos em essência.

1. Pois, diz Gregório: Pois, no paraíso, o homem se acostumara a gozar das palavras de Deus e a conviver com os anjos, pela pureza do coração e celsitude da visão.

2. Demais. – No estado da vida presente, a alma, por estar unida a um corpo corruptível, fica privada do conhecimento das substâncias separadas; e isso a oprime, como diz a Escritura. E, daí vem, segundo já foi dito, que a alma separada pode ver as substâncias separadas. Ora, a alma do primeiro homem não sendo corruptível, não era oprimida pelo corpo. Logo, podia ver as substâncias separadas.

3. Demais. – Uma substância, conhecendo-se a si mesma, conhece outra, como foi dito. Ora, a alma do primeiro homem conhecia-se a si mesma. Logo, também conhecia as substâncias separadas.

Mas, em contrário. – A alma de Adão era da mesma natureza que as nossas. Ora, as nossas não podem inteligir as substâncias separadas. Logo, nem o podia a do primeiro homem.

SOLUÇÃO. – O estado da alma humana pode ser a dupla luz considerado. Primeiro, quanto aos modos diversos da sua existência natural; e então distingue-se o estado da alma separada, do estado da alma unida ao corpo. De outro modo, considera-se o estado da alma quanto à integridade e á corrupção, conservando o mesmo modo de existir natural; e então distingue-se o estado de inocência do estado do homem depois do pecado. Ora, a alma do homem, no estado de inocência, bem como agora, era acomodada a um corpo que devia aperfeiçoar e governar. Por isso está dito que o primeiro homem foi feito em alma vivente, i. é. com uma alma que dá ao corpo a vida animal. Mas a integridade dessa vida ele a tinha, por ser o corpo totalmente sujeito à alma, não a empecendo em nada, como já antes se disse. Ora, é manifesto, pelo que já ficou estabelecido, que, sendo a alma acomodada ao governo e á perfeição do corpo, quanto á vida animal, é próprio à nossa alma o modo de inteligir que consiste em recorrer aos fantasmas. Por onde, este modo de inteligir era próprio também á alma do primeiro homem.

Ora, quanto a este modo, há um movimento na alma, como diz Dionísio, de três graus. O primeiro é pelo qual a alma, partindo das coisas exteriores, concentra-se em si mesma. Pelo segundo, ela sobe a unir-se às virtudes superiores unidas, i. é., aos anjos. Pelo terceiro, ulteriormente, é levada ao bem superior a todas as coisas, i. é., Deus. – Ora, pelo primeiro processo, consistente em partir a alma, das coisas sensíveis, para se concentrar em si, completa-se-lhe o conhecimento. Pois como já se disse antes, a operação intelectual da alma ordenando-se, naturalmente, às coisas exteriores, pode assim pelo conhecimento destas, ser conhecida perfeitamente a nossa operação intelectual, como o ato o é pelo seu objeto. E por essa operação intelectual pode ser perfeitamente conhecido o intelecto humano, como a potência o é pelo próprio ato. No segundo processo porém não há o conhecimento perfeito; pois, como o anjo não intelige recorrendo aos fantasmas, mas de modo muito mais eminente, como já se viu antes, o referido modo de conhecer, pelo qual a alma se conhece a si mesma, não leva suficientemente ao conhecimento do anjo. E muito menos ainda o terceiro processo termina em conhecimento perfeito, pois, mesmo os próprios anjos, por se conhecerem a si mesmos, não podem alcançar o conhecimento a si mesmos, não podem alcançar o conhecimento da divina substância, por causa do excedente dela.

Assim pois a alma do primeiro homem não podia certamente ver os anjos em essência. Todavia tinha deles um modo de conhecimento mais excelente que o que temos; pois o seu conhecimento era mais certo e fixo, em relação aos inteligíveis interiores, do que o nosso. E por causa dessa tão grande eminência, diz Gregório que ele convivia com os espíritos dos anjos.

Donde resulta a RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Não por opressão do corpo a alma do primeiro homem era deficiente, na intelecção das substâncias separadas; mas porque o era o seu objeto conatural em relação á excelência das substâncias separadas. Ao passo que nós somos deficientes sob ambos esses aspectos.

RESPOSTA À TERCEIRA. – A alma do primeiro homem não podia, pelo conhecimento de si mesmo, chegar ao das almas separadas, como já se disse antes; porque é ao seu próprio modo que uma substância separada conhece outra.

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