No primeiro sábado do mês, para cumprir minha devoção por Nossa Senhora de Fátima, procurei um confessor numa igreja que deixara de freqüentar, há alguns anos, por motivos que dispensam fastidiosas explicações. Diziam os persistentes freqüentadores que tudo por lá melhorara, com a saída de 3 ou 4 jovens loucos. Quem sabe? Lembrei-me do velho Pe. X, homem simples e bom, cabeça branca, manso e ingênuo. Um dia, nos tenebrosos tempos em que o ISPAC energicamente se empenhava em perverter padres moços e freiras simplórias, subia eu a Rua Cosme Velho quando avistei o Pe. X, que vinha ao meu encontro feliz e aureolado de novas idéias. Saía do ISPAC e logo que me viu apressou o passo e generosamente veio ensinar-me o que acabara de aprender:
— Muito bem! Muito bem! Continua! Coragem.
Quando fiz breve alusão à pressão que sofrera o Governo da Espanha, não só dos países, mas do próprio Vaticano. O Pe. X ficou mais rosado e com voz severa começou a falar para interlocutores invisíveis:
— Palhaçada! Palhaçada! Olhe, quer saber o que penso? Só isto: dois e dois são quatro. E a verdade de Deus não se reforma. E agora, voltado para mim, firme e didático, abria os dedos das duas mãos em VV, como Churchill fazia para anunciar a chamada vitória democrática que entregaria o mundo à URSS, mas para repetir: — Dois e dois são quatro.
Disse-lhe que desejava confessar-me e ele logo me indicou um canto de sala onde eu me ajoelhei ao lado de sua cadeira: — ouviu-me. Prometi a Deus o miserável firme propósito de minha fragilidade que só na força d’Ele poderia cumprir tão audaciosa promessa. Deus meu! Deus meu! E logo depois das palavras que desciam para mim do alto do Calvário, o Pe. X volveu ao seu solilóquio: — Maus tempos. Maus tempos. — Só temos agora diante de nós o Martírio. Estamos no Apocalipse. Continue a luta até o fim e Deus dará o necessário.
Na porta que dá para o jardim, despediu-se de mim, risonho e como se entre nós dois houvesse um segredo delicioso e divertido; tornou a abrir os dedos e repetiu: — Dois e dois são quatro.
Na volta para casa sentia arder-me o coração, e em mais de uma esquina como nos caminhos de Emaús pareceu-me que Alguém me repetia, com infinita doçura e infinita firmeza, aquela tabuada divina: — Dois e dois são quatro.
Em casa, na escuridão e no silêncio de meu escritório, estive a considerar, ora uma ora outra das duas alternativas: o martírio, ou quem sabe? A tênue esperança humana de uma volta ao ponto em que todos se desviaram da “diritta via” e tomaram o caminho do Inferno.
Não é possível. Em todos os itinerários humanos o que mais prevalece é sempre a volta. Mesmo sem pecado, a simples necessidade do trabalho de cada dia nos obriga a sair de casa, a perder nossa integridade e nosso nome para espalhar pela cidade nossa alma estilhaçada. Depois dessa dispersão, desse pluralismo de títulos e nomes minúsculos o homem empreende a parte mais alta e mais nobre de sua jornada: a volta para casa. O desvairado mundo moderno pensa que o homem é mais homem, mais elevado, quando sai de casa e se empenha na luta que contribui para o Produto Nacional Bruto e para o progresso nacional. A casa deixou de ser o Porto Seguro, o Paraíso Perdido, o Jardim Fechado, o lugar maravilhoso, onde, aberta uma porta-sagrada, o homem recupera o nome de seu batismo, chama por seus nomes os animais domésticos e ouve o passo da companheira nascida de seu sonho de amor.
Mas tudo isto e mais alguma coisa que possa dizer da casa dos homens é pó ou nada quando pensamos numa volta à Casa do Pai que corre ao nosso encontro e nos cobre de beijos. Pater! Pater! Pater! Não é impossível pensar num volta maior e mais animosa do que todas as cruzadas: vejo milhões de Padres X, milhões de bispos e até dezenas de cardeais — todos a seguirem um Papa mais branco e mais firme que o Pe. X a dirigir a Cruzada da Volta, parando de vez em quando nas curvas do caminho para abrir os braços e os dedos, clamando: — Dois e dois são quatro! Amigo! Friend! Cantemos um cântico novo, às avessas da marcha progressista da Nona Sinfonia; cantemos a alegria da volta à verdade e à bondade de Deus.