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Art. 4 – Se a ira é o gravíssimo dos pecados.

O quarto discute–se assim, ira é o gravíssimo dos pecados.

1. – Pois, no dizer de Crisóstomo, nada é mais horrível que a fisionomia de um homem enfurecido, nada mais disforme que um aspecto severo; mas, muito maior é a feiura da sua alma. Logo, a ira é o gravíssimo dos pecados.

2. – Demais. Quanto mais nocivo um pecado tanto pior é; pois, como diz Agostinho, mal se chama ao que é nocivo. Ora, a ira é sobremaneira nociva, pois, priva o homem da razão, que o torna senhor de si. Assim, como ensina Crisóstomo, não há meio termo entre a ira e a insânia, pois, a ira é uma possessão temporária, pior ainda que uma possessão verdadeira. Logo, a ira é o gravíssimo dos pecados.

3. Demais. – Os movimentos interiores se julgam pelos efeitos exteriores. Ora, o efeito da ira é o homicídio, que é o gravíssimo dos pecados. Logo, o gravíssimo dos pecados é a ira.

Mas, em contrário, a ira está para o ódio, como uma varinha, para uma trave. Assim, diz Agostinho: Não vá a ira transformar–se em ódio e de uma varinha, tornar–se uma trave. Logo, a ira não é o gravíssimo dos pecados.

SOLUÇÃO. – Como dissemos a desordem da ira é susceptível dê dupla explicação, conforme consideramos o que ela indevidamente deseja ou o modo indevido por que se efetiva. Quanto ao objeto do apetite do irado, a ira é o mínimo dos pecados. Pois, o que a ira deseja é o mal da pena de outrem, sob a forma do bem, que é a vindicta. Por onde, relativamente ao mal que ela deseja, convém o pecado da ira com os pecados por que desejamos o mal do próximo, por exemplo, com a inveja e o ódio. Mas, pelo ódio desejamos o mal de outrem, em absoluto, como tal; o invejoso, o deseja, por desejar a glória própria; ao passo que o irado inveja o mal de outrem sob a forma de vindicta. Por onde e claramente, o ódio é mais grave que a inveja e a inveja, que a ira; pois, pior é desejar o mal sob a forma de mal que sob a de bem; e é pior desejar o mal sob a forma de um bem externo, a saber a honra ou a glória, que sob a da retidão da justiça.

Mas, relativamente ao bem, sob a forma do qual o irado deseja o mal, a ira convém com o pecado da concupiscência, que visa um certo bem. E, então, absolutamente falando, também o pecado da ira é menor que o da concupiscência, e tanto mais quanto o bem da justiça, que o irado deseja, é melhor que o bem deleitável ou útil, desejado pelo concupiscente. Donde o dizer o Filósofo, que o incontinente por concupiscência é pior que o incontinente pela ira.

Mas, quanto à desordem no modo de irar–se, a ira implica uma certa excelência, por causa da veemência e da rapidez dos seus movimentos, segundo a Escritura: A ira não tem misericórdia nem o furor que rompe; mas quem poderá suportar o ímpeto dum homem concitado? Por isso, diz Gregório: O coração do homem incendido pela ira palpita, o corpo treme, a língua se trava, as faces inflamam–se, exasperam–se os olhos e completamente desconhece os amigos: a boca forma as palavras, mas a mente não lhes distingue o sentido.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. –­ Crisóstomo se refere ao que têm de horrível os gestos exteriores, resultantes do ímpeto da ira.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A objeção colhe quanto aos movimentos desordenados da ira, provenientes do seu ímpeto, como dissemos.

RESPOSTA À TERCEIRA. – O homicídio não resulta menos do ódio ou da inveja, que da ira. Mas, a ira é mais leve, por tomar em consideração a ideia de justiça, como dissemos.

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