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Art. 1 – Se o primeiro homem via a Deus em essência.

O primeiro discute-se assim. – Parece que o primeiro homem via a Deus em essência.

1. Pois, a beatitude do homem consiste na visão de Deus. Ora, o primeiro homem, vivendo no paraíso, tinha uma vida feliz e rica de todos os bens, como diz Damasceno. E Agostinho: Se os homens tinham os seus afetos, como agora os temos, como eram felizes naquele lugar de inenarrável beatitude, i. é., no paraíso? Logo, o primeiro homem, no paraíso, via a Deus em essência.

2. Demais. – Agostinho diz: ao primeiro homem não faltava nada do que a boa vontade pode alcançar. Ora, nada de melhor pode alcançar a boa vontade do que a visão da divina essência. Logo, o homem via a Deus em essência.

3. Demais. – Pela visão de Deus em essência, vê-se a Deus, sem termo médio e sem enigma. Ora, o homem, no estado de inocência, via a Deus sem termo médio, como diz o Mestre das Sentenças. Também o via sem enigma, porque, como diz Agostinho, o enigma importa obscuridade, e esta foi introduzida pelo pecado. Logo, o homem, no primeiro estado, via a Deus por essência.

Mas, em contrário, diz a Escritura: Não primeiro o que é espiritual, senão o que é animal. Ora, o que é espiritual em máximo grau é ver a Deus em essência. Logo, o primeiro homem, no primeiro estado da vida animal, não via a Deus em essência.

SOLUÇÃO. – O primeiro homem não via a Deus em essência, no estado comum da sobredita vida; a menos que não se diga que o visse em rapto, quando Infundiu o Senhor Deus um profundo sono a Adão, segundo refere a Escritura. E a razão é que, sendo a divina essência a beatitude mesma, o intelecto de quem vê tal essência está para Deus como qualquer homem está para a beatitude. Ora, é manifesto que nenhum homem pode, voluntariamente, deixar de querer a felicidade; pois, natural e necessariamente o homem a busca, e foge da infelicidade. Por onde ninguém que veja a Deus em essência pode afastar-se dele voluntariamente e pecar. Por isso todos os que assim o vêm estão de tal modo consolidados no amor de Deus, que não poderão pecar, eternamente. Ora, como Adão pecou, é claro que não via a Deus em essência.

Conhecia-o, todavia, por um certo conhecimento mais elevado que aquele com o qual agora o conhecemos; e assim, de certo modo, o seu conhecimento era intermédio entre o da vida presente e o da pátria onde se vê a Deus em essência. Para a evidência do que devemos considerar que a visão de Deus, em essência, se divide por oposição com a visão de Deus, por meio da criatura. Ora, quanto mais uma criatura é elevada e semelhante a Deus, tanto mais claramente o vê; assim como um homem vê-se mais perfeitamente no espelho que mais nitidamente lhe reflete a imagem. Por onde é claro que Deus é muito mais eminentemente visto pelos efeitos inteligíveis, do que pelos sensíveis e corpóreos. Ora, na vida presente o homem está privado do conhecimento pleno e lúcido dos efeitos inteligíveis, porque é solicitado pelas coisas sensíveis e a elas se atém. Mas, como diz a Escritura: Deus criou o homem reto. E a retidão do homem criado por Deus consistia em que as coisas inferiores se sujeitassem ás superiores, e estas não fossem impedidas por aquelas. Por onde, o primeiro homem não ficava privado, pelas coisas exteriores, da contemplação firme e clara dos efeitos inteligíveis, que percebia pela irradiação da verdade primeira, fosse por conhecimento natural ou gratuito. E, por isso, diz Agostinho: Talvez, Deus antes falasse com os primeiros homens, como agora fala com os anhos, ilustrando-lhes as mentes pela própria verdade incomutável; embora não com tanta participação da divina essência como a de que os anjos são susceptíveis. Assim, pois por esses efeitos inteligíveis de Deus, conhecia-o mais claramente do que agora conhecemos.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O homem era feliz no paraíso, não daquela perfeita beatitude à qual havia de ser transferido, consistente na visão da divina essência; levava, contudo, como diz Agostinho, uma vida feliz, de certo modo, por ter a integridade e uma certa perfeição natural.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Boa é a vontade bem ordenada. Ora, a do primeiro homem não seria ordenada, se, no estado de merecimento, quisesse ter o que lhe estava prometido como premio.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Há duplo termo médio. Um, no qual o que por ele é visto o é simultaneamente com ele; assim, quando um homem se vê no espelho vê-se simultaneamente com o próprio espelho. Outro é aquele, pelo conhecimento do qual, chegamos ao conhecimento de algo desconhecido; tal é o termo médio da demonstração. Ora, Deus era visto sem este termo médio; não porém sem o primeiro. Pois, não era necessário ao primeiro homem, como o é para nós, chegar ao conhecimento de Deus por uma demonstração deduzida de algum efeito; mas, simultaneamente, com os efeito, sobretudo com os inteligíveis, conhecia a Deus ao seu modo. – Semelhantemente, devemos notar que a obscuridade que implica o nome de enigma pode ser entendida de duplo modo. Enquanto qualquer criatura é algo de obscuro, comparada com a imensidade do esplendor divino; e então Adão via a Deus em enigma, porque o via pelo efeito criado. De outro modo, pode se entender por obscuridade a que resultou do pecado, pela qual o homem fica privado, pela atração das coisas sensíveis, da consideração dos inteligíveis; e então não via a Deus a não ser em enigma.

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