Há certas frases que todo o mundo pronuncia sentenciosamente e todo o mundo ouve com respeito, sem que ninguém se dê ao trabalho de examinar a sua significação. Pode ser que constitua um desses lemas de universal e anônima sabedoria; mas também pode ser que não passe de um lugar comum ou de uma meia verdade, que, como sabemos, é a mais insidiosa espécie de mentira que o "homo mendax", consegue produzir neste vale de lágrimas.
Uma dessas meias verdades, ou um desses sentenciosos lugares comuns que encontra o mais benévolo acolhimento entre as pessoas graves é o seguinte, que já vi impresso centenas de vezes, atribuído a todos os personagens importantes do planeta: "O verdadeiro modo de combater o comunismo é o trabalho por uma ordem social mais justa".
Apesar do volumoso consenso que poderia nos intimidar, ouso dizer, apoiado na translucidez do raciocínio lógico, que essa proposição é falta e portanto, em vista de sua difusão, perigosíssima. Vejamos: há em relação a todos os males dois tipos de combate ou dois tipos de resistência, o preventivo e o curativo. Se estamos pensando em ladrões que ameaçam nossas casas, posso dizer que o melhor modo de evitar o assalto é o do reforço das portas e dos aparelhos de vigilância. Se, porém, já se acham dentro de casa os ladrões e malfeitores, dispostos a roubar e matar, creio que seria comicamente inoportuna a sentença de alguém que dissesse pausadamente: os ladrões não se combatem; evitam-se, e o modo melhor é o de fortificar as trancas.
Na medicina também se encontra o mesmo paralelo: há a medicina preventiva, que trata da higiene, da profilaxia, das recomendações gerais que robustecem o corpo e que afastam o espectro da doença; mas há também a medicina curativa, e até podemos dizer que é esta que constitui a parte mais nítida e mais característica da nobre profissão. Creio que ainda não houve bispo, reitor ou paraninfo que tivesse a coragem de dizer que toda a medicina deve reduzir-se à forma preventiva, e que há certa deselegância moral, ou reacionarismo em pretender curar energicamente uma tuberculose, ou em pretender, ainda mais antipaticamente operar um apêndice inflamado.
A boa alimentação, o ar livre, a ginástica, e outras coisas podem contribuir para aumentar as defesas orgânicas e para a neutralização dos fatores nocivos à saúde que em alguma proporção sempre existem por toda a parte. A boa fechadura e o zelo vigilante também podem afastar o salteador. Mas a ninguém lembraria, creio eu, afirmar que essas medidas esgotam toda a coleção de recursos para o combate dos males. Ora, a proposição acima mencionada, sobre o verdadeiro modo de combater o comunismo, não é menos insensata do que seria a pregação de uma nova medicina que se concentrasse toda nas medidas preventivas, e que se recusasse à ação direta contra o mal.
Numa sociedade em que o comunismo ganhou um índice de infiltração que se manifesta em desordens públicas, em subversão, em difusão da doutrina, parece-me evidente que o combate de tipo preventivo não é suficiente, e que a ação direta se impõe. Torna-se mais aflitiva a situação e mais urgente a ação direta quando se vê um segundo erro nascer daquela meia verdade.
Eles dizem que o "verdadeiro modo de combater o comunismo é a luta pela implantação de uma ordem social mais justa"; mas depois disso passam a trabalhar em favor de uma ordem social que ainda mais nos aproxima do comunismo; espicaçam a luta de classes por um processo chamado de conscientização, despertam sentimentos nacionalistas contrários aos interesses dos países democráticos que lutam contra o comunismo e ao mesmo tempo despertam simpatias pelos países comunistas. E então eu concluo que àquela meia verdade é preciso acrescentar uma segunda parte, nos seguintes termos: "O verdadeiro modo de combater o comunismo é o de promover uma ordem social semelhante à recomendada pelos comunistas".
É exatamente isto o que acontece no Brasil, especialmente nos meios agitados pelos chamados católicos de esquerda. Apertados, eles dirão que também combatem o comunismo com esse verdadeiro modo de combatê-lo. Recentemente, a propósito de uma explosão publicitária em torno do nordeste, multiplicaram-se declarações desse tipo. Seria mais nobre, mais decente, admitir logo que não se deseja combater o comunismo; que se deseja, ao contrário, imitá-lo. Mas a esquerda católica ainda não chegou a essa perfeição e ainda vive dos juros abundantes dos equívocos, das meias verdades colocadas a mais de cinco por cento ao mês.
Parece-me evidente, e ofereço uma bonificação — nome no jornal, elogio, ou até algum brinde de valor — a quem provar o erro de meu raciocínio, parece-me evidente que é uma tolice dizer que o verdadeiro modo de combater o comunismo é o preventivo. Admito que se discuta em cada caso a oportunidade de um ou de outro modo de ação. Ficaria feliz, morreria feliz, se ao menos essa pequena verdade elementar conseguisse difundir: a de que, em certos casos, o ladrão tem de ser combatido diretamente, e a doença tem de ser curada. E morreria feliz se lesse nos jornais o deslocamento do problema para essa análise da circunstância que pede um ou outro tratamento. O que entristece, e receio morrer sem consolo, é ver espalhadas, nos mais altos lugares, proposições, lugares comuns, meias verdades que só servem para fortificar o inimigo e para incrementar o mal, além de servir para enfraquecer e estupidificar a vítima.
No ponto em que chegamos no Brasil tenho a firme convicção de que a proposição certa é a seguinte: "O verdadeiro modo de estabelecer a ordem social justa é o que começa por combater o principal fator do mundo moderno que se opõe a essa ordem". Esse fator é o comunismo. E a vergonha máxima do planeta, a meu ver, é a triste necessidade em que se acha um velho militante católico de escrever coisas tão óbvias.
(4.9.66. Publicado em PERMANÊNCIA, Maio-Junho de 1990)