Parte destas linhas já foram publicadas; posso mesmo dizer que elas giram em torno de uma idéia insistentemente transmitida há 30 anos de pregação, ensino e polêmica. Giram em torno do PRECEITO de ouro que Jesus nos deixou nestas palavras: Vem e Segue-me.
Desde o chamado dos discípulos nas páginas do Evangelho, Jesus marca com estas palavras o tesouro de amor que nos traz.
Nesses textos, em que Jesus arrola seus discípulos, o termo segue-me complementa o termo vem, e explica as renúncias: “larga tudo, vem, segue-me”. Em Mateus, tanto para os primeiros apóstolos chamados, a quem Jesus prometeu fazer pescadores de homens, como no versículo 25 do mesmo capítulo IV, os seguidores de Jesus percorriam um curso, uma caminhada ou uma preparação em vista de um fim próximo.
No Evangelho de S. Mateus os textos são mais concisos e o termo seguir se apresenta desligado de qualquer idéia de curso ou percurso. No Evangelho de S. João VIII, 12, Jesus diz que é a luz do mundo, e quem O seguir não caminhará nas trevas: o termo seguir tem aí um sentido de fidelidade a um ensino e a uma doutrina sem a qual os homens se perderão nas trevas. No capítulo XV a união fiel a Cristo se afasta do termo que sugere marcha, e adota um vigoroso termo que dá idéia de imobilidade. Nesta passagem Jesus se diz a vinha do Pai e nós seremos seus ramos, que devem produzir seus frutos, senão o vinhateiro os podará. E Jesus insiste na imagem de tal união — “Permanecei em mim e eu permanecerei em vós”. A idéia insistente é a de glorificar o Pai por essa identidade vital com o Filho. “Assim como o Pai me amou vos amarei Eu: permanecei no meu amor”. O mandamento novo do amor do próximo nos ensina que só é novo e só é amor pela união no tronco da videira. Por essa união com Ele estaremos unidos ao Pai. E aqui neste veemente amor do próximo, Nosso Senhor nos ensina insistentemente que não podemos tecer com vínculos naturais, de um para outro esse belo amor que nos leva ao Pai. É nele, na selva da videira, que todos nos encontramos como irmãos e nos devemos amar. E também é n’Ele e por causa d’Ele que o “mundo” nos odiará, porque a Ele odiou primeiro.
Nessas densas páginas do Evangelho de S. João está contida uma idéia de capital importância para a nossa salvação: Jesus Cristo é a causa exemplar, o modelo que devemos seguir e aqui a palavra seguir tem sua mais vigorosa significação, em todas as páginas do Evangelho, e o Modelo se apresenta em toda a majestosa imobilidade e elevação: na Cruz.
O apóstolo Paulo, para bem exprimir o júbilo de sua maravilhosa transformação, diz aos gálatas: “Vivo eu? Não, vive o Cristo em mim”.
Em todos os demais pontos dos Evangelhos onde o termo aparece, o sentido principal será sempre este da imitação do Cristo. Em Mateus XVI, 24, lemos: “Se queres seguir-me, renuncia-te a ti mesmo, toma a tua cruz e segue-me”.
Este é o caminho da perfeição, onde a renúncia de si mesmo é a conditio sine qua non, o meio, mas a perfeição consiste formalmente na união com o modelo divinamente imutável.
Foi-nos dado o preceito da busca da perfeição: “Sede perfeitos como vosso Pai celestial é perfeito.” Mateus V, 48, e para nos encorajar nos primeiros passos dessa aventura excessiva Deus nos enviou um modelo pequenino, nascido da humildade de Maria Virgem, e proposto sempre como um jugo suave, manso e humilde de coração.
Em Mateus (XIX, 22) o moço rico que já cumpre os mandamentos, procura Jesus para pedir-lhe uma orientação. E Jesus dá a resposta conhecida: “se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens, dá tudo aos pobres, e depois vem e segue-me”.
O leitor superficial pensará que a perfeição consiste no desprendimento das riquezas e na esmola dada aos pobres, mas Santo Tomás nos ensina (II a.e.q. 184) que estas coisas chamadas “conselhos evangélicos” são os meios, nem sempre preceptivos, e que todo o Preceito está condensado na parte final “segue-me”, isto é, toma-me como modelo.
O segredo simples de nossa vida, se queremos dar a Deus o doce nome de Pai e um dia voltarmos à sua casa, consiste em seguir o Filho; ou melhor, consiste, mais precisamente, em deixarmos que o Espírito Santo, que procede do Pai et filioque procedit trabalhe em nós, com gemidos inefáveis, para nos modelar, segundo o Filho que nos levará à casa do Pai.
É curioso notar que entre tantos textos mais claros e incisivos onde o chamado de Jesus, vem e segue-me, não pode se prestar a equívocos, Santo Tomás tenha escolhido o texto de Mateus XIX, 22, do moço rico que busca a perfeição o qual, como dissemos acima, certo realce dado aos conselhos, induzirá as almas superficiais a equívocos mais ou menos graves. Dir-se-ia que escolheu-o exatamente por isto, para mais energicamente formular a doutrina católica muito claramente desenvolvida por Garrigou-Lagrange, em Perfection Chrétiene et Contemplation. Nesta grande obra de Teologia Ascética e Mística, inspirada em Santo Tomás e São João da Cruz, ensina Garrigou-Lagrange, que seguimos há trinta anos, que naquele ensinamento de Jesus, a PERFEIÇÃO consiste no PRECEITO “vem e segue-me” e não nos conselhos “vai, vende, dá, etc.” Além disso Santo Tomás mostra que está no preceito, no seu adorável chamamento e na obediência da alma o verdadeiro amor de caridade que extraviado da sã doutrina, sente certo gosto de miséria no preceito e na idéia de obedecer, preferindo “o puro amor de Deus” com o que não sabe que está repetindo uma das mais graves heresias da Idade Média, e que, em vez de Jesus, tomar por guia o seu lírico amor próprio que inventa fórmulas tão afastadas de Jesus, que foi “obediente até a morte e morte de cruz”.
Quanto a nós, não queremos outra doutrina senão esta que faz do amor de caridade um esplendor de obediência. Seja nossa vida um caminhar orientado pelo chamado que nos acompanha e que nas horas mais difíceis nos incita: “vem, segue-me”. E nos lembra que o Pai nos receberá com alegria e, correndo ao nosso encontro, nos cobrirá de beijos.
01 de novembro de 1975