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Category: MoralConteúdo sindicalizado

Pecados de ignorância, fraqueza e malícia

Garrigou Lagrange, O.P.

Espalha-se, em alguns lugares, a opinião de que apenas o pecado de malícia é mortal, e que os pecados de ignorância e fraqueza jamais o são. É importante recordar, acerca deste ponto, o ensinamento da teologia, tal como se encontra formulado por Santo Tomás de Aquino na sua Suma Teológica (Ia-IIae, q. 76, 77, 78).

O pecado de ignorância é o que provém de ignorância voluntária e culpável, chamada ignorância vencível. O pecado de fraqueza é o que provém de forte paixão, que diminui a liberdade e obriga a vontade a dar seu consentimento. Quanto ao pecado de malícia, é o que se comete com plena liberdade “quasi de industria”, com aplicação e frequentemente com premeditação, sem paixão, nem ignorância. Recordemos o que Santo Tomás nos ensina sobre cada um deles. (Continue a ler)

Sobre a disciplina cristã

Capítulo Primeiro: Objeto do discurso.

1. Através da boca da Escritura, vem o Senhor fazer escutar sua voz, dirigindo a nós esta urgente exortação: “Recebei a disciplina na morada do ensino”. Quem aprende é o discípulo; a morada do ensino, a Igreja de Jesus Cristo. Que se aprende aqui e por quê? Quem aprende e quem o ensina? Aprende-se a boa vida, e se aprende a boa vida para merecer a felicidade de viver para sempre. Os discípulos são os cristãos; o mestre, Jesus Cristo. Que é a boa vida? Qual a recompensa da vida santa? Quais os verdadeiros cristãos? Enfim, quem o mestre verdadeiro? São estas as questões sobre as quais desejamos vos dizer algumas palavras, se Deus nos der a graça.

Todos habitamos na morada da disciplina, mas muitos não a desejam; e para cúmulo da perversidade, recusam a disciplina habitando na morada da disciplina. Não deveria lhes ser ensinada a disciplina, para assim poder levá-la até suas próprias moradas? Mas não, como se lhes não bastasse a indisciplina nas suas moradas, pretendem conservá-la até na morada da disciplina. Ah!, quem não rejeita a palavra de Deus, mas empresta a atenção dos ouvidos e da alma; quem não se assemelha à via pública sobre a qual os passarinhos devoram a semente tão logo esta se espalhe; quem não se assemelha ao terreno pedregoso no qual a semente não logra penetrar raízes profundas, onde cresce um momento e logo resseca; quem não se assemelha ao campo coberto de espinhos, cuja espessura logo abafa os brotos das sementes; enfim, quem se encontra figurado na terra fértil, amanhada para receber a semente que dá a cem, a sessenta ou a trinta por um, receberão transportados os ensinamentos que o Senhor se agradar de me inspirar; ademais, os que atualmente possuem razões legítimas para se aproximar desta cátedra de ensino, não esqueçam que não é à toa que empresto do Evangelho estas comoventes parábolas. Se Jesus Cristo é o divino semeador, quem sou eu? Mal e mal, sou o cesto que carrega o grão. Ele deseja depositar em mim a semente que vai chantar em vossas almas. Não repareis na baixeza do cesto, mas sede sensíveis ao preço da semente e ao poder do semeador.

 

Capítulo Segundo: Que é a boa vida?

2. Que é a arte da boa vida, que aprendemos aqui? A lei encerra multidão de preceitos, que são como as regras, as linhas e o alfabeto da vida boa. Sim, os preceitos são numerosos e por assim dizer inumeráveis. Mal podemos enumerar as páginas que encerram os preceitos; quanto mais não seria enumerar os mesmos preceitos. Todavia, para não deixar a ninguém o recurso da desculpa, seja porque não os leu, seja porque não os saiba ler, seja porque não os poderia compreender, o Senhor, para impossibilitar a desculpa no dia do julgamento, quis resumir a lei numa só palavra, segundo a predição do profeta: “Deus lançará por sobre a terra uma palavra, que condensará e resumirá todas as outras”. É breve a palavra, mas não acrediteis que seja obscura. Ela é breve, para que seja sempre possível lê-la; é clara, para que ninguém tenha o direito de afirmar: não a compreendi. Constituem as Santas Escrituras um como imenso tesouro, que encerra inúmeros preceitos admiráveis, e são umas tantas pérolas preciosas e vasos de grande preço. Mas quem pode investigar o imenso tesouro, dele se servir e lhe descobrir todas as riquezas? No Evangelho, emprega o Salvador esta comparação: “O reino dos céus é semelhante ao tesouro encontrado no campo”; após, como se temesse que alguém replicasse a incapacidade de cavoucar para descobrir o tesouro, imediatamente se valeu desta outra comparação: “O reino dos céus é semelhante ao negociante que busca boas pérolas, encontra uma preciosa e, para adquiri-la, vende tudo o que possui”. Talvez vos sintais demasiado preguiçosos para cavoucar o tesouro, mas não o sejais a ponto de não levar uma pérola cosida ao bolso da calça e assim assegurar-vos o direito de andar em segurança.

 

Capítulo Terceiro: Mandamento de amar a Deus e ao próximo.

3. Que palavra é essa que resume todas as outras? “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de todo teu espírito, e a teu próximo como a ti mesmo. Nestes dois preceitos estão contidos toda a lei e os profetas”. Eis o que se aprende na morada da disciplina: amar a Deus, amar ao próximo; a Deus por si mesmo, e ao próximo como a si mesmo. Encontrareis alguém que se possa igualar a Deus, ao ponto de afirmar: amai a Deus como amais aquela criatura? Foi possível encontrar uma medida para o próximo, porque sois iguais ao próximo. Buscais o modo de amar ao próximo? Lançai o olhar sobre vós mesmos, e amai o próximo com o mesmo amor com que amais a vós. Aqui não é possível o erro. Quero confiar-vos o próximo, para que o ameis como a vós; desejo-o, mas o receio ainda. Desejo-vos dizer: amai ao próximo como vós vos amais. Imploro-vos, sem amargura. Por que vos é confiado o próximo, devo abandonar-vos assim, tratando convosco só por um tempo? Não formais senão um só homem, e para vós o próximo é a multidão dos homens, não somente o irmão, o parente, o aliado. Não, pois todo homem tem como próximo por sua vez todo homem. O pai e o filho, o sogro e o genro possuem entre si laços estreitos de proximidade. Ora, nada há de tão próximo quanto o homem de seu próximo. Caso vós estejais tentados a pensar que são próximos apenas os nascidos dos mesmos parentes, relembrai-vos de Adão e Eva, e compreendereis que todos somos irmãos. Somos irmãos na singela qualidade de homem, quanto mais não seremos na de cristãos! Enquanto homens, tendes um único pai, Adão, e uma única mãe, Eva; enquanto cristãos, tendes um só Pai, que é Deus, e uma só mãe, que é a Igreja.

 

Capítulo Quarto: Como amar o próximo a quem se ordenou amar o próximo como a si mesmo.

4. Vede pois de que multidão de homens somos próximos, cada um de nós. Todos os homens com quem encontramos, todos a quem podemos nos unir é o próximo. Como saber de que amor se ama se são seus próximos tantos homens, a quem deve amar como a si mesmo? Que ninguém se exaspere assistindo-me examinar o como se ama. A mim pertence o discorrer, a vós reconhecer-vos nas minhas palavras. Por que discorrer? Posso eu saber o estado da alma de cada um? Discorro, para que cada um se interrogue, olhe e veja sem disfarces, para que se encare e pose diante dos próprios olhos, sem voltar às costas para si mesmo. É justamente isso que se há de fazer enquanto falo, para melhor proveito de minhas palavras. Como vos amais? Vós que me escutais, antes, que escutais o Senhor pela minha boca, enquanto estais aqui nesta morada da disciplina, prestai contas a vós mesmos de que maneira vos amais. Tomara eu pergunte se vós vos amais, e me respondais afirmativamente. Com efeito, alguém pode odiar a si? Talvez me responderíeis: mas alguém consegue odiar a si? Se vós vos amais, não ameis a iniqüidade, pois se a amais, escutai, não a minha palavra, mas a do salmista: “Quem ama a iniqüidade, odeia sua alma”. Se vós amais a iniqüidade, escutai a verdade, não a que vos incha, mas a que vos declara: vós odiais a vós mesmos. Quanto mais repetis que vos amais, mais vos odiais, pois “quem ama a iniqüidade, odeia sua alma”. Que direi eu da carne, a porção mais vil de nós mesmos? Se odeia sua a alma, como ama sua carne? Quem ama a iniqüidade, odeia sua alma, e cobre sua carne de torpeza. Vós, que amais a iniqüidade, como queríeis que vos confiassem o próximo, para que vós o amásseis como a vós mesmos? Ó homem, por que vos perdeis? Se amais de modo a vos perder, não perdereis aquele a quem amais como a vós mesmos? Proíbo-vos de amar quem quer que seja; perecei só, se desejardes perecer. Reformai vosso amor, ou renunciai toda sociedade.

 

Capítulo Quinto: O amor pernicioso ao próximo.

5. Talvez vós me dissésseis: Amo meu próximo como a mim mesmo. Compreendo-o perfeitamente. Desejais vos inebriar com aquele que amais como a vós mesmos. Gozemos a valer agora, bebamos o quanto pudermos. Reconhecei que é assim que vos amais, e que atraindo para vós o próximo, o convidais para o que vos agrada. Sentis a necessidade de usar aquele a quem amais para inchar o amor que tendes por vós mesmos. Homem demasiado humano, ou antes, homem cruel, que ama o que amam as bestas selvagens! Inclinou Deus em direção à terra a face dos animais, para que buscassem alimento; já a vós, ele vos elevou acima da terra, para tangê-la apenas com os pés. Quisera que vossa fronte se voltasse em direção ao céu. Que vosso coração não desminta o vosso rosto. Não tenhais a fronte altiva e o coração servil, antes escutai a palavra tão verdadeira quanto bela: Corações ao alto; não mintais dentro da morada da disciplina. Quando vos dirigirem esta palavra, respondei, mas que não seja mentira. Neste sentido é que deveis vos amar, e aí então amareis o próximo como a vós mesmos. Não é alçar o coração ao alto encarnar esta palavra: “Ama o Senhor teu Deus de todo teu coração, de toda tua alma e de todo teu espírito”? Se existem apenas dois preceitos, não seria bastante formular apenas um? Um só basta, à condição que seja bem entendido. Com efeito, na Escritura encontramos as palavras referidas por São Paulo: “Não cometerás adultério, não matarás, não furtarás, não cobiçarás, e ainda outros mandamentos que existam, eles se resumem nestas palavras: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. A caridade não pratica o mal contra o próximo. Portanto, a caridade é o pleno cumprimento da lei”. Que é a caridade? A dileção. Como se nada houvesse dito a Deus acerca da dileção, deixa o Apóstolo entreouvir que a dileção ao próximo basta para o cumprimento da lei. Qualquer outro mandamento se encontra resumido, observado nesta palavra. Qual palavra? “Amareis ao próximo como a vós mesmos”. Eis o mandamento; todavia, disséramos que havia dois, nos quais se resumem toda a lei e os profetas.

 

Capítulo Sexto: Consiste a felicidade do homem em amar a Deus.

Vede como a lei continua a se restringir, e ainda somos negligentes! Eis que os dois preceitos de que falávamos se resumem a um só. Ameis ao próximo, e isso basta. Mas amai-o como vós vos amais, e não como vós vos odiais. Amai ao próximo como a vós mesmos, mas antes de tudo amais-vos vós mesmos.

6. Resta-vos saber como vos amais a vós, por isso escutai esta palavra: “Amarás o Senhor teu Deus de todo teu coração, de toda tua alma e todo teu espírito”. O homem que não acredita em si, pode menos encontrar para si a felicidade. Uma potência essencialmente distinta do homem fez o homem; uma potência essencialmente distinta dele torná-lo-á feliz. Mas, infelizmente, como tem o firme sentimento de que não consegue ser feliz por si só, cai em erro ao escolher o objeto cujo amor torná-lo-ia feliz; ama-o, pois lhe parece que nisto encontra a felicidade. E nesta busca, que ama? A riqueza, o ouro, a prata, as posses; ou, para resumir em uma palavra, a riqueza. Com efeito, designa esse nome tudo que possuem os homens nesta terra, e que podem controlar. Seja o escravo, o vaso, o campo, o bosque, a manada, tudo são riquezas. Denominavam os antigos a riqueza como pécula, porque as manadas (pécus) eram toda sua riqueza. Lemos que os antigos patriarcas eram ricos em manadas. Ó homem, amais a riqueza; vós a contemplais como princípio de felicidade, prodigalizando para ela todo vosso amor. Se desejardes amar ao próximo como a vós mesmos, partilhai com ele as riquezas. Busquei saber quem éreis; agora, já vos vistes a vós, já vos examinastes e considerastes. Não estais dispostos a partilhar vossas riquezas com o próximo. Contudo, que me responde a diligente avareza? Que me responde ela? Se a partilho com alguém, será menor a minha parte, e a sua também; o meu amor se achará reduzido, nem eu nem ele possuiremos todo o tesouro. Mas visto que o amo como a mim mesmo, aspiro-lhe tantas riquezas quantas as que possuo; desta maneira, não serei privado de nada, e ele possuirá tanto quanto eu. 

 

Capítulo Sétimo: A inveja é vício diabólico, oriundo do orgulho.

7. Desejais de modo a não perder coisa alguma; mais prouvera a Deus se vossa palavra fosse sincera, ou vosso desejo verdadeiro! Com efeito, temo que sejais invejosos. Se a felicidade alheia vos inquieta e tormenta, como será a vossa felicidade comum a todos? Começa vosso vizinho a enriquecer, a se elevar, a caminhar sobre vossos passos, não temeis que ele vos persiga e ultrapasse? Certamente, amais ao próximo como a vós mesmos. Não falo das vítimas da inveja. Que Deus os preserve desta triste doença do espírito todos os homens, sobretudo os cristãos; eis aí um vício de fato diabólico, do qual se tornou o demônio culpado, eternamente culpado. Pronunciando a sentença de condenação contra o demônio, não lhe disseram que cometera adultério, mas somente que usurpara o bem a outrem: porque caístes, levastes a inveja ao homem, que está de pé. É a inveja, pois, vício diabólico, cuja mãe é o orgulho. O orgulho é a mãe dos invejosos. Sufocai a mãe, e a filha não nascerá. Eis o porquê de Jesus Cristo ensinar com tanta humildade. Dirijo-me não aos invejosos, mas aos que alimentam bons desejos. Falo àqueles que desejam o bem a seus amigos, e lhe aspira na mesma medida que para si mesmos. Por exemplo, aspiram a que os pobres tenham fortuna semelhante a sua, mas se recusam em lhes dar parte dela.

Vós vos ensoberbeceis, cristãos, de aspirar ao bem dos outros? Mas o mendigo é superior a vós, porque em nada tendo deseja para vós mais do que tendes. Dignai-vos desejar o bem de quem nada lhe dá; antes, dai alguma coisa a quem lhe deseja o bem. Se for boa obra desejar o bem aos outros, dai-lhes a recompensa merecida. O pobre aspira ao vosso bem, por que tremeis? Vou mais longe: estais na morada da disciplina. Encareço o já dito: dai àquele que vos deseja o bem, pois este é simplesmente o próprio Jesus Cristo. Quem vos pede é o mesmo que vos dá. Enrubescei-vos de vergonha. Pudera este rico ser pobre, para que tivésseis sempre pobres a quem dar. Oferecei qualquer coisa a vosso irmão, ao vosso próximo, a vosso companheiro. Sois rico e ele, pobre. É este o caminho verdadeiro, não vos recuseis de o percorrerdes juntos.

 

Capítulo Oitavo: Diminuir, pela esmola, o fardo das riquezas.

8. Talvez me respondais: Eu sou rico, e ele pobre. Ides marchar juntos, sim ou não? Dizer eu sou rico, e ele pobre, não é afirmar que eu estou carregado, e ele sem fardo algum? Eu sou rico, e ele pobre. Lembrai-vos de vosso fardo, e transmiti o peso que vos esmaga. O que mais me impressiona é o estar vós encadeado a vosso fardo, não podendo por isso estender a mão. Estais sobrecarregados, ligados, de que pois vos orgulhais? Por que vos derramais em elogios? Parti as correntes, aliviai o fardo. Passando-o ao companheiro de viagem, vós o ajudais e vos aliviais. Enquanto derramais elogios pomposos a vosso fardo, Jesus Cristo pede-vos a esmola, e nada recebe, e para melhor disfarçar a crueza da recusa, invocais a ternura paternal e dizeis: Não o devo entesourar para meus filhos? Apresento-vos Jesus Cristo, opondes-me vossos filhos. A vossos olhos, é justo que possais contemplar vossos filhos em abundância luxuriante, e vosso Senhor na miséria? “O que fazeis ao menor de meus irmãos, é a mim que o fazeis.” Nunca pesastes nem lestes essas palavras? Eis aqui o homem derrotado, e vós me enumerais vossos filhos? Que seja, enumerai-mos, mas a esse número acrescentai mais um, vosso Senhor. Se tendes um, acrescente o segundo; se tendes dois, o terceiro; se tendes três, o quarto. Sei que nada disso vos apraz. É desse modo que amais vosso próximo, até torná-lo partícipe de vossa perdição.

9. Como vos dizer ainda de que modo amais o próximo? Homem avarento, que palavra comove vossa orelha? Vós não afirmaríeis a vosso filho, irmão ou pai, que aqui a felicidade é ser rico? Mais ricos sejais, maiores serão aos olhos dos homens. Fazei de um tudo e amontoai tesouros. Eis o que murmurais à orelha do próximo; não fora isso, todavia, o escutado, nem o aprendido na morada da disciplina.

 

Capítulo Nono: Evitar os perniciosos discursos dos avarentos.

Não é esse o amor que vos peço ao próximo. Oh!, quem me dera conseguir apartar-vos de tais pessoas! Pois “as más conversações corrompem os bons costumes”. Mas não posso esperar que nunca vos aproximeis de um estranho, para murmurar à sua orelha a linguagem vergonhosa que teimais em não desaprender; não somente não o quereis, mas vos alegrais de comunicar a outrem. Condeno-o vigorosamente, e desejo, contudo em vão, interpor entre vós e vossos irmãos uma barreira intransponível. Ah, dirijo-me diretamente aos outros, aqueles cujas orelhas desejais entreter e macular, para ali injetar o veneno até que escorra ao coração. Ó vós, que recebeis a palavra de vida na morada da disciplina, “erigi uma barreira de espinhos em torno de vossas orelhas”. “As más conversações corrompem os bons costumes; erigi uma barreira de espinhos em torno de vossas orelhas”. Cercai-a, cercai-a de espinhos, para quem tentar penetrá-la, não só seja afastado, mas ferido. Arredai-o para longe de vós. Dizei-lhe: vós sois cristão, eu sou cristão; não foi isso que aprendemos na morada da disciplina, nessa escola onde entramos gratuitamente, nessa disciplina cujo Mestre tem cátedra no céu. Não me faleis assim, ou afastai-vos. Com efeito, este é o sentido destas palavras: “Cercai vossas orelhas com uma barreira de espinhos”.

10. Agora, dirijo-me a vós. Vós sois avarentos, amais o dinheiro: desejais ser felizes? Amai o Senhor vosso Deus. A riqueza não vos torna felizes; vós a honrais com todas as veras, mas ela vos não torna felizes. Como amásseis muito a riqueza, vejo que ides onde vos arrasta o ardor dos desejos. Preguiçoso, ide onde vos chama a caridade; vede e observai bem se nosso Deus não é infinitamente superior à riqueza. O sol que nos alumia é mais formoso que a riqueza, e entretanto não é Deus. Se essa luz é mais formosa que a riqueza, quanto mais não será aquele que criou essa luz? Desejais pois medir o dinheiro com essa luz? Que desaparecesse o sol durante a noite, mostrai-me então vosso dinheiro. Ele rebrilha, mas somente quando se pontua a noite com uma fogueira; eis que sois ricos, mostrai-me vossas riquezas; se não tendes luz, se vossos olhos estão mergulhados em obscuridade, mostrai-me onde estão vossas riquezas.

 

Capítulo Dez: A cegueira dos avarentos.

Não logram os olhos sondar a horrível profundidade da avareza, mas é certo que o espírito o pode. Vimos avarentos cegos; dizei-me o que os torna cegos. Tenha ou não posses, o avarento é um cego. Por quê? Porque, desde que ele crê possuir, é cego. A crença é o que o torna rico; logo, é rico porque assim o crê, e não porque o vê. Quanto mais rica não é, certamente, a elevação da fé em direção a Deus! Não vedes o que possuis, e é o mesmo Deus quem vo-lo diz. Não o vedes ainda, mas amai-o e então o vereis. Cegos que sois, amais o dinheiro que não verás. Possuis como cegos, e morrereis como cegos, abandonando cá embaixo o que possuíeis. Até durante a vida, não possuíeis, pois não víeis o que tínheis.

11. E Deus, que vos disse? Escutai a palavra da sabedoria: amai a Deus “como ao dinheiro”. É infâmia e ultraje comparar a sabedoria ao dinheiro: contudo, aqui nos contentamos de comparar amor e amor. Com efeito, vejo-vos tomados do amor à riqueza, pelas quais, sob as ordens dele, empreendeis os trabalhos mais penosos, suportais o jejum, singrais os mares, confiais-vos aos ventos e às vagas. Sei o que poderíeis amar, mas não sei o que poderia eu acrescentar ao amor que já possuís. Amai-me assim, não há modo mais subido de me amar, diz o Senhor.

Dirijo-me aos homens injustos e avarentos; amais o dinheiro, dai-me a mim então esse amor. Sem dúvida, sou infinitamente superior à riqueza, mas vos peço apenas o mesmo amor; amai-me tanto quanto amais o dinheiro. Ao menos enrubesçamos de vergonha, confessemos nosso crime, batamos sobre o peito, em lugar de revestir nossas veredas com pedra ou mármore. Quem bate sobre o peito e não se corrige, consolida seus pecados, não os destrói. Batamos sobre o peito, firamo-nos, corrijamo-nos, se não quisermos que o mestre por sua vez não nos fira a nós. Até aqui, dissemos o que devemos aprender; digamos agora porque devemos aprender.

 

Capítulo Onze: Aprender as letras para um fim temporal.

12. Por que ides à escola? Porque vos bateram, e foram conduzidos por vossos parentes, caçados em vossa fuga, arrastados à força e disciplinados com instrumentos de penitência? Por que vos bateram? Qual a causa das violências que padecestes durante a juventude? Tudo foi para vos obrigar a aprender. Que aprendestes vós? As letras. Por quê? Para adquirir riquezas, ou honrarias, e subir às mais altas dignidades. Vede como um simples algo que deve perecer, deve conduzir-vos igualmente à perdição: quantos sofrimentos padecestes para aprender lições perecíveis, e todavia éreis realmente amados por aqueles que vos submetiam às rudes provações. Mas os que vos batiam, batiam-vos para vos forçar a aprender o quê? As letras. São boas as letras? Sem dúvida alguma. Sei bem o que me direis: vós, bispos, lestes nas letras; tratastes das Santas Escrituras com o auxílio da literatura. Com certeza, mas não é precisamente para tal fim que aprendemos as letras. Nossos pais, ao nos enviar para a escola, não nos diziam: aprende as letras para que possas ler a lei do Senhor. Inclusive os cristãos não sustentam esta linguagem para com seus filhos. Que lhes dizem eles? Aprende as letras. Por quê? Para que sejas homem. E por quê? Sou por acaso animal? Não, mas te digo para aprenderes a fim de te tornares homem, i. é, que possas resplandecer entre os homens. Daí este provérbio: na terra, só presta quem tem. Tenhais pois o mesmo que os outros, ou que os privilegiados; ou mais que os outros, ou que os privilegiados, obtereis como prêmio honrarias e dignidades. Mas o que se há de tornar tudo isso quando soar a morte sua hora? Seria a morte estimulante, e o temor poderoso excitante? Como esta palavra que acabei de pronunciar foi privilegiada, atingindo-vos o coração? Como vossos gemidos vêm atestar o temor que vos obseda? Escutei, e muito bem, que gemestes, que temeis a morte. Se a temeis, por que não a evitais? Temeis a morte; por que a temeis? Ela virá; tema ou não tema, ela virá; cedo ou tarde, ela virá. Apesar de a temer, fingis que não há nada que se temer.

 

Capítulo Doze: A boa morte preparada na boa vida.

13. Tende muito medo daquilo que depende apenas de vossa vontade. E que vem a ser isso? o pecado. Temei cometer o pecado, pois que se amais o pecado, incorrereis em morte eterna, a qual não temereis se não amais o pecado. Mas estais tão pervertidos que preferis antes a morte à vida. Exclamais: “Deus me livre disso”. Qual homem ama mais a morte que a vida? Talvez eu vos convença que amais mais a morte que a vida. Apresento-vos o meio de convencimento. Amais vossa túnica e, em conseqüência, a quereis boa; amais vossa estância, e a quereis boa; amais vosso filho, e o quereis bom; amais vosso amigo, e o quereis bom; amais vossa casa, e a quereis boa. Que quereis exatamente quando desejais que vossa morte seja boa? Como é mister morrer, rogai a Deus a cada dia para dar-vos uma boa morte, dizendo “que me preserve Deus de uma morte ruim”. Amai pois mais a vossa morte que vossa vida. Temeis o mal morrer, mas não o mal viver. Abstendes-vos do mal viver, e temeis o mal morrer. Ou antes, não a temeis, pois não se pode morrer mal, quando se viveu bem.

Ouso dizer e repeti-lo, pois “tendo acreditado, falei”: não se pode mal morrer, quando se bem viveu. Eis o que vos repetis a vós mesmos: muitos justos não morreram em naufrágios? Não se pode morrer mal, quando se viveu bem? Não tombaram muitos justos sob a espada dos inimigos? Não se pode morrer mal, quando se viveu bem? Muitos justos não tombaram sob os golpes de assassinos, ou devorados por bestas feras? Não se pode morrer mal, quando se viveu bem? Respondo: morrer no naufrágio, traspassado pela lâmina ou devorado pelas bestas feras vos parece má morte? Não fora esse gênero de morte a dos mártires, cujo nascimento no céu celebramos? Que gêneros de morte não tiveram os condenados? E todavia se somos cristãos, se não nos esquecemos o que somos nesta morada da disciplina, se ao sair daqui não esquecemos o que aqui vimos, se nos lembramos das verdades que aqui escutamos, não é porque celebramos a morte dos mártires? Buscai saber como morreram os mártires, interrogai os olhos da carne, e concluireis que tiveram má morte. Interrogai os olhos da fé, e concluireis que “A morte dos santos é preciosa aos olhos de Deus”. Se imitais os santos, não haveis que temer diante da morte. Trabalhai para levar boa vida; e qualquer seja a circunstância da vossa saída do corpo, saí em repouso, numa felicidade sem mescla de temor e infinita. Poderíamos acreditar boa a morte do mal rico, expirando engolfado entre a purpura e o linho; mas qual terrível não será a morte do desgraçado devorado de sede, implorando aos berros por uma gota d’água, em meio a tormentos! Alguém acredita má a morte do pobre Lázaro, expirando às portas do rico, lambido pelos cães, apetecendo, para aliviar a sede e a fome, as migalhas que caíam da mesa do rico morto em desgraça, em morte desgraçada. Vede como ele terminou; sois cristãos, abri os olhos da fé: “Morreu o pobre, e foi levado pelos anjos ao seio de Abraão”. Para o rico devorado de fome e sede nos infernos, de que valia o túmulo de mármore? E as chagas e úlceras, como podiam tolher o pobre enquanto repousava no seio de Abrãao? Divisou o rico ao longe o pobre em repouso, o mesmo que jazia a porta do palácio. Escolhei entre esses dois mortos; dizei-me: qual dos dois tivera boa morte, e qual má morte? Parece-me a morte do pobre preferível a do rico. Vós vos quereis encerrados no báratro, com uma sede infernal a devorar-vos? Não, me responderíeis. Ao menos, suponho ser essa vossa resposta. Aprendei pois a morrer bem, vivendo bem. A recompensa da boa vida é a eterna recompensa.

 

Capítulo Treze: Os bons e os maus ouvintes.

14. Quem se instrui, prova que é cristão; quem escuta e não se instrui, que interesse inspira ao semeador? Nem a distância do caminho, nem as pedras, nem os espinhos amedrontam a mão do semeador, que lança o que lhe pertence. Quem teme que a semente caia em terra ruim, se detém antes de alcançar a boa terra. Nós, pelo menos, falamos, lançamos e dispersamos a semente. Entre os ouvintes, há os que a desprezam, e os que se queixam, e os que fazem troça. Se temêssemos todos os ouvintes, não seria possível semear; morreríamos de fome no tempo da colheita. Tomara se achegue a semente à boa terra. Sei que quem me escuta, e escuta seriamente, sente em si algo enfraquecer e algo progredir; enfraquece em iniqüidade, progride na verdade; enfraquece no século, progride em direção a Deus.

 

Capítulo Quatorze: Quem é o verdadeiro mestre?

15. Com efeito, quem é o mestre que nos ensina? Não é um homem qualquer, mas um apóstolo. E mais, se é um Apóstolo quem fala, não é ele quem ensina. “Quereis provar o poder de Jesus Cristo que fala por minha boca?” Quem ensina é Jesus Cristo, de sua cátedra no céu, como dizia eu não faz um instante. Sua escola está sobre a terra; ela é seu corpo. A cabeça instrui os membros, a língua fala aos pés. Quem ensina é Jesus Cristo: escutemos, temamos, obedeçamos. Guardai-vos de desprezar Jesus Cristo, pois é por vós que veio ele em carne, revestindo-se das lambugens da mortalidade; por vós padeceu fome e sede, por vós assentou-se fatigado nas amuradas dos poços; por vós dormira esgotado dentro do barco; por vós recebeu injúrias atrozes, por vós permitiu lhe escarrassem em rosto; por vós foi vergastado; por vós cosido à cruz, por vós morto, por vós depositado no túmulo. Seria tudo isso o que desprezais em Jesus Cristo? Quereis saber quem ele é? Recordai-vos do Evangelho que escutastes: “Meu Pai e eu somos um só”.

16. Unidos ao Senhor, roguemos-lhe por nós e por todo o povo reunido conosco na morada do Todo-Poderoso; imploremos que se digne guardar e proteger esse povo, por Nosso Senhor Jesus Cristo seu Filho, que com ele vive e reina, pelos séculos dos séculos. Amém.

 

Tradução: Permanência

Jó, o Eclesiastes e o Orkut

 Dom Lourenço Fleichman OSB

Conta o Livro de Jó, em seu início, uma conversa entre Deus e Satanás. Quando Deus pergunta a Satanás o que anda fazendo, o Príncipe das Trevas responde: "Andei dando voltas pelo mundo e passeando por ele". Podemos perceber que não é de hoje que o Demônio anda por aí espalhando entre os Filhos dos Homens sua malícia disfarçada em coisas boas. Como anjo mau muito esperto, o Demônio hoje não passeia, ele navega pelas ondas da virtualidade (coisa fácil para um espírito). "Andei navegando pelo Orkut, e vi a juventude entediada, vazia e descarada!" E eu, no meu esconderijo protegido contra Orkuts fiquei imaginando se o Cão não estaria dizendo uma grande mentira, um exagero, com alguma intenção desconhecida. Leia Mais

Do ORKUT ao FACEBOOK

Dom Lourenço Fleichman

Há alguns anos, após tecer algumas considerações sobre o fenômeno do Orkut, primeira "rede social" a se espalhar de modo universal, atingindo particularmente o Brasil, lancei uma campanha aconselhando ao leitor apagar sua conta naquele sistema de escravidão. Os e-mails recebidos na época indicaram cerca de 150 pessoas que tomaram a iniciativa de apagar sua conta e de escrever à Permanência comunicando este fato.

Analisando este número de corajosos leitores, considerei um resultado muito bom, diante dos meios de que dispomos e, sobretudo, diante dos motivos espirituais e civilizacionais oferecidos como incentivo para se tomar decisão aparentemente tão sofrida e difícil.

O diabo não dá ponto sem nó, como se diz, e logo surgiu fenômeno mais amplo e pernicioso do que o primeiro. Contam que o Facebook começou como um sistema de reconhecimento dos rostos dos alunos em certa universidade. Basta conhecer um pouco a natureza humana para compreender porque milhões de pessoas pelo mundo foram contaminados com a Síndrome da Bruxa Má, da Branca de Neve! "Espelho, espelho meu". O engenhoso "crachá" eletrônico é como a "imagem da besta", que aparece no Apocalipse. O joguete do dragão adquiriu tanto movimento que ele fala, escreve, e vai variando sua bela imagem, cativando a todos e gozando dessa imensa felicidade: "digam-me se há mais bela do que eu" Continue Lendo

Os escravos da imaginação

Dom Lourenço Fleichman OSB

 

Uma oposição sistemática entre o mundo e a Igreja, entre a sociedade civil apóstata e a família católica: realidade mais do que conhecida, denunciada e lamentada. Todos nós sabemos disso e procuramos nos orientar de modo a não perder a fé, a não nos entregarmos aos prazeres e aos critérios desse mundo mau. Temos, sim, os Evangelhos e São Paulo que já nos alertavam e nos alertam ainda hoje, pela Revelação das Sagradas Escrituras. Temos a Igreja, com sua palavra forte, sua Tradição, seu depósito da fé, transmitindo, de papa a papa, de concílio a concílio, os conselhos e mandamentos que devemos seguir para não cair no abismo. E os padres lembram, em sermões e artigos, que devemos viver no mundo sem ser do mundo, que devemos estudar, nos armar contra a enganação do mundo, defender as crianças contra as escolas deformadoras, a televisão invasora e destruidora da moral católica.

Tudo isso nós sabemos e por isso devemos estar atentos e fortalecidos pela graça.
Mas não adiantou muito! Leia mais
 

Não pecarás contra a castidade

Na volta às aulas deste ano de 1999, ficou patente o quanto estamos à mercê de um poder que nos escraviza. Já há muito que as aulas de ciências servem para corromper a inocência das crianças, desde as primeiras séries. Vestindo a máscara do assunto "científico", livros para crianças de 8 anos descrevem a reprodução humana sem o menor cuidado com as alminhas delicadas de crianças inocentes, mas que carregam a inclinação da concupiscência e as levam a ter curiosidades perigosas.

A cada ano aquele assunto voltará, sob diversos aspectos, mantendo a atenção da criança na fonte de pecados contra a pureza do corpo.

Mas o que vimos este ano ultrapassou todos os limites. Leia mais

Depois de ter estudado todos esses anos este assunto, depois de terem suas forças minadas, ouvindo os professores falarem (científicamente!) sempre sobre isso, as crianças de 12-13 anos que ingressaram na 7ª série tiveram que comprar livros de ciências sobre o corpo humano. Mais uma vez vão falar do assunto. Porém, desta vez, aquilo que era ciência passou a ser Moral. Dentro do livro, em páginas de coloração diferente, bem destacado, introduziu-se uma verdadeira aula sobre pecados diversos contra o 6º mandamento da lei de Deus: não pecar contra a Castidade. Com ilustrações e desenhos de alta qualidade, o autor ultrapassa todas as barreiras da ética profissional, invade o campo alheio para deixar de lado a ciência do corpo e querer falar sobre a ciência da alma! Que autoridade tem esse autor, ou o diretor da escola que adota este livro, ou um professor que ouse falar destas coisas para meninas de 12 anos, que autoridade, repito, têm eles para falar sobre relacionamento sexual e ensinar as crianças a pecar?

Mas eles são materialistas, não acreditam em nada que não seja palpável e mensurável, não acreditam mais na alma, criada à imagem e à semelhança de Deus, ou seja, espiritual, inteligente e livre. Como pode um cérebro, um mecanismo, um corpo animal, conhecer como nós conhecemos, e amar livremente (conscientemente) como nós amamos, isso eles não explicam e nem podem explicar. Mentem! Inventam mágicas inexplicáveis cientificamente segundo as quais o cérebro foi evoluindo, evoluindo e, aos poucos começou a pensar.....

Logo, nada mais somos do que animais evoluídos e por isso, devemos usar do sexo como animais!Claro! Não existe a alma racional para impor aos sentidos uma razão elevada, uma finalidade sobrenatural. A dúvida é que eles não explicam porque, sendo tão evoluídos, eles ensinam aos homens um comportamento sexual tão degradante e baixo, inexistente no mundo animal. Se os homens seguissem o exemplo da natureza dos animais, que respeitam totalmente as finalidades criadas por Deus, não pecariam tanto!

Mas voltemos à escola pervertedora de crianças.

Falta ainda analisar a atitude dos pais diante desta monstruosidade.

Não existe nada que me faça entender que um pai, ou uma mãe, deva assistir ao envenenamento de seus filhos sem nada fazer. Eu bem sei que as crianças não aprendem estas coisas somente nestes livros, que é preciso acompanhar passo a passo as descobertas que elas fazem, e ir conversando, instruindo de modo católico, dando-lhes a consciência do pecado e a simplicidade da confissão, quando caírem. Quantas vezes eu mesmo ensinei assim.

Mas existem limites.

Uma coisa é a escola ensinar antes da hora, um aspecto natural do nosso organismo que, em si, nada tem de errado. Por ser ensinado antes da hora pode provocar curiosidades e mesmo pecados. Neste caso, pode acontecer que a única saída seja conversas e explicações para defender os filhos.

Outra coisa inteiramente diferente é a escola ensinar a pecar, pura e simplesmente. Neste caso, só existe uma atitude possível. Puxar a espada! Qualquer outra atitude seria uma fraqueza pecaminosa da parte dos pais.

Creio que a diferença entre as duas atitudes postas em negrito é bastante clara. Essa diferença estabelece o tipo de ação, assim como a responsabilidade dos pais em reagir à altura da gravidade da contaminação.

Daí vem a orientação que dei aos pais de rasgarem estas páginas dos livros antes das crianças lerem, e de se organizarem para que seus filhos não assistam às aulas que os professores derem sobre isso. Mais uma vez: eles não têm autoridade para ensinar a Moral, para ensinar quando um ato humano é bom e quando ele é mau. A moralidade dos nossos atos vem de Deus, de sua Lei Santa, da natureza criada e dirigida por Ele só. Por isso, só a Igreja Católica, única religião Revelada por Deus, pode nos dizer o que é certo e o que é errado. E os pais têm obrigação de ensinar assim aos filhos.

O monstrengo que chia

Estamos debaixo de uma verdadeira avalanche. Ouvimos o ruído estrondoso de uma montanha que despenca morro abaixo, sobre os homens: a maioria acha lindo e bate palmas; outros poucos choram e pedem a Deus "que as montanhas caiam sobre nós". Será de neve, a avalanche, como nos Andes? Ou de lama e rochas, como na serra de Petrópolis? Será de lixo e barracos como nas favelas cariocas? Apesar de todas estas avalanches serem graves e horríveis, falo aqui de outro tipo de destruição. A humanidade, orgulhosamente fincada em pés de barro, achando-se forte como o ferro e rica como o ouro, ousou gritar no desfiladeiro e se alegra com o rufar da neve, da lama, do lixo e de tudo o mais. Porque não restará pedra sobre pedra quando a vingança de Deus se levantar.

 

Esta avalanche provocada por sérios cientistas de jaleco branco, provocada por não tão sérios políticos de terno e gravata, está em todos os jornais, em todas as revistas de nosso pobre país. Está liberada a manipulação de cadáveres, de inocentes criancinhas abortadas. Depois do assassinato, vem a feira. O produto do assassinato é, assim, posto nas prateleiras da feira da esquina, onde os embriões humanos, aqueles mesmos que poderiam, amanhã ser um grande homem, bom, honesto, santo talvez, e que teve sua existência roubada antes mesmo da luz, antes mesmo da tosse e do choro, do abrir dos olhos para ver os olhos da mãe, estes bebês vão virar remédio! Dizem que já viram cosméticos num mercado macabro e paralelo. Agora vão ser sopinhas nutritivas.

 

Não vou entrar aqui nos detalhes da coisa, do monstro horrendo que nos devora sob os aplausos do mundo. Quisera antes tremer como o homem do leme diante do monstrengo do fim do mundo, tremer mas lutar, em nome d´El Rei e Senhor de toda a terra, e do céu e do mar:

"O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
A roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,

E disse: «Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?»
E o homem do leme disse, tremendo:
«El-Rei D. João Segundo!»





Um corpo sem cérebro tem alma?

 

Podem juntar todos os argumentos que estes homens maus e desgraçados lançam enganando a gente simples. Todos juntos não valem um graveto de palha. Começa que são materialistas até o fundo da alma. E sendo materialistas, querem nos impingir a falsa idéia de que um corpo humano sem cérebro não é humano, logo poderia ser abortado. Falso. Um corpo humano, no primeiro momento de sua existência, ou seja, na primeira divisão celular que ocorre quando as células reprodutoras do homem se unem às da mulher, neste momento em que se forma maravilhosamente o código genético que nunca mais será alterado, até a morte; neste momento em que todas as características do homem maduro já estão presentes, neste momento em que não existe nem cérebro, nem coração, nem órgão algum, Deus, o Criador dos homens e do mundo, sopra, num ato único de criação, particular, daquele ser, uma alma imortal, espiritual, racional. A presença desta alma é atestada pela nossa própria reflexão, pela própria observação do ateu que afirma não existir a alma. Só um ser dotado de alma espiritual seria capaz de escrever um artigo para tentar provar a não existência da alma racional. Só um ser dotado de vontade livre e espiritual, e não de instinto material, poderia tomar uma decisão tão grave de enfiar uma ferramenta dentro do útero de uma mulher para estraçalhar a cabeça de uma criancinha inocente, linda, maravilhosamente viva, que se debate defendendo sua vida, como se fora um adulto nas mãos de inimigos cruéis. O assassino cruel tem nas mãos a ferramenta da contradição e o castigo clama aos céus. O ato pecaminoso que comete é a prova da nulidade de seus argumentos.

 

Mas eles não se dão por vencidos,  lá vem os materialistas enlouquecidos insistir que um embrião sem cérebro não é humano, que pode ser abortado. Vamos tentar entender a argumentação. Se eles dizem que não é humano porque não têm cérebro, significa que, para essa gente, é o cérebro que define o homem. Se tem cérebro é humano, se não tem cérebro não é. Para um materialista, faz sentido, pois onde poderia ele se apoiar para explicar a vida? No centro de comandos dos sinais vitais. É compreensível, mas é pobre como explicação, é falso. Mas a questão é, como já assinalei acima, que o fato do organismo humano ter um centro nervoso que explique seus atos, seus movimentos físicos e psíquicos, não dá razão de um único pensamento racional. Não há nada na matéria que possa explicar como uma criança, olhando um ser estranho, pergunte para seu pai: — Pai, isso é bicho ou gente? A formulação da questão onde aparecem conceitos racionais definindo seres diferentes só é possível a partir de algo que está acima do centro nervoso ou do bater do coração. O simples bom senso permite que se entenda isso com facilidade, mas esta sabedoria popular parece faltar nos políticos e cientistas ateus. Ou será que eles entendem, mas têm outros interesses inconfessáveis? Imaginem um quadro de botões para apagar e acender um jogo de luzes. Dizer que o cérebro é a razão da vida, significaria dizer que o quadro de botões explica a luz. Do mesmo modo que o coração não explica a vida, apenas bombeia o sangue que alimenta os órgãos, assim também o cérebro, apenas abre e fecha comandos. Poderíamos imaginar que o funcionário de uma estrada de ferro que move com uma alavanca os trilhos para desviar o trem para determinada direção seria a razão essencial da viagem?

 

Como se combinam corpo e alma

 

Se o cérebro é matéria, faz-se necessário encontrar a forma substancial que explique o seu funcionamento. Desde Aristóteles que o homem aprendeu que todo ente material não possui na própria matéria a razão do seu ser. Todo ser material precisa da forma substancial para explicar o que ele é. O corpo humano, portanto, precisa de uma forma que explique e defina o ser humano e todas as suas faculdades. O cérebro só é causa dos impulsos nervosos, ou seja, algo material e físico; nada tem a dizer sobre uma série de atos que se constata no agir humano e que ultrapassam o domínio da matéria: o saber intelectual, o querer livre que comporta uma escolha, a renúncia de um bem material por escolha de um bem espiritual etc. A forma substancial do homem precisa dar razão também desta atividade espiritual, que se constata tão facilmente. Logo deve-se concluir na existência de uma forma substancial espiritual, capaz de todos os atos não materiais. Esta forma substancial é a alma. O termo procede de "coisa animada" e por isso será usada por Aristóteles de modo analógico em cada nível de atividade vital: a alma vegetativa explica como um ser material consegue atividades vitais nos vegetais; alma sensitiva explica como um ser material consegue atividades sensíveis e vitais nos animais; alma espiritual explica como um ser material consegue atividades espirituais, sensíveis e vitais, no homem. É na seqüência deste raciocínio que se alcança a compreensão da imortalidade da alma. Pois se as atividades espirituais do homem não têm sua origem na matéria (que se decompõe), mas sim na alma espiritual criada por Deus na concepção, então deve permanecer mesmo quando o organismo material falha, causando a morte, ou seja, a separação daquela matéria de sua forma substancial que a organizava, a mantinha na vida, a fazia agir.

 

A morte cerebral

 

Se é na origem da vida, no embrião, que a sociedade apóstata descarrega todo o seu ódio e loucura, na outra ponta da vida também estará presente a fraude do homem brincando de Deus. Tudo começou com os transplantes de coração, mas acontece também com transplante de fígado e outros órgãos vitais. Para que estes órgãos sejam viáveis para um transplante, é necessário que o coração do doador ainda esteja batendo, que o sangue ainda corra em suas veias, em outras palavras: que o doador esteja VIVO. Evidentemente a prática das doações de órgãos vitais trouxe para o mundo da medicina interesses que passam longe da cura dos doentes. Um mercado impressionante se estabeleceu nos grandes países e é a peso de ouro que este tipo de operação é feita. Era preciso continuar matando doadores para que as pesquisas continuassem e o mercado não se extinguisse. Calaram o crime e inventaram rapidamente um subterfúgio: a morte cerebral. A sociedade, por estar adormecida e sedada pelos prazeres, pela televisão, pelo grande objetivo de enriquecer, não percebeu o engano e foi engolindo a falsa noção de morte que estes senhores inventaram. Quando o cérebro não apresenta mais determinado nível de atividade nervosa, considera-se que a pessoa está morta e começa a carnificina, sob os eufemismos de "caridade", "benemérito da humanidade" e "salvador de vidas", que são passados para as famílias, em geral já anestesiadas pela dor do momento. A guerra é tão absurda que os organismos internacionais e os governos calam os cientistas que têm provado que certos tratamentos como a hipotermia (diminuição da temperatura do corpo) têm trazido grande número de "mortos cerebrais" de volta às atividades cerebrais. Se voltam é porque não estavam mortos. E se arrancam seus órgãos neste estado, estão assassinando. Portanto, não permitam que se faça o retalhamento dos seus doentes em coma profundo. Se não for possível que voltem, pelo menos que possam morrer em paz, assistidos por um padre para a salvação de suas almas.

 

Eutanásia

 

Evidentemente estamos entrando à galope na era da eutanásia. Hollywood está aí, desprezando o sucesso estrondoso do excelente filme "A Paixão de Cristo" para elevar à gloria dois filmes de propaganda de eutanásia ou suicídio assistido, como gostam de dizer. Já passou o aborto, já passou o homossexualismo, agora chegamos à escolha da morte. O homem que já se acha no direito de matar as criancinhas inocentes agora exige aos berros o direito de matar a si mesmo quando achar razoável. Não é preciso conversarmos sobre o que seja razoável ou não; Deus só é Senhor da vida e da morte. Nossa vida nos foi dada por Ele e só Ele pode tomá-la da volta. Nós somos depositários e temos contas a prestar no dia do juízo. É preciso viver num mundo pagão e sem razões profundas como é o neo-paganismo atual para achar que uma doença sem solução seja motivo para buscar a morte. Não é. Todo sofrimento tem uma razão, a qual se refere necessariamente com o resgate do gênero humano realizado por Jesus na Cruz. Ele deu sua vida por nós num sofrimento infinitas vezes maior do que qualquer sofrimento nosso, pois somava ao martírio terrível do seu corpo a expiação espiritual do peso tremendo de todos os pecados. Se os homens soubessem o que é o dogma da Comunhão dos Santos, não perderiam um minuto de sofrimento sem oferecer. Se soubessem que todos os nossos atos atuam sobre as almas do nosso próximo, por ação da pura vontade divina, que aplica uma oração, um sacrifício oferecido, para o bem de outros que, muitas vezes, nem conhecemos. É como uma grande equilíbrio espiritual onde o fiel da balança é a vontade divina, o coração de Deus amolecido pela dor de seus filhos que oferecem uns pelos outros. É preciso lembrar aos nossos velhinhos que eles têm uma razão muito forte para suportar o peso da idade, da doença, das dores. Eles podem carregar o mundo nas costas, converter os piores pecadores, salvar almas para o céu. Nossa missão aqui na terra só termina na hora da morte, quando Deus nos chama para o descanso eterno. Não aceitem os falsos argumentos da televisão. Estudem e mostrem aos familiares e amigos que só Deus pode nos dar a recompensa.

 

Porque a morte é a separação da alma e do corpo quando o corpo não tem mais organização material suficiente para ser "animado". A morte não é um dado da religião. Vamos deixar as coisas claras. Nem a questão da morte cerebral, nem a eutanásia, nem o aborto, nem a manipulação de embriões são temas apenas religiosos. Não é preciso invocar nenhum tratado de teologia, nem passagem da Bíblia ou texto do Magistério para se rechaçar com todas as forças tais crimes. Estamos lidando com argumentação filosófica, natural, horizontal e humana. E se o Papa aparece diante do mundo como um ferrenho defensor do "direito à vida", não significa que ele o faça porque é o chefe da Igreja. Ele o faz porque é homem e assim como ele, todos os homens, de qualquer credo que for, devem também fazer. A moral católica vem reforçar a argumentação com os dados da Revelação e com o ensinamento infalível da Tradição. Mas não significa, de modo algum, que a defesa destes valores da vida humana seja uma "opção" de tal ou tal credo religioso. Portanto, o pecado existe para todos e se não houver uma conversão de tudo isso, em breve o castigo de Deus cairá sobre a humanidade.

 

Existe um direito à vida?

 

Costuma-se alegar como motivo para combater o aborto, o direito à vida. Os que assim argumentam costumam afirmar que a vida é um bem sagrado, um direito absoluto e o que há de mais importante para o homem. Apesar de compreender a boa intenção desta argumentação, não posso deixar de salientar que não me parece correto o argumento. É verdade que, estando vivos, existe um certo direito civil de desenvolvermos esta vida, de podermos viver em paz, de termos alimento para saciar a nossa fome etc. Mas este "direito" é da ordem civil, no trato entre homens dentro de uma sociedade. Mas quando argumentamos sobre aborto, eutanásia ou morte cerebral, estamos, antes de tudo, diante de Deus. E neste caso, devemos lembrar que recebemos a vida de Deus sem mérito algum da nossa parte. Existimos mas poderíamos perfeitamente não existir. E se não temos méritos, também não temos direitos. Antes, ao contrário, temos muitos deveres para com Deus e para com o próximo, seja ele a sociedade civil ou o padeiro da esquina. O que quero dizer é que nossa argumentação para condenar o aborto, o uso dos embriões, a eutanásia e tudo mais, é que estas coisas são crimes e pecados contra a Lei Santa de Deus, que foi inscrita nos corações de todos os homens, chamada Lei Natural; que foi explicitada na Revelação do Antigo Testamento, nos dez mandamentos, e que foi santificada pela doutrina salvífica do Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo. E para que serve uma doutrina de salvação? Para nos dar uma vida feliz e com saúde, como se costuma desejar? Não me parece. A vida para nós só pode ser um bem imenso e absoluto se estivermos falando da Vida Eterna! A vida, em si mesmo, não é sagrada. Ela faz parte da ordem natural. Torna-se sagrada pelo Santo Batismo, quando recebemos a vida sobrenatural, divina, dentro de nós, nos transformando e nos tornando aptos para a Vida Eterna. E é nela, na Beatitude de Deus, no Céu, na Visão beatífica que estaremos descobrindo no próprio Deus a razão de ser de tantos sofrimentos neste vale de lágrimas.

 

 

Razão, Paixão e Namoro

Dom Lourenço Fleichman OSB

Hoje eu queria lhes falar sobre um tema que tenho pensado e exposto em algumas conferências que andei fazendo por aí. Tema difícil e que eu tenho falado como em uma espécie de laboratório, de reflexão, captando aqui e ali as ponderações das pessoas sábias. É dentro desse espírito que eu lhes trago aqui. Meu intuito é tratar do assunto do namoro de forma racional, buscando as razões profundas que levam os homens a se comportar com respeito, na obediência à Lei de Deus. Não é suficiente, hoje, um padre dizer aos jovens: não façam isso ou aquilo. Quem quer entender, busque a verdade!   Leia Mais

 

Eutrapelia, a virtude da recreação

Catecismo familiar sobre as leituras e o modo cristão de divertir-se em geral.

A família sitiada

Relendo textos antigos sobre a Família

À medida que se aprofunda e, de social se torna cultural, a Revolução desloca seus ataques das instituições em escala nacional e da organização do Estado para a condição humana e a família. Mudar o próprio homem é o seu lema e o seu propósito. Pois, como observou Marcel Clément, se “a revolução política (a Rev. francesa) subverte essencialmente a ordem jurídica e se a revolução social (o socialismo) desagrega a ordem econômica, a revolução cultural “liquida” a ordem interior, espiritual, a fim de remodelar diretamente a alma humana sem qualquer escapatória” (Le Comunisme face a Dieu).
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