A santificação de nossa alma se encontra em uma união, cada dia, mais íntima com Deus, união de fé, de confiança e de amor. Por isso um dos maiores meios de santificação é o ato mais elevado da virtude de religião e do culto cristão: a participação no sacrifício da Missa. Para toda alma interior, a Missa deve ser, cada manhã, como a fonte eminente, de onde derivam todas as graças de que temos necessidade durante o curso do dia, fonte de luz e de calor, semelhante na ordem espiritual, ao que é o nascer do sol na ordem da natureza. Depois da noite e do sono que são como uma imagem da morte, o sol reaparecendo cada manhã, dá, de alguma maneira, vida a tudo o que acorda na superfície da terra. Se conhecêssemos profundamente o preço da missa quotidiana, veríamos que ela é como um nascer do sol espiritual, para renovar, conservar e aumentar em nós a vida da graça, que é a vida eterna começada. Mas muitas vezes o habito de assistir a missa, por falta de espírito de fé, degenera em rotina e não recebemos mais então do santo sacrifício todos os frutos que deveríamos receber.
Este então deveria ser o maior ato de nossos dias e na vida de um cristão, sobretudo de um religioso, todos os outros atos quotidianos só deveriam ser o acompanhamento daquele, ou seja, todas as outras orações e pequenos sacrifícios que devemos oferecer ao Senhor durante o dia.
Lembremos aqui: 1º. o que dá valor ao sacrifício da missa, 2º qual é a relação de seus efeitos com nossas disposições interiores, 3º como devemos nos unir ao sacrifício eucarístico.
*
* *
A oblação sempre viva do coração do Cristo
A excelência do sacrifício da Missa vem, diz o Concilio de Trento, do fato de ser o mesmo sacrifício em substancia que o sacrifício da Cruz, porque é o mesmo sacerdote que continua atualmente a se oferecer por seus ministros, é a mesma vítima, realmente presente no altar, que é realmente ofertada; só difere a maneira de oferecer: enquanto há na Cruz uma imolação cruenta, na Missa há uma imolação sacramental pela separação, não física, mas sacramental do corpo e do sangue do Salvador, em virtude da dupla consagração. Assim o sangue de Jesus sem ser fisicamente derramado é sacramentalmente derramado.
Esta imolação sacramental é um sinalda oblação interior de Jesus, à qual devemos nos unir; é também o memorial da imolação cruenta do Calvário. Apesar dela ser somente sacramental, esta imolação do Verbo de Deus feito carne, é mais expressiva do que a imolação cruenta do cordeiro pascal e de todas as vítimas do Antigo Testamento. Um sinal tira, com efeito, seu valor expressivo da grandeza da coisa significada; a bandeira que nos lembra a pátria, de tecido comum, tem maior preço a nossos olhos do que a flâmula de uma companhia ou do que a insígnia de um oficial. A imolação cruenta das vitimas do Antigo Testamento, figura longínqua do sacrifício da Cruz, exprimia somente os sentimentos interiores dos sacerdotes e dos fieis da antiga Lei; enquanto que a imolação sacramental do Salvador sobre nossos altares exprime, sobretudo, a oblação interior sempre viva do coração do “Cristo que não cessa de interceder por nós” (Hebr., VII, 25).
Ora, essa oblação que é como a alma do sacrifício da Missa, tem um valor infinito, que emana da pessoa divina do Verbo feito carne, sacerdote principal e vítima, cuja imolação continua sob uma forma sacramental.
São João Crisóstomo escreveu: “Quando virem no altar o ministro sagrado elevando para o céu a santa hóstia, não creiam que este homem seja o verdadeiro padre (principal), mas, elevando o pensamento acima daquilo que atinge os sentidos, considerem a mão de Jesus Cristo invisivelmente estendida”. O padre que vemos com nossos olhos de carne não pode penetrar em toda a profundeza desse misterio, mas acima dele está a inteligência e a vontade de Jesus sacerdote principal. Apesar do ministro não ser sempre o que deveria ser, o sacerdote principal é infinitamente santo; o ministro, mesmo quando é bom, pode estar ligeiramente distraído ou ocupado com as cerimônias exteriores do sacrifício, sem penetrar no sentido intimo, mas acima dele há alguém de um valor infinito, uma suplica e uma ação de graças sem limite de tamanho.
Esta oblação interior sempre viva no coração do Cristo é, por assim dizer, a alma do sacrifício da Missa. É a continuação daquela pela qual Jesus se ofereceu como vítima entrando neste mundo e em todo o curso de sua existência terrestre, sobretudo na Cruz.Quando o Salvador estava sobre a terra, essa oblação era meritória; agora continua sem essa modalidade de mérito. Continua sob a forma de adoração reparadora e de súplica, para nos aplicar os méritos passados da Cruz. Mesmo quando a última Missa acabar no fim do mundo e que não houver mais sacrifício propriamente dito, mas sua consumação, a oblação interior do Cristo para seu Pai durará, não mais sob a forma de reparação e de súplica, mas sob a forma de adoração e de ação de graças. É o que nos faz prever o Sanctus, Sanctus, Sanctus, que dá uma idéia do culto dos bem-aventurados na eternidade.
Se nos fosse dado a conhecer, imediatamente, o amor que inspira esta oblação interior, que dura sem cessar no coração do Cristo, “sempre vivo para interceder por nós”, qual não seria nossa admiração!
A Bem-aventurada Ângela de Foligno nos diz: “Não tenho um vago pensamento, mas a certeza absoluta que, se uma alma visse e contemplasse algum dos esplendores íntimos do sacramento do altar, incendiaria, pois veria o amor divino. Parece-me que aqueles que oferecem o sacrifício, ou que nele tomam parte, deveriam meditar profundamente sobre a verdade profunda do mistério três vezes santo, na contemplação do qual deveríamos permanecer imóveis e absorvidos”.
*
* *
Os efeitos do sacrifício da missa e nossas disposições interiores.
A oblação interior do Cristo Jesus, que é a Alma do sacrifício eucarístico, tem os mesmos fins e os mesmos efeitos que o sacrifício da Cruz, mas importa distinguir, entre esses efeitos, aqueles que são relativos a Deus e os que nos concernem.
Os efeitos da Missa imediatamente relativos a Deus, como a adoração reparadora e a ação de graças, se produzem sempre infalivelmente e plenamente com seu valor infinito, mesmos sem nosso concurso, mesmo que a Missa seja celebrada por um ministro indigno, desde que seja válida. De cada Missa se eleva, então, para Deus uma adoração e uma ação de graças de um valor sem limites, em razão da dignidade do Sacerdote principal que oferece e do preço da vitima ofertada. Esta oblação “agrada mais a Deus do que todos os pecados reunidos lhe desgostam”; é isso que constitui a própria essência do mistério da Redenção por modo de satisfação.
Quanto aos efeitos da Missa, relativos a nós, só nos são dispensados na medida de nossas disposições interiores.
É assim que a Missa, como sacrifício propiciatório, obtém, ex opere operato, para os pecadores que não resistem, a graça atual que os leva a se arrependerem e que os inspira a confessar suas faltas. As palavras do Agnus Dei, qui tollis peccata mundi, parce nobis Domine, produzem nesses pecadores que não põem obstáculos aos sentimentos de contrição, o que o sacrifício da Cruz produziu na alma do bom ladrão. Trata-se aqui, sobretudo, dos pecadores que assistem a Missa ou daqueles por quem ela é dita.
O sacrifício da Missa, como satisfatório, apaga também, infalivelmente aos pecadores arrependidos, ao menos uma parte da pena temporal devida pelo pecado e isso em proporção às disposições mais ou menos perfeitas com as quais a assistem. É por isso que o Concílio de Trento diz que o sacrifício eucarístico pode ser oferecido também pelo sufrágio das almas do purgatório.
Enfim como sacrifício impetratório ou de Súplica, a Missa nos obtém ex opere operato todas as graças que temos necessidade para nos santificar. É a grande oração do Cristo sempre vivo que continua para nós, acompanhado da oração da Igreja, Esposa do Salvador. O efeito desta dupla oração é proporcionado ao nosso fervor e aquele que se uni o melhor que pode, está certo de obter para ele e para aqueles que lhes são caros, as mais abundantes graças.
Segundo Santo Tomas e muitos teólogos, esses efeitos da Missa relativos a nós são limitados apenas pela medida de nosso fervor. A razão é que a influência de uma causa universal só é limitada pela capacidade dos sujeitos que a recebem. Assim o sol clareia e aquece em um só lugar tanto mil pessoas como a uma só. Ora o sacrifício da Missa, sendo substancialmente o mesmo que o da Cruz é, por modo de reparação e de oração, uma causa universal de graças, de luz, de atração e de força. Sua influência sobre nós só é, pois, limitada pelas disposições ou pelo fervor daqueles que a recebem. Assim uma única missa será tão proveitosa para um grande numero de pessoas como se fosse oferecida para uma só entre elas; assim como o sacrifício da Cruz rendeu ao bom ladrão tanto proveito quanto teria rendido se oferecido por ele só. Se o sol aquece, em um só lugar, mil pessoas como a uma, a influência desta fonte de calor espiritual que é a Missa não é menor em sua ordem. Quanto mais se assiste a Missa com fé, confiança, religião e amor, maiores serão os frutos que dela se retira.
Tudo isso nos mostra porque os santos, à luz dos dons do Espírito Santo, sempre tanto apreciaram o Sacrifício da Missa. Alguns, ainda que enfermos e doentes, queriam se arrastar até a missa, porque ela vale mais do que todos os tesouros. Santa Joana d’Arc, indo para Chinon, importunava seus companheiros de armas e obtinha deles, a força de insistência, que assistissem a missa todos os dias. Santa Germana Cousin era fortemente atraída para a Igreja quando escutava o sino anunciar o santo sacrifício, deixava suas ovelhas na guarda dos anjos e corria para assistir a missa; seu rebanho era bem guardado. O santo Cura d’Ars falava do valor da Missa com tal convicção, que tinha obtido que todos ou quase todos os seus paroquianos a assistissem. Inúmeros outros santos derramavam lágrimas de amor ou caíam em êxtase durante o sacrifício eucarístico; alguns viram no lugar do celebrante o próprio Nosso Senhor, o Sacerdote principal. Outros, na elevação do cálice, viram o precioso sangue transbordar, escorrendo pelos braços do padre e pelo santuário e anjos virem recolhê-lo em taças de ouro como para levá-lo por toda parte onde houvesse homens para salvar. São Felipe de Néri recebeu graças desse gênero e se escondia para celebrar por causa dos arrebatamentos, que muitas vezes, era tomado no altar.
Como nos unir ao sacrifício eucarístico?
Pode-se aplicar a isso o que Santo Tomás diz sobre a atenção na oração vocal: “A atenção pode estar ou bem nas palavras para bem pronunciá-las, ou no sentido das palavras, ou no fim da oração, quer dizer em Deus e naquilo pelo que se reza... Esta ultima atenção, que os mais humildes, sem cultura podem ter, é algumas vezes tão grande que é como se o espírito fosse elevado para Deus e se esquecesse de todo o resto”.
Assim também para bem assistir a missa, com fé, confiança, verdadeira piedade e amor, podemos segui-la de maneiras diferentes. Podemos estar atentos às preces litúrgicas, geralmente tão belas e tão cheias de unção, de elevação e de simplicidade. Podemos lembrar a Paixão e a Morte do Salvador, cuja missa é o memorial e se considerar como estando ao pé da Cruz com Maria, João, as santas mulheres. Podemos ainda nos aplicar a render a Deus, em união com Jesus, os quatro deveres que são os fins do Sacrifício: adoração, reparação, pedido e ação de graças. Desde que se reze, mesmo recitando piedosamente seu terço, assistimos com frutos à missa. Podemos também com grande proveito, como santa Joana de Chantal e muitos santos, continuar com a sua oração, sobre tudo se somos levados a um puro e intenso amor, um pouco como são João na Ceia repousando sobre o Coração de Jesus.
Mas de qualquer maneira que se siga a Missa, é preciso insistir em uma coisa importante. É preciso sobretudo nos unirmos profundamente à oblação do Salvador, o sacerdote principal: com ele, é preciso oferecê-lo a seu Pai, nos lembrando que esta oblação agrada mais a Deus do que todos os pecados lhe desagradam. É preciso nos oferecer, cada dia, mais profundamente, oferecer particularmente as penas e contrariedades que costumamos ter e aquelas que se apresentarão durante o dia.
É assim que no ofertório o padre diz: “In spiritu humilitatis et in animo contrito suscipiamur a te, Domine: É com espírito de humildade e coração contrito que vos pedimos, Senhor, de nos receber”.
O autor da Imitação, I. IV, cap. VIII, insiste com razão sobre este ponto: O Senhor diz: “ Como me ofereci voluntariamente a meu Pai por vossos pecados, na cruz..., assim deveis todos os dias, no sacrifício da Missa, vos oferecer a mim, como uma hóstia pura e santa, do mais profundo do vosso coração... É a vos que eu quero e não vossos dons... Se permanecerdes em vós mesmos, se não vos abandonardes sem reserva a minha vontade, vossa oblação não será completa e não estaremos unidos perfeitamente”.
No capitulo seguinte, o fiel responde: “Na simplicidade de meu coração, eu me ofereço a vós meu Deus, para vos servir para sempre... Recebei-me com a oblação santa de vosso precioso Corpo... Ofereço-vos também tudo o que há de bom em mim, por mais imperfeito que seja, para que vós a torne mais digna de vós. Ofereço-vos ainda todos os piedosos desejos das almas fieis, a oração por aqueles que me são queridos... A súplica por aqueles que me ofenderam ou entristeceram, por aqueles também que eu mesmo afligi, feri, escandalizei, sabendo ou não, afim de que nos perdoeis todas nossas ofensas mútuas... e fazei que sejamos dignos de gozar aqui na terra dos vossos dons e alcançar a vida eterna.”
A missa assim compreendida é uma fonte fecunda de santificação, de graças sempre renovadas; por ela pode-se realizar cada vez melhor para nós a oração do Salvador: Dei-lhes a luz que vós me destes, para que sejam um como nós somos um, Eu neles e vós em mim, afim de que eles sejam perfeitamente um e que o mundo saiba que vós me enviastes e que vós os amastes como vós me amais” (João, XVII, 23).
A visita ao Santíssimo Sacramento deve nos recordar a missa da manhã e devemos pensar que no Tabernáculo, se não há sacrifício propriamente dito, que cessa com a missa, no entanto Jesus realmente presente continua a adorar, orar e render graças. Deveríamos nos unir a essa oblação do Salvador a qualquer hora do dia. Como diz a oração do Coração Eucarístico: “Ele é paciente a nos esperar, apressado em nos atender; é a sede de todas as graças sempre renovadas, o refúgio da vida escondida, o mestre dos segredos da união divina”. Devemos junto ao Tabernáculo, “calar-nos para escutar, e abandonar-nos para nele nos perder”.
Roma, Angélico.
(Tradução: Permanência. Originalmente publicado em “La Vie Spirituel” n º 187, 1º - 04 – 1935)