A gravidade dos acontecimentos atuais, em particular os que acabam de ocorrer na Espanha, mostram que as almas fiéis devem, cada vez mais, recorrer a Deus pelos grandes mediadores que Ele nos deu por causa de nossa fraqueza.
Estes acontecimentos e sua atrocidade mostram de modo singularmente marcante o que acontece com os homens quando querem absolutamente viver sem Deus, quando querem organizar suas vidas sem Ele, longe Dele, contra Ele. Quando, ao invés de crer em Deus, de esperar em Deus, de amá-lo acima de tudo e de amar ao próximo Nele, queremos crer na humanidade, esperar nela, amá-la de modo exclusivamente terrestre, a humanidade não tarda a se apresentar a nós com suas falhas profundas, com suas feridas abertas: o orgulho da vida, a concupiscência da carne e dos olhos, e todas as brutalidades que a elas se seguem. Quando, ao invés de colocar seu fim último em Deus, que pode ser simultaneamente possuído por todos, como nós todos podemos possuir, sem nos prejudicar, a mesma verdade e a mesma virtude, coloca-se o fim último nos bens terrestres, não se tarda a perceber que estes bens nos dividem profundamente, pois a mesma casa e a mesma terra não podem pertencer simultaneamente e integralmente a vários. Quanto mais a vida se torna material, mais os apetites inferiores se inflamam sem qualquer subordinação a um amor superior, mais os conflitos entre os indivíduos, classes e povos se exasperam; finalmente, a terra se tornará um verdadeiro inferno.
O Senhor mostra assim aos homens o que eles podem sem Ele. Tudo isso constitui um singular comentário das palavras do Salvador: “Sem mim, nada podeis fazer” (Jo 15, 5); “Quem não é comigo, é contra mim; e quem não junta comigo, desperdiça” (Mt 12, 30); “Buscai pois, em primeiro lugar, o reino de Deus e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão dadas por acréscimo” (Mt 6, 33); “Se o Senhor não edificar a casa, é em vão que trabalham os que a edificam. Se o Senhor não guardar a cidade, inutilmente vigia a sentinela.” (Mt 126, 1)
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O perigo mais grave da hora atual é o comunismo internacional, de origem materialista, que nega a existência de Deus e a vida futura, que destrói a dignidade da pessoa humana, da família e da pátria. Os últimos acontecimentos de Espanha mostram como ele procura conquistar a Europa, e como ele quer preparar uma revolução mundial que será, como julgam, o fim do cristianismo e de toda religião, conforme o programa da liga dos “sem Deus”.
A fim de remediar tão grande mal, os melhores, os mais zelosos entre os católicos, nos povos divididos por tantos conflitos, sentem a necessidade de uma oração comum que reúna perante Deus as almas profundamente cristãs das diversas nações, para obter que o reino de Deus e de Cristo se estabeleça progressivamente no lugar do reino do orgulho e da concupiscência.
Nesta intenção, todos os dias se oferecem missas e a adoração do Santo Sacramento se difundiu em diversos países de modo tão largo e veloz que devemos ver nisso o fruto de uma grande graça de Deus
Não se obterá a pacificação exterior do mundo senão pela pacificação interior das almas, reconduzindo-as a Deus, trabalhando para estabelecer nelas o reino de Cristo no mais íntimo de suas inteligências, de seus corações, de sua vontade ativa.
Para que as almas desviadas retornem Àquele que, único, pode salvá-las, importa recorrer à intercessão de Maria, medianeira universal e mãe de todos os homens. Dos pecadores que parecem ter se perdido para sempre, diz-se que é necessário confiá-los à Maria. Assim também com os povos cristãos que se desviam.
Toda a influência da bem-aventurada Virgem tem por fim conduzir as almas a seu Filho, como toda influência do Cristo, mediador universal, tem por fim conduzi-las a seu Pai.
A oração de Maria é universal no mais alto sentido da palavra. Como mostram suas ladainhas, recitadas por toda Igreja, no céu ela pede por nós, pelos pecadores dos quais ela é o refúgio, pelos aflitos dos quais é consolação, pelos fracos dos quais é socorro, pelas virgens que preserva, pelos apóstolos que ilumina, pelos mártires que sustenta. Ela intercede não apenas pelas almas individuais da terra e do purgatório, mas também pelas famílias e por todos os povos que devem viver sob a luz do Evangelho, sob a influência da Igreja.
Quando ainda estava na terra, a beatíssima Virgem Maria, aos pés da Cruz, oferecendo seu Filho por nossa salvação e unindo-se de modo muito íntimo ao seu sacrifício, nos mereceu, no sentido largo da palavra, tudo o que o próprio Cristo nos mereceu em sentido estrito. Após a morte e a ressurreição do Salvador, ela intercedia para que, pelos apóstolos, o reino de Deus e de Cristo Jesus chegasse até as extremidades do mundo. Ela sustentava sobrenaturalmente os apóstolos em seus trabalhos e em suas lutas e lhes obtinha graças elevadíssimas de luz, de amor e força. Seu zelo puríssimo sustentava o deles.
Desde que Maria foi assunta ao céu, sua intercessão não é senão mais poderosa, posto que mais iluminada, e procede de um amor de Deus e das almas que nada pode atenuar ou interromper, ainda que por um único instante.
O amor misericordioso de Maria por todos os homens ultrapassa o de todos os santos reunidos, assim como o poder de sua intercessão sobre o Coração de seu Filho.
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É por isto que, de diversas partes, muitas almas espirituais, considerando os grandes perigos da hora presente, sentem a necessidade de recorrer, pela intercessão de Maria medianeira, ao Amor redentor de Cristo.
Em diversas partes, particularmente nos conventos de fervorosa vida contemplativa, conserva-se a memória de que muitos bispos franceses reunidos em Lourdes, no segundo Congresso mariano nacional, em 27 de julho de 1929, expressaram ao Soberano Pontífice o desejo de uma consagração do gênero humano ao Coração imaculado de Maria. E também que o Pe. Deschamps, S. J., em 1900, o cardeal Ricard, arcebispo de Paris, em 1906, o Pe. Le Doré, superior geral dos Eudistas, em 1908 e 1912, o Pe. Lintelo, S. J., em 1914, iniciaram petições ao Soberano Pontífice para obter a consagração universal do gênero humano ao Coração imaculado e misericordioso de Maria.
Por um ato coletivo, os bispos de França, no início da guerra, dezembro de 1914, consagraram a França à Maria. O cardeal Mercier, em 1915, na sua carta pastoral sobre Maria medianeira, saúda Maria, Mãe do gênero humano, como soberana do mundo. O Rvdo. P. Lucas, novo superior geral dos Eudistas e a Legião do Coração imaculado de Maria, aprovada por numerosos bispos, conseguiram em poucos meses mais de 300.000 assinaturas para apressar, por esta consagração, a paz de Cristo no reino de Cristo.
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A força da qual temos necessidade, na confusão em que se encontra o mundo na hora atual, a intercessão de Maria, Mãe do gênero humano, nos conseguirá do Salvador.
Sua intercessão é poderosíssima contra o espírito de divisão que lança indivíduos, classes e povos uns contra os outros.
A Virgem dulcíssima é terrível contra o demônio e, no dizer do bem-aventurado Grignion de Montfort, aquele que é o orgulho personificado mais sofre por ser vencido pela humildade de Maria, do que por ser imediatamente esmagado pela Onipotência divina.
Se um pacto formal e plenamente consentido com o demônio pode trazer enormes conseqüências na vida de uma alma e mesmo perdê-la para sempre, que efeito espiritual não produzirá uma consagração a Maria, feita com verdadeiro espírito de fé e renovada a cada dia com sempre crescente fidelidade?
É preciso lembrar que, em dezembro de 1836, o venerável cura da igreja de Nossa Senhora das Vitórias, em Paris, ao celebrar a missa no altar da santíssima virgem, o coração moído por pensamentos sobre a inutilidade de seu ministério, escutou estas palavra: “Consagra tua paróquia ao santíssimo e imaculado Coração de Maria”. Feita a consagração, a paróquia transformou-se.
No mesmo espírito, bispos italianos pediram a Leão XIII a autorização de consagrar suas dioceses ao Coração puríssimo de Maria e, na França, o cardeal Couillé, Mons. Touchet e Mons. Dadolle proclamaram Maria Rainha do universo. As ladainhas do Loreto, que há muito a invocam como Rainha dos anjos e de todos os santos, contém hoje, desde a última guerra, a invocação: Regina pacis, ora pro nobis.
A súplica de Maria por nós é a de uma Mãe sapientíssima, amorosíssima, fortíssima, que vela incessantemente sobre todos seus filhos, sobre todos os homens chamados a receber os frutos da Redenção.
Quem faz a experiência de consagrar todos os dias a Maria todos seus trabalhos, obras espirituais e empresas, encontra fé e confiança quando tudo parece perdido.
É o que o bem-aventurado Grignion de Montfort mostra admiravelmente no seu Tratado da verdadeira devoção à Santa Virgem, e no resumo que dele sob o título: O Segredo de Maria.
Ora, se a consagração individual de uma alma a Maria lhe obtém diariamente tantas graças de luz, direção, amor e força; se Maria nos faz assim entrar cada dia mais profundamente no mistério da Comunhão dos santos, quais não seriam os frutos de uma consagração do gênero humano feito ao Salvador pela própria Maria, à rogos do Pai comum dos fiéis, o Pastor supremo? Qual não seria o efeito de uma consagração assim feita, sobretudo se os fiéis de diferentes povos se unissem e vivessem dela, numa prece fervorosa, renovada freqüentemente durante a missa?
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Como escrevia a madre Maria de Jesus, fundadora da Sociedades das Filhas do Coração de Jesus: “Posto que o inferno quer banir Jesus Cristo e sua Igreja das almas e das sociedades, é mais que nunca hora de elevar as mãos suplicantes à incomparável Virgem, por quem o Pai Celeste deu Jesus Cristo ao mundo; a fim de que esta doce Mãe do Salvador, devolvendo, por assim dizer, Jesus às almas, lhes devolva a vida perdida; que esta poderosa Protetora da Igreja, “terrível como um exército em ordem de batalha” (Ct 6, 3), triunfe sobre seus inimigos e que esta gloriosa Rainha da hierarquia faça cair sobre todos os membros do Clero católico bênçãos tais do Coração de Jesus que lhes conservem sua coragem e lhes aperfeiçoem no meio das tormentas de nossa triste época, e lhes façam brilhar como diamantes sem mancha sobre a admirável túnica da Igreja.”
A mesma serva de Deus acrescenta um pouco mais adiante estas palavras que tanto convém ao nosso tempo:
“Não vivemos por nós, é preciso tudo enxergar nos desígnios de Deus; nossas dores atuais – ainda que cheguem ao cúmulo e que nos sacrifique nesse desastre – conquistam e preparam os triunfos futuros e certos da Igreja... A Igreja segue assim de luta em luta, de vitória em vitória, uma sucedendo a outra até a Eternidade, que será o triunfo definitivo.
“Foi preciso que Jesus sofresse e que assim entrasse na “sua glória” (Lc 24, 26); é preciso que a Igreja e as almas perfaçam o mesmo caminho. A Igreja não dura apenas um dia; quando os mártires caiam como flocos de neve no inverno, não se podia pensar que tudo estava perdido? Não, o sangue deles preparava a vitória que estava por vir.
“Como uma Esposa que se prepara para seu Esposo, a Igreja marcha através dos séculos rumo à perfeição do céu; ela se embeleza mais e mais; ela está pronta, mas continuará se embelezando até o dia das núpcias eternas.
“Não temais, pois, pelos perigos da Igreja: não é a Igreja que está em perigo; ela tem a palavra de Jesus Cristo e nada a abalará... As portas do inferno não prevalecerão contra ela.”
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No difícil período que atravessamos, a Igreja tem necessidade de almas muito generosas, verdadeiramente santas. É Maria, Mãe da divina graça, Mãe puríssima, Virgem prudentíssima e forte, que as formará. Por toda parte, o Senhor sugere a almas interiores uma oração cuja forma varia, mas cuja substância é a mesma: “Neste tempo em que um espírito de orgulho inflado até o ateísmo procura se espalhar por todos os povos, Senhor, sede como a alma de minha alma, dai-me uma inteligência mais profunda do mistério da Redenção e de vossos santos aniquilamentos, remédio contra todo orgulho. Dai-me o desejo sincero de participar, na medida desejada para mim pela Providência, nesses salutares aniquilamentos, e fazei-me encontrar neste desejo a força, a paz e, por vezes, a alegria que é como o prelúdio ou o gosto das alegrias da eternidade.”
Para ingressar assim na profundidade do mistério da Redenção, é preciso que Maria, que nele ingressou mais que qualquer outra criatura, nos instrua silenciosamente aos pés da cruz e nos faça descobrir na letra do Evangelho o espírito do qual ela mesmo tão profundamente viveu.
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Que a Mãe do Salvador digne-se, por sua oração, colocar as almas fiéis de diferentes povos sob a luz desta palavra do Cristo: “Eu dei-lhes a glória que tu me deste, para que sejam um, como também nós somos um” (Jo 17, 22).
“É da ordem das coisas, escrevia o cardeal Mercier, que as crianças exprimam a seu Pai seus mais íntimos desejos.” Podemos esperar que um dia, quando a hora providencial chegar, S. S. Pio XI, chamado o Papa das Missões, tomando em consideração os votos de bispos e fiéis, consagrará o gênero humano ao Coração imaculado e misericordioso de Maria, para que ela mesma, mais instantemente, peça por nos a seu Filho. Isto seria uma nova afirmação da mediação universal da Santíssima Virgem.
A intercessão mais poderosa ao Coração de Jesus é a da santa Mãe, que é também a Mãe de todos os homens, e que mais que ninguém depois de seu Filho conhece as imensas necessidades espirituais da hora presente.
Dirijamo-nos a ela com a maior confiança; ela foi chamada “a esperança dos desesperados”, e dirigindo-se a ela como à melhor das Mães e à mais iluminada, iremos à Jesus como ao nosso único e misericordioso Salvador.
Roma, Angélico.