O quinto discute–se assim. – Parece que foram inconvenientemente determinadas pelo Filósofo as espécies de iracúndia; quando diz que certos iracundos são agudos, outros amargos, outros difíceis ou graves.
1. – Pois, segundo ele, amargos são aqueles cuja ira dificilmente se dissipa e permanece por muito tempo. Ora, nisto parece ir apenas uma circunstância de tempo. Logo, poderemos também distinguir outras espécies de ira, segundo as outras circunstâncias.
2. Demais. – Difíceis ou graves ele os considera aqueles cuia ira não se dissipa sem o sofrimento ou a punição de outrem. Ora, isto também respeita à dissipação da ira. Logo, os difíceis são os mesmos que os amargos.
3. Demais. – O Senhor estabelece três graus de ira, quando diz: Todo o que se ira contra seu irmão; e o que disser a seu irmão: Raca; e o que lhe disser, és um tolo. Ora, estes graus não se compreendem nas espécies referidas. Logo, parece que a predita divisão da ira não é conveniente.
Mas, em contrário, Gregório Nisseno (Nemésio) diz serem três as espécies de irascibilidade, a saber: a ira chamada télea; a mania, chamada insânia; e o furor. As quais três se identificam com as três referidas. Pois, chama ira télea a que tem princípio e movimento, o que o Filósofo atribui aos agudos; mania denomina à ira permanente e duradoura, o que o Filósofo atribui aos amargos; com o furor enfim designa a ira que leva em conta o tempo ao aplicar o castigo, o que o Filósofo atribui aos difíceis. E a mesma é a divisão aceita por Damasceno. Logo, a referida divisão do Filósofo é inconveniente.
SOLUÇÃO. – A aludida distinção pode referir–se ou à paixão da ira ou ao pecado mesmo da ira. Como se refere à paixão da ira já o dissemos, quando dela tratámos. E é sobretudo nesse sentido que a consideram Nemésio e Damasceno. Mas agora devemos distinguir as referidas espécies, enquanto relativas ao pecado da ira, como as considera o Filósofo.
Ora, a desordem do pecado da ira pode ser considerada a dupla luz. – Primeiro, quanto à origem mesma da ira. E nessa desordem caem então os agudos, que cedem à ira demasiado prontamente e por qualquer leve causa. – Depois, quanto à duração da ira, isto é, pelo perseverar muito. O que de dois modos pode dar–se. Primeiro, porque a causa da ira, isto é, a injúria feita, permanece demasiado na memória do homem, o que o faz conceber uma tristeza prolongada, tornando–se por isso a si mesmo grave e amargo. – De outro modo isso pode dar–se, por parte da vingança, obstinadamente desejada. O que constitui os difíceis ou graves, que não abandonam a ira antes de castigarem.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Nas espécies referidas não se considera principalmente o tempo; mas, a facilidade do homem em irar–se ou a perseverança na ira.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Tanto uns como outros, a saber, os amargos e os difíceis, nutrem uma ira diuturna, mas, por causas diferentes. Assim, os amargos nutrem uma ira permanente, por causa da permanência da tristeza, que encerram no coração; e como não manifestam exteriormente os sinais exteriores da iracúndia, esta não pode ser combatida por ninguém; nem eles por si abandonam a ira, enquanto ela se não disfarça quando a tristeza desapareça da diuturnidade do tempo. Ao passo que a ira dos difíceis é diuturna por causa do desejo veemente da vindicta. Por isso, não se desfaz com o tempo, mas só desaparece com a punição.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Os graus da ira, que o Senhor enumera, não pertencem às diversas espécies da ira, mas se fundam no processo do ato humano. – Ora, nesse processo, primeiro formamos uma concepção em nossa alma. Por isso é que diz: Todo o que se ira contra seu irmão. – Segundo, manifestamos esse conceito por certos sinais exteriores, antes de se realizarem efetivamente. E por isto diz: O que disser a seu irmão: Raca, interjeição de quem está irado. – O terceiro grau é quando o pecado concebido interiormente, realiza–se no efeito. Ora, o resultado da ira é o dano feito a outrem sob a forma de vindicta. O mínimo dos danos, porém, é o causado só verbalmente. Por isso, disse: O que lhe disser, és um tolo. – Por onde, é claro que a segunda expressão acrescenta à primeira e a terceira, a ambas. Por onde, se a primeira é pecado mortal, no caso a que o Senhor se refere, como se disse, muito mais o são as outras. Por isso, a cada uma delas se fazem corresponder as diversas condenações. À primeira corresponde o juízo, que é menor; pois, como diz Agostinho, no juízo inda há lugar para a defesa. À segunda corresponde o conselho, durante o qual os juízes entre si combinam o suplício e a dor do condenado. À terceira, a geena do fogo, que é a condenação certa.