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Art. 8 — Se a ciência de Deus é causa das coisas.

(I Sent., dist. XXXVIII, art. 1; De Verit., q. 2, art. 14).
 
O oitavo discute-se assim. — Parece que a ciência de Deus não é a causa das coisas.
 
1. — Pois, Orígenes diz: Não é porque Deus sabe, que alguma coisa será, que ela há-de ser; mas, porque há-de ser, é que é conhecida por Deus antes que seja1.
 
2. Demais. — Posta a causa, é posto o efeito. Ora, a ciência de Deus é eterna. Se, pois, a ciência de Deus é a causa das coisas criadas, parece que as criaturas existem abeterno.
 
3. Demais. — O cognoscível é anterior à ciência; e é a medida dela, como diz Aristóteles2. Ora, o que é posterior e medido não pode ser causa. Logo, á ciência de Deus não é a causa das coisas.
 
Mas, em contrário, diz Agostinho: Todas as criaturas espirituais e corpóreas, não porque existem, Deus as conhece, mas, antes existem porque ele as conhece3.
 
SOLUÇÃO. — A ciência de Deus é a causa das coisas. Pois, a sua ciência está para todas as coisas criadas, assim como a ciência do artífice, para as coisas artificiadas. Ora, a ciência do artífice é a causa dos artificiados, porque o artífice obra pelo seu intelecto. Donde, é necessário que a forma do intelecto seja o princípio da operação, como o calor, da calefação. Mas, devemos considerar que a forma natural, enquanto imanente na coisa à qual dá o ser, não designa um princípio de ação, mas, o princípio pelo qual tem inclinação para o efeito. Semelhantemente, a forma inteligível não designa um princípio de ação enquanto existe somente no ser inteligente, se não se lhe acrescenta uma inclinação para o efeito, o que se realiza pela vontade. Como, porém, a forma inteligível se reporta a realidades contrárias, objetos de uma mesma ciência, ela não produziria um efeito determinado, se não fosse a tal efeito determinada pelo apetite, como diz Aristóteles4. Ora, é manifesto que Deus, pela sua inteligência, causa as coisas, pois, o seu ser é a sua ciência; donde, é necessário seja esta a causa das coisas, enquanto junta com a vontade. Por isso, a ciência de Deus, enquanto causa das coisas, costuma chamar-se ciência de aprovação.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO — Orígenes exprimiu-se atendendo à noção da ciência, com a qual não convém a noção da causalidade, senão com a vontade adjunta, como se disse5. Mas, quando diz que Deus tem presciência de alguns seres, porque hão-de existir, isso se deve entender relativamente à causa de conseqüência e não, de ser. Donde se segue, que se alguns seres hão-de existir, Deus tem deles presciência; contudo, não são os seres futuros a causa de Deus conhecê-los.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — A ciência de Deus é a causa das coisas, enquanto elas são objeto da sua ciência. Ora, não está na ciência de Deus que as coisas existissem abeterno. Donde, embora a ciência de Deus seja eterna, não se segue que abeterno sejam as criaturas.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Os seres naturais são meio termo entre a ciência de Deus e a nossa. Pois, nós derivamos o nosso conhecimento das coisas naturais, das quais Deus é a causa, pela sua ciência. Por onde, assim como os cognoscíveis naturais são anteriores à nossa ciência e são dela a medida, assim, a ciência de Deus é-lhes anterior e é deles a medida. Do mesmo modo, uma casa é meio termo entre a ciência do artífice, que a fez, e a de quem a conhece já feita.
  1. 1. Super Epist. Ad Rom., 8, 30.
  2. 2. Metaph., lib. VIII, lect. II.
  3. 3. De Trinitate, lib. XV, cap. XIII.
  4. 4. Metaph., lib. IX, lect. IV.
  5. 5. In corpore.
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