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Art. 4 – Se o homem, no estado primitivo, podia enganar-se.

O quarto discute-se assim. – Parece que o homem, no estado primitivo, podia enganar-se.

1. Pois, diz a Escritura: A mulher foi enganada em prevaricação.

2. Demais. – O Mestre das Sentenças diz: a mulher não se horrorizou com a serpente falante, por ter pensado que esta recebera esse poder de Deus. O que era falso. Logo, a mulher enganou-se antes do pecado.

3. Demais. – É natural que quanto mais de longe uma coisa é vista, tanto menos vista é. Ora, a natureza dos olhos não tendo sido afetada pelo pecado, o princípio supra se lhe aplicava, já no estado de inocência. Logo, o homem havia de se enganar relativamente ao tamanho da coisa vista, como agora.

4. Demais. – Agostinho diz, que, no sonho, a alma adere á semelhança da coisa, como se fosse a própria coisa. Ora, no estado de inocência, o homem havia de comer e, por conseguinte, de dormir e sonhar. Logo, enganou-se quando aderiu ás semelhanças, como se estas fossem as coisas.

5. – Demais. – O primeiro homem não conhecia, como já se disse, as cogitações dos outros homens e os futuros contingentes. Se pois alguém lhe dissesse algo de falso, sobre tais coisas ele ter-se-ia enganado.

Mas, em contrário, diz Agostinho: Tomar o falso como verdadeiro não é da natureza criada do homem, mas pena de danado.

SOLUÇÃO. – Alguns disseram que, sob o nome de engano duas coisas podem se entender: qualquer opinião irrefletida, pela qual aderimos ao falso, como se fosse verdadeiro, sem o assentimento da crença; e, além dessa, a crença firme. Ora, em relação ás coisas das quais Adão tinha ciência, de nenhum dos dois sobreditos modos o homem podia enganar-se, antes do pecado; mas, quanto às coisas de que não tinha conhecimento, podia enganar-se, tomando-se o engano na acepção lata, como opinião qualquer, sem o assentimento da crença. E isto dizem, porque pensar com falsidade, relativamente a tais coisas, não é nocivo ao homem; e, desde que não aderiu, assentindo temerariamente, não há culpa.

Mas tal posição não se coaduna com a integridade do primeiro estado. Pois, como diz Agostinho, naquele primeiro estado evitava-se tranqüilamente o pecado, permanecendo o que não era de nenhum modo possível qualquer mal. Ora, é manifesto que, assim como a verdade é o bem do intelecto, assim a falsidade é-lhe o mal, segundo diz Aristóteles. Por onde, não era possível, o intelecto do homem, no estado de inocência, aderir a uma falsidade como se fosse verdade. Pois, assim como nos membros do corpo do primeiro homem havia certa carência de uma perfeição, a saber o esplendor, sem que todavia qualquer mal nele pudesse existir; assim também no intelecto podia haver carência de algum conhecimento sem que nele, de qualquer modo, pudesse existir qualquer opinião falsa.

E isto também claramente resulta da retidão mesma do primitivo estado, pela qual, enquanto a alma permanecesse sujeita a Deus as virtudes inferiores do homem seriam sujeitas ás superiores, nem a estas poriam obstáculos aquelas. Ora, sendo manifesto, pelo que já foi dito, que o intelecto é sempre verdadeiro, em relação ao seu objeto é sempre verdadeiro, em relação ao seu objeto próprio, nunca poderá em si mesmo, enganar-se; mas todo engano lhe advém de alguma potência inferior, p. ex., da fantasia ou outra semelhante. E por isso vemos que quando à faculdade natural de julgar não há nenhum obstáculo, não nos enganamos com tais aparições, mas só quando lhe há obstáculo, como acontece com os que dormem. Por onde é claro, que a retidão do primitivo estado não era compatível com nenhum engano do intelecto.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Embora á sedução da mulher se seguisse o pecado por obra, contudo ela já foi subseqüente ao pecado da elação inferior. Pois, diz Agostinho: a mulher não teria acreditado nas palavras da serpente, se já não lhe existisse na mente o amor do próprio poder e uma certa soberba presunção de si.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A mulher pensava que a serpente recebera o poder de falar, não da natureza, mas de alguma operação sobrenatural. – Embora não seja necessário seguir, neste ponto, a autoridade do Mestre das Sentenças.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Se fosse representado algo ao sentido ou á fantasia do primeiro homem de modo diferente do da existência natural, nem por isso ele se enganaria porque pela razão discerniria a verdade.

RESPOSTA À QUARTA. – O que acontece em sonho não se imputa ao homem, porque não tem então o uso da razão, ato próprio do homem.

RESPOSTA À QUINTA. – O homem, no estado de inocência, não acreditaria em quem dissesse um falsidade sobre os contingentes futuros ou as cogitações dos corações; mas acreditaria que tal seria possível, o que não era pensar com falsidade. – Ou se pode dizer que lhe adviria algum socorro divino, para que não se enganasse no tocante às coisas de que não tinha ciência. – Nem vale a instância que certos aduzem, dizendo que, na tentação, não lhe adveio o socorro, para que não se enganasse, embora então dele mais tivesse necessidade; porque já lhe precedera o pecado, na alma, e não recorreu ao auxílio divino.

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