Sábado após o domingo da Septuagésima
«E não vos conformeis com este século, mas reformai-vos com o renovamento do vosso espírito, para que reconheçais qual é a vontade de Deus,
boa, agradável e perfeita» (Rm 12, 2)
I. — Com estas palavras, São Paulo proíbe a complacência com o mundo: E não vos conformeis com este século, i. é, com as que coisas que se passam temporalmente. Pois este século é como que a medida das coisas que perecem. O homem se conforma às coisas do século pelo afeto, apegando-se a elas. Também se conforma com este século quem imita os que vivem mundanamente, como diz o Apóstolo: "Isto, pois, digo e vos rogo no Senhor: que não andeis mais como os gentios, que andam na vaidade dos seus pensamento" (Ef 4, 17)
II. — São Paulo também recomenda aqui a reforma interior, quando diz: reformai-vos com o renovamento do vosso espírito. Espírito aqui designa a razão, pela qual o homem julga sobre o que deve fazer. Na criação, o homem recebeu este sentido íntegro e vigoroso: "Criou neles a ciência do espírito, e encheu de sabedoria o seu coração, e mostrou-lhes os males e os bens" (Ecle 17, 6). Mas, por causa do pecado, este sentido foi corrompido e como que envelhecido. E perdeu sua beleza e brilho.
O Apóstolo nos exorta, portanto, a reformá-lo, i. é., a restaurar a beleza e o brilho que nosso espírito possuiu, o que só se pode fazer pela graça do Espírito Santo, em busca da qual o homem deve empenhar todo seu zelo, de modo tal que a recebam os que ainda não a receberam, e que nela progridam os que já a receberam: "Renovai-vos, pois, no espírito do vosso entendimento" (Ef 4, 23). Ou seja: "Renovai-vos" na conduta exterior, no espírito do vosso entendimento, i. é, segundo a novidade da graça que a alma recebeu.
III. — A razão de nos aconselhar a reforma interior é dada por estas palavras: "para que reconheçais qual é a vontade de Deus, boa, agradável e perfeita". Ora, assim como o homem que possui alguma corrupção no paladar não julga corretamente sobre os sabores: às vezes repudia o agradável e se inclina ao abominável; assim também, o homem que possui o afeto corrompido por sua complacência com as coisas mundanas, não possui juízo correto acerca do bem; mas o que possui o afeto reto e sano, por ter renovado o sentido por meio da graça, possui reto juízo sobre o bem. Por isso se diz: E não vos conformeis com este século, mas reformai-vos com o renovamento do vosso espírito, para que reconheçais, i. é, para conhecer por experiência. "Provai e vede como o Senhor é bom" (Sl 33, 9).
Qual é a vontade de Deus, i. é, com a qual nos quer salvos. "Porquanto esta é a vontade de Deus, a vossa santificação" (1 Ts 4, 3):
- A vontade de Deus é boa, i. é, quer que nós queiramos o bem honesto e a isso nos induz com seus preceitos: "Já te foi mostrado, ó homem, o que é bom, o que o Senhor requer de ti" (Mq 6, 8).
- A vontade de Deus é agradável, porquanto ao que está bem disposto, é agradável querer o que Deus quer.
- A vontade de Deus é perfeita e não apenas útil para conseguir o fim, pois nos une ao fim.
Assim, pois, experimentam a vontade de Deus os que não se comprazem com este século, mas, ao contrário, se reformam no renovamento de seu espírito. Contudo, os que permanecem na velhice, conformados com as coisas do século, julgam que a vontade de Deus não é boa, mas pesada e inútil.
In Rom., 12
(P. D. Mézard, O. P., Meditationes ex Operibus S. Thomae. Trad.: Permanência)