Das alturas da visão de Deus, o amor de Cristo desce em nossas almas e, nesse amor de Jesus por nós, encontramos, unidas, características tão diferentes: a mais profunda ternura e a força mais heróica.
A terna misericórdia do Salvador para com as almas não se desmente em nenhum instante, apesar de todas as ingratidões, contradições e ódios que Ele encontrou em Seu caminho.
Quanto a nós, temos facilmente uma terna afeição a raras pessoas da família ou a um amigo: mas quase sempre essa ternura é inteiramente sensível, superficial; não chega até a alma daqueles que amamos. Rezamos muito por eles? — Além do mais, essa afeição é freqüentemente tão estreita quanto superficial: nós a reservamos para alguns íntimos; como ela é fraca, perderia sua relativa intensidade se se espalhasse. Nosso coração é pobre, avaro em sua afeição: os indiferentes ficam de fora, e com maior razão os que nos ofenderam, feriram; somos até duros com eles e, às vezes, impiedosos.
A ternura sobrenatural de Cristo pelas almas é profunda, porque visa primeiro a alma, desejando-lhes a vida eterna; e ao mesmo tempo ela é universal, imensa, se estendendo a todos.
Jesus é, como Ele afirma, o Pastor das almas; todas podem tornar-se ovelhas de seu rebanho. Ele as conhece todas, chama-as nominatim, cada um por seu nome [1], protege-as contra o inimigo, inquieta-se pelas ausentes, corre à procura delas e carrega-as em seus ombros.
Um dos maiores sinais de sua vinda é este: "Os pobres são evangelizados" [2]. Eles têm, como as crianças, um lugar especial em sua afeição. Ele não teme comprometer Sua dignidade ao admiti-los perto de si; expõe-lhes com bondade a doutrina da salvação e até os serve. É entre os pobres e os humildes que escolhe seus apóstolos; na Quinta-Feira Santa se humilha diante deles, lava e beija seus pés para fazê-los entender melhor o preceito do amor fraternal. Cor Jesu, deliciae Sanctorum omnium, miserere nobis.
O que diz Ele aos pecadores? — "Vinde a mim todos os que estão fatigados e vos achais carregados, e eu vos aliviarei" (Mt. 11, 28). Ele tem piedade da grande miséria para onde o pecado os conduziu; leva-os ao arrependimento sem julgá-los com severidade. Ele é o pai do pródigo, abraça o filho infeliz por sua falta; perdoa a mulher adúltera que os homens se apressavam a lapidar; recebe Madalena arrependida, abre-lhe imediatamente o mistério de Sua vida íntima; fala da vida eterna à samaritana apesar de sua conduta; promete de imediato o céu ao bom ladrão. Realmente se realizam n'Ele as palavras de Isaías: "Ele não quebrará a cana rachada, nem apagará a mecha que ainda fumega." [3]
Ele sem dúvida repreende com muita veemência os fariseus que se obstinam em seu orgulho; mas é porque quer preservar as almas, afastá-las de sua influência, e também quer dar aos fariseus uma última advertência, que ainda os salvaria se eles não se endurecessem em seu orgulho. Advertindo-os assim, Jesus ainda os ama; até lhes dá uma graça que torna para eles realmente possível o cumprimento do dever.
Esse amor de Cristo não perde sua ternura, estendendo-se a todas as almas; ele abraça todas as nações e todos os tempos. Nosso Senhor tem sem dúvida suas preferências por um São João, por Zaqueu, pelo bom ladrão, mas permanece aberto a todos. "Ele morreu por todos os homens", diz São Paulo (II Cor. V, 14-15). Muitos se afastaram d'Ele, mas Ele não repele ninguém. E quando nos afastamos, Ele intercede pelos ingratos como rezou por seus algozes. É o grau supremo da bondade e da doçura na humildade. Ele diz a Pedro que deve-se "perdoar setenta vezes sete vezes", isto é, sempre, e Ele é o primeiro a fazê-lo.
Ao mesmo tempo, esse amor de Jesus por nós é de uma força que faz de seu coração o maior de todos. Cor Jesu, rex et centrum omnium cordium, miserere nobis.
Essa força, essa generosidade de seu amor por nós se manifesta cada vez mais desde o presépio até a Cruz. "Ele me amou, diz São Paulo, até se entregar por mim" [4], e cada um de nós pode dizer o mesmo. Os incrédulos só querem ver no Cristo moribundo um grande homem esmagado por mediocridades ciumentas. Ele é infinitamente mais: é a vítima voluntária que se ofereceu para nos salvar. "Ninguém tem maior amor que aquele que dá a sua vida por seus amigos." (Jo XV, 13)
Almas generosas se oferecem, às vezes, como vítimas para obter a conversão de um pecador, ou abreviar os sofrimentos do purgatório de um ente muito querido. Jesus se ofereceu como vítima por milhares de almas, por todos sem exceção e por cada uma em particular; e nenhum adulto está privado do benefício da redenção a não ser por orgulho ou para satisfazer sua concupiscência. Jesus suportou a pena que cabia a cada um de nós. Ele sofreu o pecado na medida de Seu amor por Deus, a quem o pecado ofende, e na medida de seu amor por nossas almas, que o pecado destrói e faz morrer. Cor Jesu, attritum propter scelera nostra, miserere nobis: Coração de Jesus, contristado por nossos pecados, tende piedade de nós. O coração doloroso e imaculado de Maria esteve intimamente associado a essa heróica oblação e nos ajuda a penetrar seu ministério.
Ninguém nos amou e ninguém nos amará nunca como Cristo. Eis porque, quando os fiéis de Corinto estavam divididos, um dizendo: Eu sou de Paulo! e outro: E eu de Apollo! — E eu de Cefas! — E eu de Cristo! São Paulo lhes escreveu: "Foi Paulo quem foi crucificado por vós?" (I Cor 1, 13)
Jesus quis para si no Getsêmani o amargo cálice de expiação de todos os pecados, todas as imundices reunidas, para nos dar o cálice de Seu Precioso Sangue, que é elevado todos os dias sobre o altar. Esses dois cálices representam toda a história do mundo e das almas, são como os dois pratos da balança do bem e do mal, e é o bem que pesa mais; o Precioso Sangue pode apagar todos os crimes se imploramos o perdão.
Com sua vitória sobre o pecado obtida na Cruz, Jesus é a fonte da vida e da santidade, fonte de toda consolação, salvação dos que n'Ele esperam, esperança dos moribundos, delícia dos santos, como diz a ladainha do Sagrado Coração. Ele nos deixou enfim a Eucaristia para ficar conosco até o fim do mundo e se dar como alimento a cada um de nós em particular.
Ele diz a Seus amigos privilegiados seguidores de Seu exemplo: "O que deixa a chaga de Meu coração aberta é Meu amor. Quero provar às almas que Meu coração não se fecha. Ao contrário, Meu maior desejo é que as almas entrem por essa chaga de Meu coração, abismo de caridade e misericórdia. É só nesse coração de um Deus que elas encontrarão o remédio para abrandar seus sofrimentos e fortificar sua fraqueza. Que elas Me estendam a mão. Eu mesmo as conduzirei até lá."
Continuamos sendo egoístas, porque nosso amor é fraco demais, pobre demais, estreito demais, e miseravelmente se volta para nós próprios. O coração de Cristo dilatará os nossos, ensinando-nos a amar sobre todas as coisas a glória de Deus e a salvação das almas.
Por que nos deixamos levar pelo ciúme, pela inveja? Porque nosso amor não se eleva suficientemente até o Bem Supremo que todos nós podemos possuir juntos sem nos atrapalharmos uns aos outros.
Em vez de nos deixar levar pelo ciúme, agradeçamos antes ao Senhor por ter dado ao nosso próximo qualidades que não temos e alegremo-nos como a mão aproveita do que os olhos vêem.
Por que somos fracos? Porque não amamos o suficiente, porque nosso coração é frio; porque contamos somente com nossas forças cuja enfermidade é manifesta, e porque não contamos suficientemente com o Coração de Jesus, com Seu amor por nós.
O Coração do Salvador pode e quer nos dar essas santas energias, as da confiança e do amor que inspira a adoração, a ação de graças e a reparação, colocando acima de tudo a glória de Deus.
Cor Jesu, de cuius plenitudine omnes nos accepimus, miserere nobis. Vamos ao Pai, por Ele, com Ele e n'Ele.
(PERMANÊNCIA nos. 214-215; trad. de "Le Sauveur et son Amour por nous", E. Cèdre, Paris, 1951, p. 222 ss.)