Diz-se que S.S Pio X, solicitando as crianças a fazer a primeira comunhão a partir da idade da razão, disse : « haverá santos entre as crianças ».
Estas palavras parecem verificar-se cada vez mais, e é com prazer que citamos os nomes das santas crianças cujas vidas foram escritas nos últimos anos: a pequena Nellie, morta em odor de santidade, em 2 de fevereiro de 1908, na Irlanda, aos quatro anos e meio de idade, após ter feito a primeira comunhão que tão ardentemente desejara e após ter praticado em grau extraordinário as mais amáveis virtudes, sobretudo a paciência para suportar as dores da cárie dos ossos ; o pequeno Gustavo Maria Brani, conhecido como « il piccolo serafino di Gesù sacramentato », nascido em Turim, em 1903, e morto em odor de santidade aos oitos anos, contente por sofrer pelo amor de Nosso Senhor; Galileo Nicolini, que partiu para o céu durante seu noviciado com os Passionistas; Emma Mariani de Lucca, morta aos quatro anos e meio de idade, após ter manifestado muito precocemente o vivo desejo de fazer sua primeira comunhão, que fez à idade de três anos, e de ter mostrado, sobretudo após sua derradeira doença, uma enorme devoção pela Paixão do Salvador; a pequena Anne de Guigné, cuja graciosa vida foi contada nas páginas de La Vie Spirituelle e tornaram-se tão conhecidas depois; Guy de Fontgalland, a quem a santa Virgem anunciou em Lourdes que morreria jovem e que, em seguida, faria o bem largamente desde o alto do céu, o que se verifica pelas graças abundantes obtidas por sua intercessão; Hélène-Anne Dabrowska, nascida de pai polonês e mãe francesa em 1912, morta em 5 de fevereiro de 1925, à idade de doze anos e que, após ter conseguido vencer seu caráter independente e obstinado, fechado e dado à controvérsia, tornou-se um modelo de obediência, docilidade e esquecimento de si mesma; Marie-Gabrielle T., nascida em Savoie, cuja vida, escrita por Myriam de G., será publicada pela P. Lethielleux com o título “Pequena predestinada”, na coleção Parvuli, bem como as vidas de Guglielmina e de Hélène. Todas estas vidas lembram a da bem-aventurada Imelda, morta de amor durante a ação de graças de sua primeira comunhão, que fez miraculosamente com uma hóstia que descendera do céu. Por que não citar também a vida do jovem Pier Giorgio Frassati, de Turim, que acaba de ser traduzida para o francês, modelo perfeito de energia, pureza, verdadeira piedade e devoção pelos pobres?
Percorrendo a vida destes meninos, predestinados a conquistar tão rapidamente o céu, podemos admirar a predileção de Nosso Senhor pelos parvuli, e a bela maneira pela qual se verifica, na vida destes pequeninos, as grandes leis que presidem à vida de todo predestinado.
A predileção de Nosso Senhor pelas crianças
Esta predileção exprime constantemente o Evangelho. Quando os discípulos perguntaram ao mestre (Mt 18, 1) : « Quem é o maior no reino dos céus? », Jesus, fazendo vir um menino, pô-lo no meio deles e disse : « Na verdade vos digo que se vos não converterdes e vos não tornardes como meninos, não entrareis no reino dos céus. Todo aquele, pois, que se fizer pequeno, como este menino, esse será o maior no reino dos céus. E o que receber em meu nome um menino como este, é a mim que recebe. Porém, o que escandalizar um destes pequeninos, que crêem em mim, melhor lhe fora que se pendurasse ao pescoço a mó que um asno faz girar, e que o lançassem no fundo do mar. »
Nosso Senhor quer nos dizer que, aos olhos de Deus, independente do que formos, independente de nossa ciência, de nossa autoridade, devemos sempre ser como crianças pequeninas, pela consciência de nossa fraqueza, de nossa fragilidade, de nossa dependência, de nossa humildade e simplicidade. Enquanto o homem torna-se, com a idade, cada vez mais independente de seu pai e de sua mãe, o cristão, para alcançar a união divina, prelúdio da vida eterna, deve tomar consciência cada vez maior de sua dependência ao Pai do céu; deve ser, cada vez mais, o infante de Deus; tornar-se mais humilde, simples, filial e abandonado; tem de chegar a não pensar, não querer, não agir, senão por seu Pai e para Ele. É isto que se vê na vida dos santos, cuja fidelidade ao Espírito Santo faz entrar nas vias ditas passivas: eles são, mais e mais, como crianças aos olhos de Deus; confiam em Deus de modo absoluto e já não usam de sua atividade própria senão para conseguir tornar-se mais dependentes d´Ele. Compreendem bem que nossa salvação é mais certa se posta nas suas mãos que nas nossas.
Os santos também encontram meios de realizar as duas partes da palavra de S. Paulo (1 Cor 14, 20): «Irmãos, não sejais meninos na compreensão mas sede pequeninos na malícia.»
Foi assim que o confessor de Santo Tomás de Aquino disse que a confissão que este grande teólogo fizera antes de morrer mostrava sua alma inocente como a de uma criança de cinco anos. A oração de Santo Tomás devia ser também das mais simples, das mais filiais e das mais humildes.
Os grandes santos gostam de lembrar que Jesus dizia (Mc 10, 14): «Deixai vir a mim os pequeninos, e não os embaraceis, porque destes tais é o reino de Deus. Em verdade vos digo: Todo o que não receber o reino de Deus como um menino, não entrará nele. E abraçando-os, e impondo-lhes as mãos, os abençoava.»
Enfim, pensando em todos aqueles que parecem com os pequeninos pela maneira humilde e simples de receber a palavra divina, Jesus dizia (Mt 11, 25): «Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondestes estas coisas dos sábios e aos prudentes, e as revelastes aos pequeninos. Assim é, ó Pai, porque assim foi do teu agrado.»
É este mesmo ensinamento que hoje nos é dado pelo trabalho da graça nas almas das crianças de que acabamos de falar; é com alegria que acompanhamos nelas o desenvolvimento deste germe da vida eterna que o batismo lhes deu e que, por vezes, tão rapidamente chega à derradeira eclosão.
As leis da vida da graça na vida destas crianças.
O que impressiona nestas biografias, é a maneira pela qual se verificam, nestas crianças, as grandes leis que presidem a vida de todo predestinado.
A primeira destas leis está inscrita na essência mesma da graça santificante, germe da glória, semen gloriae. Esta vida, que nos foi dada no batismo, é a mesma, no fundo, que a do céu, como a do germe contido em uma glande é a mesma que aparecerá no carvalho plenamente desenvolto. É uma participação da vida íntima de Deus, participação que desabrochará quando o vermos sem véus, diretamente, como Ele se vê, e quando nós o amarmos como Ele se ama, sem perigo de o perder pelo pecado.
Esta vida da graça, que se desenvolve aqui em baixo na obscuridade da fé pelo progresso da caridade, deve, portanto, de si mesma, durar para sempre e, quando a fé e a esperança passarem para dar lugar à visão e posse de Deus, a graça santificante e a caridade que estão em nós durarão eternamente; esta vida faz com que, desde aqui em baixo, sejamos templos da santa Trindade.
Mas, ainda que esta vida da graça deva, de si mesma, durar para sempre, sem jamais ser perdida pelo pecado mortal, que é a própria desordem, ela é recebida em um vaso frágil, que pode se quebrar e, em muitos batizados, ela desaparece, é destruída pelo pecado, depois é restituída pela absolvição e contrição; freqüentemente, é destruída uma série de vezes e é uma grande misericórdia quando restituída antes da morte. Assim, esta grande lei da graça santificante, de si feita para durar para sempre, é adulterada em muitas vidas cristãs por interrupções que constituem tempos de morte.
Nas crianças das quais falamos, ao contrário, esta lei realiza-se maravilhosamente, a inocência batismal permanece, o vaso não se quebra e a água puríssima que contém verdadeiramente salta, como dizia Jesus à Samaritana, até a vida eterna, assim como o mostra os últimos instantes destes pequeninos. « Vita gratiæ est quædam inchoatio vitæ æternæ », gostava de dizer Santo Tomás.
Uma segunda lei da vida da graça é assim formula pelo mesmo santo doutor: "Como a pedra tende para o centro da terra com velocidade tanto maior quanto mais dele se aproxima, assim as almas em estado de graça devem seguir em direção a Deus com tanto maior velocidade quanto mais Dele se aproximam e quanto mais são atraídas por Ele". Em outras palavras, a alma em estado de graça deve, normalmente, pelo élan de sua caridade ou de seu amor, tender cada vez mais fortemente em direção a Deus, até a hora em que chegar à visão da essência divina. Por isso, em princípio, cada uma de nossas comunhões deveria ser substancialmente mais fervente que a precedente, posto que cada uma deve aumentar em nós a graça e a caridade e assim nos dispor a melhor receber Nosso Senhor no dia seguinte.
Mas, o pecado venial, sobretudo se deliberado, vêm freqüentemente retardar este élan, e obstruir esta segunda lei, como o pecado mortal, destruindo a vida da graça, impede a efetiva realização da primeira.
Nos pequenos predestinados de que falamos, este retardo no élan do amor de Deus, que provém sobretudo do pecado venial deliberado, é dificilmente visível; percebemos que estas almas inocentes, como a da pequena Nellie, são tomadas por um élan cada vez mais forte em direção ao «Deus santo», como ela dizia; em direção a Nosso Senhor presente na Eucaristia, até que Ele lhes permita participar de sua vida gloriosa no céu. Compreendemos assim, mais e mais, a alegria com que Jesus devia dizer: « Deixe vir a mim os pequeninos. »
Enfim, uma terceira lei da graça, que completa as precedentes, é aquela que é assim formulada por S. Paulo (Rm 8, 28): «todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus, para o bem daqueles que, segundo o seu eterno desígnio, foram chamados santos». Na vida dos eleitos, tudo concorre para a salvação e ao grau da glória a que foram predestinados: todas as graças, desde a do batismo, todos os dons naturais, as circunstâncias favoráveis da existência bem como as provações, as doenças, a hora da morte escolhida por Deus desde toda a eternidade, sem mesmo excetuar, diz santo Agostinho, suas faltas, pois elas foram permitidas pelo Senhor para lhes fazer chegar a uma humildade mais verdadeira, a uma perfeita desconfiança de si mesmos e a uma confiança em Deus ainda mais firme: « Cum enim infirmor, tunc potens sum. »
Mas, ainda uma vez, esta grande lei, assim como as duas precedentes, é dissimulada na vida de muitos eleitos pela quantidade e gravidade de pecados insuficientemente expiados, pelos quais muitos deverão passar por um longo e duro purgatório, que entra assim no número de coisas que concorrem para conduzir-lhes ao termo de seu destino.
Ora, na vida das crianças predestinadas das quais falamos, não percebemos, por assim dizer, nada de similar. Sob o sopro da graça, tais almas voam quase sem interrupção rumo à santidade, ao que o Senhor pede aos pequeninos, e que lhes permite atingir, em tão pouco tempo, o grau de glória a que foram predestinados. Verdadeiramente, em suas curtas vidas, até a hora escolhida por Deus para sua morte, tudo concorreu para o bem; e nesse tudo, o purgatório parece não ter nenhum lugar.
O Espírito Santo os faz escutar aquilo que espera deles para que respondam à graça de sua santificação segundo o plano divino. Estas pequenas biografias nos ajudam a compreender um pouco o que é, no pensamento de Deus, a santidade de uma criança e o que ela requer para render a Deus a glória que Ele espera.
Com efeito, estas almas, ainda cobertas do orvalho celeste do batismo, estas almas que não foram respingadas pela lama da terra, não tem de passar pelo purgatório. Ora, aquele que está, no instante de sua morte, pronto para entrar imediatamente no céu, é santo; em sua vida, tudo concorreu para conduzi-lo a este grau de pureza e de amor de Deus e das almas que lhe fizeram obter, imediatamente, a beatitude eterna.
Fazendo seus pequenos sacrifícios — grandes para o Senhor e para eles — estes pequeninos parecem ir de claridade em claridade, até receber e provar Deus desde aqui em baixo. « Eu o saboreio », dizia Guy.
Lê-se no depoimento inédito de uma religiosa auxiliadora de Cannes que ensinou durante cinco anos o catecismo à pequena Anne de Guigné: « Por seus dons, geraria a inveja; sem sua virtude, muitos teriam se manchado; no entanto, ela se portava muito bem em seu lugar: por sua discrição evitava diminuir seus colegas com tão perfeito zelo — sabia perfeitamente não se antecipar senão para prestar-lhes algum serviço — que todos sucumbiam ao charme de sua virtude sem invejar sua excelência. Ela sempre ficou em seu canto, em seu pequenino assento, de uma maneira que ultrapassa até uma já grande virtude...
« Semprei notei nela toques de recolhimento interior: era nesses momentos que o menino Jesus lhe falava, confessava ela. Estou intimamente persuadida de que pediu para ir ao paraíso: sentia-se isso, tudo traía esta impaciência do céu. O bom Deus a chamava, ela o sentia; respondia a este apelo com alegria. Não falava nada disso com sua mãe para não a entristecer, para evitar esta imensa dor, mas tinha a íntima certeza de que não tardaria a morrer. Era impressionante no fim. Nada mais a prendia na terra. Eu sentia que a morte não lhe custaria senão um sacrifício, o de sua mãe. »
É a mesma observação que fazemos ao ler as biografias destes pequeninos servidores de Deus.
— « Quando será? Quando Ele virá? » dizia Marie-Gabrielle T., que morreu exprimindo seu mui vivo desejo do céu.
A pequena Gugliemina Tacchi-Marconi (1898-1909), cuja biografia também está na coleção Parvuli, manifesta aos oito anos um amor extraordinário pelos pobres, aos quais dá « por amor de Jesus », seu dinheiro, seu agasalho. Uma palavra que ofende a Deus a empalidece; torna-se grave e recolhida quando se lhe fala da Eucaristia. Sofrendo muito durante os sete meses de uma endocardite que a acomete, mostra-se doce, resignada, sem caprichos ou impaciências, apesar da insônia; após a extrema-unção, pede instantemente a comunhão: « Quero novamente Jesus-Hóstia, depois, adormeço. Apressem-se! »; e, após ter seu desejo atendido, morre durante sua ação de graças.
Conforme a mesma coleção, uma pequena nascida nos Alpes franceses, Hélène (1894-1905), que aparente praticar sem esforços a virtude, a obediência, a mortificação e se mostra diligente, aplicada, meditativa, quer pedir à Jesus a graça de morrer no dia de sua primeira comunhão; sua mãe responde: « Deixe-o fazer como quiser. » Depois, alguns meses após esta radiante primeira comunhão, ela convida seus pais e irmãs para escutar uma última vez tudo o que sabe tocar no piano, e diz: « Será que vou morrer? Parece-me que sim, foi por isso que toquei para você tudo quanto sabia... pela última vez. » Pouco após, ela é acometida por uma meningite. Nos extremos da dor, ela continua sempre recolhida, mãos juntas, sem impaciência. Quando seu confessor pergunta se quer Jesus, ela recupera toda a lucidez. Recebe-o dizendo, do fundo do seu coração: « Meu Deus, eu vos amo! » e, após a extrema-unção, morre, como tinha pressentido.
Por vezes nos surpreendemos ao encontrar estas pequenas almas, inteiramente abandonadas na luz, e temos a impressão que estes meninos deram à Deus tudo o que queria deles: fidelidade aos deveres quotidianos de sua idade, fidelidade inspirada por uma fé, uma confiança filial e por uma caridade cada vez mais vivas. Encontramos neles um senso profundo do mistério da Cruz. O pequeno Guy de Fontgalland, com onze anos de idade, durante as agonias que antecederam sua morte, dizia: « Oh! Como sofro! Meu amado menino Jesus, eu vos ofereço poder sofrer assim pelo tempo que desejardes...; eu vos amo muito, sim! » E, virando-se para sua mãe, antes de seu último suspiro, diz, para consolá-la, lembrando o prêmio da Cruz do Salvador: « Mamãe, minha querida mamãe, quando eu estiver lá em cima, perto do menino Jesus, eu te enviarei algumas cruzes... será preciso aceitá-las.» Que grande lição de força o Senhor nos dá por meio desta criança!
A perfeição da vida cristã consiste especialmente na caridade, no amor de Deus e das almas em Deus. Se, portanto, vemos a vida de uma criança inteiramente movida pelo amor de Deus, pela confiança em Nosso Senhor e em Maria, se nele encontramos, com espírito de mortificação e de sacrifício, uma intimidade sempre crescente de quase todos os instantes com Aquele que disse: « Deixai vir a mim os pequeninos », então podemos dizer que esta criança, apesar de sua pouca idade, alcançou a perfeição da vida cristã, e a alcançou em um grau talvez muito superior ao que atingirão muitos bons cristãos, mesmo em idade avançada. Nós nos lembramos então a palavra de S. Pio X, quando chamava as criancinhas à primeira comunhão: « haverá santos entre as crianças » E a oração destes pequeninos é, por vezes, singularmente poderosa; se os grandes da terra são muitas vezes tocados pela oração que lhes fazem os pequeninos, quanto mais não a amará receber o próprio Senhor, Ele que a fez saltar de seus corações!
Peçamos a eles de nos conseguir vocações sacerdotais, padres santos e, para afugentar os perigos de uma nova guerra, fazer surgir, nos países suscetíveis de entrar em conflito amanhã, verdadeiros amigos de Jesus, fontes de caridade e de paz.
Roma, Angelico.
Tradução: Permanência. Publicado originalmente em La Vie Spirituelle n° 137, Fev. 1931