(No dia 11 de julho de 1937 encerrava-se em Lisieux o 11° Congresso Eucarístico Nacional da França com a consagração da Basílica dedicada a Sta. Teresinha.
O Papa Pio XI, devotíssimo da santa, tencionava pessoalmente presidir as cerimônias. Devido ao precário estado de saúde não conseguiu realizar o seu ardente desejo.
Enviou, então, como Legado Papal, o Cardeal Eugênio Pacelli, o futuro Papa Pio XII. Da admirável alocução do Cardeal Pacelli na consagração da Basílica destacamos o trecho onde enaltece Teresinha).
AS ROSAS PARA PIO XI
No alto da nova basílica, brilha a cruz triunfante iluminada pelo sol de junho. No alto do edifício espiritual é também a cruz que a vós se oferece na pessoa do Papa representada, aqui, por seu humilde delegado.
A cruz, porque “se todos que piedosamente querem viver no Cristo sofrem perseguição” são particularmente penosas para o coração do Pontífice atual e lhe arrancam queixas pungentes e solenes protestos as que, em diferentes países, sofrem seus filhos. Mas, nem a violência sacrílega das massas encegueiradas por falsos profetas nem os sofismas dos doutores da impiedade que desejariam descristianizar a vida de todos puderam vencer a resistência e aprisionar a palavra e a pena deste intrépido ancião.
No entanto, e bem o sabeis, fazem alguns meses que a seus sofrimentos morais somaram-se sofrimentos físicos. Nesses dias, a grande família católica por inteiro, de um extremo a outro do mundo, voltou-se com filial ansiedade para o leito de sofrimento do Pai comum prostrado por dores agudas suportadas com grandeza heróica e sobrenatural, com coragem viril e cristã. Cada manhã seus olhos acompanhavam os telegramas dos jornais; cada noite seus ouvidos abriam-se para o jornal falado difundido pelo rádio; pela manhã e à tarde e mesmo durante a noite uma oração constante partindo dos lábios e do coração de 300 milhões de fiéis animava o mundo a elevar-se, com o incenso de sacrifícios, diretamente ao coração de Deus. Invocava-se esse Coração divino pela intercessão de sua Mãe “a suplicante toda poderosa”, invocavam-se pela intercessão dos santos e das santas, sobretudo daqueles que parecem ser os canais das graças milagrosas. Assim foi principalmente ela a invocada, esta querida santa de Lisieux, por quem o Papa, e se sabia, sentia tão terna e confiante devoção. E veio a consolação depois da cruz. Quando a Igreja festejava a ressurreição do Senhor, a doença alivia o cerco e o Pontífice como que ressuscitando para uma nova vida, surpreende o mundo com a publicação quase simultânea de três Encíclicas.
Foi por um sentimento de especial gratidão para com a taumaturga de Lisieux que, não podendo comparecer pessoalmente, como desejaria, às jornadas festivas em sua homenagem, o Soberano Pontífice Pio XI fez-se representar por um embaixador especial: “Legatus a latere”, diz o que traduziríamos, nesta circunstâncias, como o mensageiro do seu coração tocado de indizível gratidão.
Esse embaixador que o Soberano Pontífice vos envia carregado de suas bênçãos paternais, ele não o quer de volta com as mãos vazias: “Traga-Nos três rosas de Lisieux, recomendou-lhe, que dizer três graças especiais que imploramos à querida Santinha. E não é trair a confiança e revelar-vos, para que imploreis com o Supremo Pastor, as três graças que ardentemente ele suplica. Permanecendo fiel ao gracioso símbolo que Sua Santidade escolheu, parece-me entrever Teresa do Menino Jesus cultivando, no Carmelo e para o Papa que a elevou aos altares, as três rosas que lhe pede. Vamos recebê-las de suas suaves mãos para levá-las à Sua Santidade.
Por primeiro a rosa vermelha rodeada de espinhos. Sim, é a imagem da primeira graça solicitada pelo Santo Padre: uma perfeita e filial conformidade com todos os desígnios de Deus mesmo que se cumpram no sofrimento.
Segundo, a rosa cor-de-rosa de pétalas rijas e numerosas, a primeira a abrir-se e a que ainda viceja nos dias de outono quando as outras já fenecem. Simboliza o desejo do Santo Padre de recuperar as forças e o vigor físico; não para fugir à dor, “non recuse dolorem”, mas para ainda trabalhar, “peto laborem”, com a magnífica energia que durante tantos anos pôs a serviço de Deus e do bem das almas!
Terceiro a rosa branca de cálice amplo e perfumado, a que justifica o seu título de rainha das flores, abrindo generosamente suas pétalas de veludo acariciante e imaculado, envolvendo-se de perfume ora vivo ora suave. Com essa magnífica flor permitimo-nos simbolizar o desejo do Santo Padre de santidade de vida e de zelo fervoroso para o clero secular e regular, chamando à salvação das almas a partir da própria santificação.
TERESINHA, TEMPLO DA LEI DE DEUS
Há um terceiro templo, uma terceira casa de Deus entre os homens que, certamente, não nos cabe dedicar ou consagrar Deus, já que Ele mesmo o fez, mas exaltar e glorificar no dia de hoje. Essa casa de Deus é a alma de vossa encantadora Santa Teresa do Menino Jesus.
Por humilde que fosse, por pequenina que desejasse ser, a alma da Santa Teresa foi um imenso e magnífico templo. Assim como a basílica que hoje se eleva em sua honra, ela abrigou, em si, a lei divina, a graça, a Eucaristia e podemos dizer, a totalidade dos fiéis, a Igreja. Foi, portanto, a casa viva de Deus entre os homens. “Ecce Tabernaculum Dei cum hominibus”. Já não sabemos que, segundo a doutrina do grande apóstolo São Paulo (1 Cor. 111, 16-17), cada um de nós é o templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em nós? “Nescitis quia templum Dei estis et Spiritus Dei habitat in vobis?... Templum Dei sanctum est, quod estis vos”. É esta a nossa grandeza e a nossa mais alta dignidade. Feitos à imagem e semelhança divina, trazemos na fronte um raio celeste que conservamos, mesmo decaídos, testemunha de nossa sublime origem e que nos torna belos e grandes no mundo material que nos rodeia; grandeza e dignidade que se projeta para além do tempo penetrando a eternidade; preciosa aos olhos de Deus pois custou o sangue de um Deus. É ela que lava e purifica nosso espírito; por ela nossas almas marcadas em íntima união com a graça e a caridade que o Espírito Santo transborda em nossos corações tornam-se o edifício espiritual construído nos alicerces dos apóstolos e dos profetas tendo por pedra angular o próprio Jesus Cristo: “Superrædificati super fundamentum Apostolorum et Prophetarum, ipse summa angulari lapide Christo Jesu” (Ephos. 11,20); sobre esta pedra fundamental todo edifício bem projetado eleva-se como templo santo para o Senhor, sobre ela somos transformados pelo Espírito em habitação de Deus: “In quo emnis ædificatio constructa crescir in templum sanctum in Domine, in que et vos coædificamini in habitaculum Dei in Spiritu” (Ephos. 11, 21-22), o Espírito de vida, de verdade de caminho para o céu.
Deus hoje habita em seus templos, dizíamos há pouco, não como naqueles em que outrora repousavam insensíveis e inertes as tábuas da lei antiga – mas pelos ministros do seu poder, pelos mandatários de sua jurisdição que em nossas igrejas promulgam sua Lei e sancionam sua observância. Assim essa lei divina aí permanece viva e atuante guiando as almas no caminho da retidão e da pureza fora dos quais a natureza fraca e corrompida não conhece senão descaminhos e vergonhas.
A Lei de Deus assim foi, viva e ativa, na alma de Teresa. Como a outra Virgem, de quem nos falam os Atos “que trazia sempre no peito o Evangelho do Senhor” Teresa trazia sempre presente em sua alma e seu coração, a Lei e os conselhos divinos de seu bem amado Jesus Cristo.
TERESINHA, TEMPLO DA DOUTRINA DE DEUS
Ela lhe conhecia os segredos muito além do que aprendera pela leitura e pelo estudo. Contudo, não descuidou de instruir-se. O mesmo Soberano Pontífice que nos diz: “Agradou-se a Divina Bondade dotando-a e enriquecendo-a de um dom de sabedoria excepcional” declara também: “Ela buscou fartamente nas lições de catecismo a pura doutrina da fé; a do ascetismo no livro de ouro da Imitação de Cristo; a da mística nos escritos de seu Pai, São João da Cruz. Sobretudo nutria seu espírito e coração na meditação das Sagradas Escrituras; e o Espírito da verdade ensinou-lhe o que habitualmente esconde aos sábios e aos prudentes e revela aos humildes. Ela adquiriu uma tal ciência das coisas sobrenaturais que foi capaz de traçar para os outros um caminho seguro de salvação”.
Traçar m caminho, um “caminhozinho”. Sua ciência das coisas divinas, em parte adquirida, em parte infusa, ela não a guardou para si. Disse: “Minha missão é de ensinar a amar a Deus como eu O amo e de entregar meu ‘caminhozinho’ às almas”. É este um dos mais maravilhosos ângulos dessa figura tão atraente: a carmelitazinha, que do fundo do seu convento dá lições ao mundo do nosso século tão orgulhoso de sua ciência. Ela tem uma missão; tem uma doutrina. Mas sua doutrina, como ela mesma, é humilde e simples; resume-se em duas palavras: “Infância espiritual” ou em sua equivalente: “Caminhozinho”.
Não temos nós o Evangelho ensinando-nos há vinte séculos que “o Reino do Céu pertence às crianças e aos que a elas se assemelham”? O mestre o disse; doutores e santos comentaram sua palavra; mas para confirmá-lo objetivamente, como de todos o mais claro e decisivo comentário, temos a aplicação literal e integral desse princípio na orientação de uma vida inteira que por este “caminhozinho” elevou-se, em poucos anos, à maior e mais alta perfeição.
É sobretudo por ele que Teresa ilumina e subjuga tantas almas. “Ela fascina o mundo pela magia do seu exemplo” diz Pio XI. Porque, depois de adquirir a ciência das coisas divinas, compreendeu o que Bossuet chama a “desgraça de toda ciência que não termina no amor”. Sua ciência de Deus levou-a a amá-Lo ilimitadamente do momento em que foi capaz de conhecê-Lo. Apesar de, desde os três anos de idade jamais haver-Lhe recusado qualquer coisa. Foi sobre um ato de amor que, despertou sua alma; foi sobre um ato de amor que se cerraram seus olhos e seu coração quando murmurou no último suspiro: “Meu Deus, eu vos amo!” No entanto o amor não terminava com a vida; sua mensagem e sua missão não terminariam também. “Sinto, dizia pouco antes de morrer, que minha missão vai começar”. É impossível à palavra humana descrever o alcance desta missão e dos seus resultados.
O gênio brilhante de Agostinho, a sabedoria de Tomás de Aquino, projetaram sobre as almas raios de indestrutível clareza; por eles, o Cristo e sua doutrina são melhor conhecidos. O poema vivido por Francisco de Assis mostrou ao mundo uma imitação, até então inigualada da vida de Deus feito homem. Por ela legiões de homens e mulheres aprenderam a melhor amá-Lo. Porém, uma carmelitazinha, apenas chegada à idade adulta, conquistou, em menos de meio século, incontáveis falanges de discípulos. Em sua escola os doutores da lei tornaram a ser crianças; o supremo Pastor a exalta e reza a seus pés em humilde e assídua súplica; e agora mesmo, de um extremo a outro do mundo, há milhões de almas beneficamente influenciadas pelo livrinho: A história de uma alma.
Tinha muita razão dizendo a nossa querida Santa: “Sinto que minha missão vai começar. Minha missão é dar meu ‘caminhozinho’ aos outros”.
TERESINHA, TEMPLO DA GRAÇA
A alma de Teresa, templo da lei divina, luminosamente conhecida, amorosamente observada e ardentemente ensinada aos outros, foi também a habitação da graça, isto é, do próprio Deus.
Lembrávamos há pouco: todo homem nascido, privado por triste herança das predileções divinas porém remido pela Incarnação e morte de Jesus Cristo, pode, pelo batismo, voltar a ser filho de Deus. Torna a sê-lo mesmo depois das quedas do pecado pessoal desde que, na sinceridade de sua vergonha e dor, recorra aos méritos infinitos da Redenção.
Tudo é mistério da graça, participação real porém invisível da invisível natureza de Deus. É o mistério dos Sacramentos, sinais sensíveis dessa graça. É o mistério da incorporação do cristão a Jesus Cristo e da habitação, em nós, das três pessoas divinas. Toda alma em estado de graça é a casa de Deus.
Ora, essa graça do batismo, não somente Teresa nunca a perdeu pelo pecado como ainda sempre aumentou o seu tesouro por atos de amor e por mais íntima união com Aquele que é o seu autor e seu princípio: “Meu céu, eu o encontrei na Santíssima Trindade que mora em meu coração prisioneira do amor”.
Era assim que gostava de cantar.
Apesar dessa misteriosa união com Deus escapar às nossas avaliações e pobres medidas humanas, sabemos que pode não somente existir ou desaparecer como aumentar ou diminuir segundo a resposta da alma às suas sucessivas influências. Ações poderosas mas tão suaves que são chamadas toques da graça; ações divinas mas tão respeitosas da liberdade humana que qualificam-nas de chamados. Enfim, ações que, mesmo atuando em nós em conseqüência de uma operação extrínseca, de um ato realizado independente de nós mesmos (ex opere operato) terão maior ou menor eficácia dependendo da colaboração que nossa alma lhes der.
É por esta razão que, se a plenitude da divindade não habitou senão em Jesus pela união pessoal com uma natureza humana, os santos doutores sempre se extasiaram contemplando a morada de Deus na Virgem-Mãe. Porque Ela, cheia de graça desde o momento de sua concepção imaculada, não cessa durante toda sua vida mortal de aumentar seu tesouro por uma conformidade perfeita do seu querer com o querer divino, por uma correspondência absoluta e incessante a todos os chamados de Deus.
Sem atingir as alturas que o Filho de Deus reservou a sua Mãe, estamos seguros que Ele permitiu uma familiaridade incomum a esta alminha de criança para a qual jamais existiu outro prazer e outro querer que não fosse o prazer divino. Se alguém me ama, disse Ele, guardará minha palavra e meu Pai o amará; e viremos a ele e nele estabeleceremos a nossa morada. Ecce Tabernaculum Dei cum hominibus.
TERESINHA, TEMPLO EUCARÍSTICO
Teresa foi um tabernáculo sobretudo por sua devoção eucarística. Como no templo material onde tudo existe em função do altar e do viático, assim na alma de Teresa, templo espiritual de Deus, o lugar de honra e de predileção sempre pertenceu a Jesus-Hóstia.
Quando pequenina, querendo participar das lições de catecismo e dos encontros piedosos de suas irmãs mais velhas dizia que “quatro anos não são demais para preparar a primeira Comunhão”.
Conheceis seu cândido amor pelas procissões do Santíssimo Sacramento quando, na alegria de atirar flores a Jesus cuidava de jogá-las bem alto para que, ao caírem, tocassem o ostensório. Sabeis que durante a preparação próxima da Primeira Comunhão pressentiu as alegrias secretas da vida conventual fazendo também a experiência do sacrifício, multiplicando as orações e os atos de renúncia. Em dois meses anotou num caderninho recebido de Carmelo o total de 818 sacrifícios e 2.773 aspirações ou atos de amor.
Sabeis, por fim, o que disse do seu primeiro encontro com Jesus-Hóstia: “Sim, foi um beijo de amor! Sentia-me amada e dizia: Eu te amo, eu me entrego para sempre! Jesus nada pediu-me, nem ao menos um sacrifício. Há muito tempo Ele e a pequena Teresa olhavam-se e compreendiam-se. Nesse dia, nosso encontro não foi um olhar mas uma fusão. Não éramos mais dois. Teresa desaparecera como a gota d’água no oceano. Jesus permanecia só”.
Sim, hóspede único na alma de Teresa, tabernáculo de sua escolha. Quem saberá as confidências trocadas no mistério desse tabernáculo? Eram ingênuas e ternas pois que o alimento substancial dos que a conhecem e lutam mas também o primeiro alimento dos pequeninos, o angélico bocado das almas de criança. Eram sérios e profundos pois que Teresa, à sua inocente e virginal ternura, somava imenso respeito pela Hóstia da qual procurava com o olhar as imperceptíveis parcelas na patena que volta à sacristia envolvendo-as de homenagens e chamando outras irmãs para adorá-las à espera do sacerdote que vinha recolhê-las. Eram sinais significativos já que numa época em que restos de jansenismo conservavam as almas sonolentas de um falso respeito que as distanciava da comunhão, Teresa sentia uma fome imperiosa deste pão cotidiano e consolava-se de sua privação forçada pelo aviso profético dos decretos salvadores que abriram para as almas o acesso à Mesa Santa. Eram íntimos e sublimes, inacessíveis à palavra pois que, desde a sua primeira Comunhão compreendeu o poder redentor do sofrimento humano unido ao sofrimento do Cristo e pede a Deus que “transforme em amargura qualquer consolação terrena”. Foi magnificamente ouvida. Seu caminhozinho, por ser coberto de rosas, foi ainda mais rico em espinhos: espinhos das dores físicas da doença, espinhos da incompreensão e, por vezes, da contradição, espinhos mesmo do aparente abandono do Bem Amado que, no leito de morte lhe arrancaria esta confissão: “É agonia pura, sem sombra de consolação”.
Em cada uma de suas sucessivas comunhões Deus fê-la aprofundar pouco a pouco mais o mistério da dor redentora. O amor que a devorava e sua sede de reparação dela fizeram uma hóstia viva unida à Hóstia perpetuamente oferecida. Da Hóstia divina parecia ter copiado a aparência exterior da brancura e fragilidade não apenas pela candura angélica de sua alma que lhe transfigurava a fisionomia mas também pela palidez de seus traços desfeitos. Estava no fim de suas forças, gravemente enferma quando, um dia, arrastou-se até a capela para a missa e a comunhão; como uma irmã apiedava-se vendo-a tão fraca replicou: “Não acho que seja muito sofrimento para ganhar uma comunhão”.
Assim foi, a vida inteira, o que desejara ser quando visitara a santa casa de Lorette: “O templo vivo de Jesus”.
TERESINHA, TEMPLO DA IGREJA UNIVERSAL
Um último traço fazia da alma de Teresa a casa de Deus, Templo da lei e da doutrina divina, templo da graça sobrenatural, tabernáculo vivo de Jesus-Hóstia, ela era também, pela amplitude dos seus desejos, o templo da Igreja Universal; “Ecclesia Dei”. Escutemos o que ela mesma diz de suas ações de graça:
“Imagino minha alma como um terreno disponível e peço à Virgem Maria que dele remova os detritos das imperfeições; a seguir peço que Ela mesma nele erga uma grande tenda digna do céu e a guarneça de seus enfeites. Convido os anjos e santos para que venham cantar cânticos de amor. Parece-me, então, que Jesus fica contente vendo-se magnificamente recebido e eu compartilho de sua alegria”.
Eis a Igreja triunfante descendo à alma de Teresa. Veremos nela a Igreja padecente? Sem duvida, pois que dela não poderia Teresa desinteressar-se. Todavia, estas almas já ao abrigo do pecado e próximas da visão beatífica pareciam-lhe mais objeto de inveja que de pena: “Não quero, dizia ela, que peçam a Deus para me livrar das chamas do purgatório. E Santa Teresa d’Ávila declarava às suas filhas que queriam por ela rezar: ‘Que importa ficar, até o fim do mundo, no purgatório se por minhas orações posso salvar uma única alma?’”.
A Igreja militante sempre existiu na alma de Teresa pela união de solidariedade que une todas as almas em estado de graça, como membros de um mesmo corpo. Porque devem ser e são inseparáveis os membros que participam de uma só e única vida: ora, nossa vida é o Cristo, a graça de sua Redenção sangrenta tornada sangue espiritual de nossas almas.
Contudo, a massa branca dos eleitos não satisfaz Teresa e o templo de seu zelo projeta-se mais além. Porque o Cristo morreu por todos os homens ela desejaria salvá-los, a todos. Assim como Paulo de Tarso, não podia pensar sem lágrimas de dor que “o Cristo tem inimigos”; e como Francisco de Assis não se resignava vendo que “o Amor não é amado”.
Eis porque salvar almas conduzindo-as ao conhecimento e ao amor de Jesus Cristo foi sua mais ardente aspiração. “O amor de Deus, o amor de Jesus, dela dirá Pio XI, inspiravam-lhe magníficos gestos de apóstolo e de mártir”.
Desejou o carmelo de Hanói para estar mais próxima do terreno missionário. E sua vida passa-se em Lisieux, na oração e no silencio. Muitas vezes nossos olhos detiveram-se sobre a sacristia aparentemente absorvida em preparar o cálice e o missal para a missa da comunidade. Facilmente acreditaríamos que seus horizontes espirituais limitavam-se aos muros brancos da capela ou, no máximo, aos da clausura que limita os jardins silenciosos do convento. Como nos enganaríamos!
Quando no Natal de 1886 iniciou o que chamava o terceiro período de sua vida, “o mais belo de todos, o mais cheio de graças do céu”, Jesus maravilhosamente transforma essa vida espiritual já inteiramente votada a seu serviço, ou fazendo de Teresa, segundo ela mesma diz, “um pescador de almas”. Na muda contemplação das mãos divinas trespassados por nós e tantas vezes derramando seu sangue inutilmente sobre a terra, compreendeu, um dia, a grito ansiado do Redentor: “Tenho sede!” “Desde então, diz ela, desejei dar de beber ao Bem Amado; senti-me devorada pela sede de almas... e quanto mais Lhe dava a beber mais aumentava a sede de minha pobre alminha e recebia essa sede ardente como minha recompensa”.
Refletindo sobre o dia 8 de setembro quando, segundo suas próprias palavras, tornou-se “a esposa do Rei dos céus” acrescentava: “Seu único objetivo era salvar almas sobretudo almas de apóstolos. A Jesus, seu divino Esposo pedia para si particularmente o ter uma alma apostólica. Não podendo ser sacerdote desejou que, em seu lugar, um sacerdote recebesse os dons do Senhor e que sentisse os seus desejos”.
Bem sabia que, se as aspirações e desejos dos missionários podiam ser os seus, sabia também que os meios de ação deveriam ser diferentes: “Para eles, as armas apostólicas; para mim, a oração e o amor... Trabalhar para a salvação das almas é o objetivo que me levou a ser carmelita. Não podendo ser missionária pela ação quis sê-lo pelo amor e pela penitência”.
Começou ainda criança. Sua primeira conquista, lembrai-vos, foi um celebre condenado à morte. Não acabou nunca de rezar e de se imolar pelas almas: sua última comunhão, dia 19 de agosto de 1897, na festa de Santa Jacinta, foi oferecida por um bem conhecido apóstata.
Entre essas duas comunhões, quantas outras almas teria salvo durante a sua vida, pelo sacrifício e pela oração? Só Deus sabe e esta será sem dúvida, uma de nossas maravilhosas surpresas, no céu.
Mas, ainda era pouco para o seu amor. “Gostaria de salvar almas mesmo depois de minha morte... Desejaria ter no céu o mesmo que na terra: amar Jesus e fazê-Lo amado. Espero não ficar inativa lá em cima. Meu desejo é ainda o de trabalhar pela Igreja e pelas almas. É o que peço ao bom Deus e estou certa que me ouvirá”.
O que se seguiu à sua morte, canta pelo mundo inteiro o quanto Ele há quarenta anos a ouve e ouvirá sempre. A epopéia de suas conquistas apostólicas orquestradas pela voz das nações, ecoa de um pólo a outro; a santa Igreja, ela mesma, modulou o tema e ritmou o compasso abreviando todos os prazos canônicos para elevar Teresa aos altares e proclamando – a pequena contemplativa morta aos 24 anos! – Padroeira universal das Missões.
Como sois grande, pequenina Santa! E numerosa é vossa família espiritual. Sois grande, pequenina alma! Pequeno tabernáculo de Deus vivo entre nós, tornaste-vos o refúgio da humanidade que reza, que sofre, que milita e que cada dia a vós recorre!
Nos hinos que em vosso louvor se elevam parece-me ouvir um eco daquele que cantava Isaías à glória da nova Sion: “Gritem de alegria... transbordem de satisfação! Conquistem o espaço e ampliem muito a tenda. Não lhe neguem o aumento. Soltem-lhe as cordas e que os piedosos as sustentem. Porque te expandirás à direita e à esquerda; e tua posteridade tomará posse das nações e povoará as cidades desertas”.
Cada dia vós acolheis, ó Teresa! Legiões de crianças que vos consagram sua inocência, virgens que vos seguem na clausura, doente a quem dais ou saúde ao corpo ou o admirável heroísmo de vossa conformidade com o querer do Amor misericordioso. Sois vós que sustentais os missionários nas fadigas e decepções de seu apostolado distante; vossa imagem trouxe-lhes o sorriso na frigidez dos “isbas”, na aridez das choupanas, na imensidão dos desertos de areia, dos oceanos e até nas nuvens e nas alturas do firmamento.
Pequeno templo de Deus, sois o templo imenso de uma humanidade conquistado por vós. Ecce tabernaculum Dei cum hominibus.
(Tradução de Maria Helena Pinto Fraga).