Domingo da Sexagésima
«Eis que um semeador saiu a semear» (Mt 13, 3)
I. O zelo do semeador. Foi Cristo quem saiu para semear, e de três modos saiu:
- do seio do Pai, sem sair do lugar;
- da Judéia, às nações pagãs;
- das profundezas da sabedoria, para ensinar em público.
Nosso Senhor semeia. A semente é o princípio do fruto. Donde toda boa ação provém de Deus. O que semeia? A sua semente. Esta semente é a palavra de Deus. E que ela faz? Torna semelhantes Àquele de quem procedeu, faz filhos de Deus.
II. Obstáculos à semente. São três os impedimentos, pois são três as condições necessárias para que a semente frutifique: que se conserve a palavra de Deus na memória, que crie raízes pelo amor, que por ela se tenha solicitude. Ora, a tais condições se opõe três obstáculos: à memória, a sedução das vaidades; ao amor ou à caridade, a dureza do coração; à solicitude, o germinar dos vícios.
1. A leviandade. "Uma parte caiu ao longo do caminho". O caminho está aberto a todo viajante, significa o coração que se expõe a todo pensamento. Quando a palavra de Deus cai num coração vão e instável, cai junto ao caminho e se submete a um duplo perigo. Mateus menciona apenas um: "vieram as aves do céu e comeram-na". Lucas menciona dois: é pisoteada, além de comida pelas aves. Portanto, quando os homens vãos escutam a palavra de Deus, ela é pisoteada pelos pensamentos vãos ou pela má companhia. Assim, muito se alegra o diabo, quando consegue roubar ou pisotear esta semente.
2. A dureza do coração, que se opõe à caridade, pois é próprio do amor amolecer. Duro é o coração crispado em si mesmo, fechado em seus próprio limites; o amor, ao contrário, transporta o amante ao amado; dilata, difunde. Diz a parábola: "Outra parte, porém, caiu em lugar pedregoso". Deus, pela boca de Ezequiel, dizia aos judeus: "Dar-vos-ei um coração novo e porei um novo espírito no meio de vós; tirarei da vossa carne o coração de pedra e dar-vos-ei um coração de carne" (Ez 36, 26). Alguns possuem o coração tão desprovido de amor que se tornaram descarnados. Outros, ao contrário, possuem uma boa sensibilidade, mas pobre e sem profundidade. É profunda quando o coração é profundo. Tem amor profundo aquele que ama todas as coisas por Deus e nada antepõe ao amor de Deus. Também há os que se deleitam em Deus, porém se deleitam mais em outras coisas. Estes não estão abrandados e estes tais não possuem muita terra.
Prossegue a parábola: "e logo nasceu, porque não tinha profundidade de terra". Os que meditam com profundidade, meditam mais demoradamente. Porém, os que não meditam com profundidade, rapidamente passam à ação, e logo se esvaem. Assim, escutam a palavra de Deus com prontidão, mas a semente não deita raízes neles, porque não possuem terra profunda em amor e caridade.
3. A destruição do fruto. O que ama mais intensamente as riquezas, quando chega o tempo da tribulação, toma o que mais ama. Por isso, "saindo o sol, queimou-se", por falta de vigor. E "porque não tinha raiz, secou". "Outra parte caiu entre os espinhos", i. é, as inquietações, rixas etc, e os espinhos, crescendo, a sufocaram.
In Matth., XIII
(P. D. Mézard, O. P., Meditationes ex Operibus S. Thomae. Trad.: Permanência)