Pe. Xavier Beauvais - FSSPX
Há em nossos tempos um demônio que nos interessa e que temos o máximo interesse em combater: o demônio mudo, o respeito humano. Como podemos defini-lo?
Dá-se o respeito humano quando um indivíduo, numa ação ou omissão, ao invés de expressar concretamente a sua personalidade e tudo o que ela comporta de idéias, crenças, afeições e sentimentos, leva em consideração a mentalidade dos que o rodeiam e adapta a sua atitude pessoal a ela, de modo a evitar o disse-me-disse, o deboche, os gracejos e críticas de todo tipo. Numa palavra, é culpado de respeito humano quem respeita os homens mais do que a Deus, quem respeita o sentimento geral mais do que a verdade, quem respeita a moda mais do que a moral. Não se pode tornar-se mais escravo, não se pode rebaixar-se mais, nem se tornar mais abjeto e, no fundo, lastimável, do que respeitando tais coisas mais do que a Deus, a verdade e a moral.
É preciso ser de seu tempo, dirão alguns. Não é essa uma maneira bastante hipócrita de se esconder um profundo respeito humano? Seria preciso citar sobre esse tema páginas inteiras de Abel Bonnard:
“Os imbecis jactam-se de serem do seu próprio tempo: isto prova que são dele. A verdade é que escapamos à nossa época à medida que desenvolvemos a nossa pessoa. É isto que torna tão cômicos os que, briosos, nos anunciam que são do seu tempo, que o querem ser; isso significa que se atam a si mesmos no fio do telefone, que se fazem servos das máquinas que deveriam servi-los, que vivem segundo um ritmo que lhes é imposto. Orgulham-se de fazer o que se faz, de correr aonde se corre, de comprar o que se vende, de pensar o que se diz, de se vestir segundo a moda do tempo; não se poderia proclamar com maior glória a própria inexistência. Não se adaptar, eis aqui, segundo penso, a verdadeira divisa das almas fortes. Os seres fortes não se adaptam, eles se afirmam.”
Escreveu o Papa Pio XII:
“Nada fere mais a alma do que ver que, de ordinário, não é tanto a presença de elementos perversos o que torna doentio e pernicioso o lugar do trabalho profissional, e sim o respeito humano. Respeito humano dos jovens, alguns dos quais dão-se ares desenvoltos e zombam de tudo o que toca a religião e os bons costumes, enquanto outros seguem usos inconvenientes, sem ter a coragem de reagir, e assim os vemos estabelecer tristes usos de linguagem, de familiaridade, de licença, que fazem tremer. Se tudo isso é verdadeiro e lamentável na juventude, ainda mais deplorável em seus efeitos se torna o respeito humano em homens maduros, que poderiam tão facilmente se opor ao mal, corrigir um abuso com elegância, impedir uma imprudência indecente, mudar o rumo de uma conversa que da leviandade dirige-se para a obscenidade. Mas eles não o ousam. E por que não? Porque o respeito humano é como o medo, como o pavor do escuro das criancinhas. E eis então o espetáculo tristemente paradoxal: todo um ajuntamento de homens, de mulheres, de moços, de moças, transforma em lugar de perdição o santuário do trabalho, enquanto que cada um deles, desgostoso no fundo do coração do que vê, do que escuta, da falta de dignidade e de caráter do ambiente, e sobretudo de si mesmo, de sua própria covardice e pusilanimidade, poderia, com uma palavra oportuna, com um olhar severo, um sorriso de reprovação, e mesmo com uma pilhéria, purificar a atmosfera viciada, seguro de lançar-se a empreitada com a aprovação dos pais e das mães, a confiança respeitosa e mesmo o reconhecimento filial daqueles moços e adolescentes.”Não seria difícil listar passagens dos Evangelhos em que se impõe aos fiéis a obrigação de agir, não em consideração do que possam os outros pensar ou dizer, mas sim à vista dos deveres impostos pela reta consciência.
Em suas palavras, Nosso Senhor condena não só a hipocrisia, mas igualmente essa atitude de respeito humano. Obriga mesmo, em certas circunstâncias, aqueles que o seguem a confessá-lo perante os homens, ainda que advenham inconvenientes: “Digo-vos mais: Todo aquele que me confessar diante dos homens, também o Filho do homem o confessará diante dos anjos de Deus. O que me negar diante dos homens, será negado diante dos anjos de Deus” (Lc 12, 8-9).
São Paulo Apóstolo recordou esse dever em muitas passagens, e ele mesmo mostrou-se bastante escrupuloso em segui-lo, sobretudo porque sua vocação especial ao apostolado implica uma obrigação particular de anunciar o Evangelho sem temer as conseqüências: “Em verdade, eu não me envergonho do Evangelho” (Rom 1, 16). Ele quer que os fiéis em geral, mas sobretudo os que ele constituiu chefes da Igreja, sigam o seu exemplo: “Portanto, não te envergonhes do testemunho de Nosso Senhor, nem de mim, seu prisioneiro, mas participa comigo dos trabalhos do Evangelho, segundo a virtude de Deus” (2Tim 1, 8).
O elogio que dirige aos corajosos comporta também uma nota de desdouro para aqueles que não o foram tanto. Essa exortação do Apóstolo, de que é preciso saber confessar sua fé quando surge a ocasião, ou ao menos não se envergonhar do Evangelho, foi sempre mantida pela Igreja. Em tempos de perseguição, ela jamais admitiu que seus filhos fraquejassem, jamais considerou que o temor das pressões externas servisse de escusa para a covardia. Em 1635, por exemplo, a Congregação para a Propagação da Fé, em Roma, lembrava aos missionários em países islâmicos que não era permitido batizar aqueles que, temendo incorrer em perigos, não se dispunham a professar sua fé exteriormente. Passado mais de um século, a mesma congregação protestava contra a atitude dos católicos que, em terras infiéis, assistiam aos ofícios, mas, por temor aos estrangeiros que assistiam por curiosidade as cerimônias, evitavam todos os sinais que pudessem trair suas convicções interiores.
Finalmente, o próprio Direito Canônico exprime de modo categórico a obrigação que incumbe a todos os católicos de professar exteriormente a sua Fé em dadas circunstâncias. Prescrições severas, julgará o católico moderno, impregnado de laicismo, desta verdadeira traição a Jesus Cristo que é o vírus da laicidade. Contudo, estes princípios da Igreja são muito razoáveis. Ora, aquele que, por temor do sentimento das testemunhas, não professa sua Fé, diminui-se moralmente, pois renega a si mesmo no seu coração, no seu espírito e na sua vontade. Rebaixa-se intelectualmente, pois contraria a Fé, a doutrina da Fé que aprendeu a conhecer e à qual aderiu. Desdenha seus mais profundos sentimentos, aquilo que ama. Finalmente, usa mal da sua liberdade, pois ao invés de escolher o que serve para o seu bem moral, dispersa seus esforços no sentido oposto.
Fala-se muito hoje em dia em distensão da personalidade, em relaxar: é aqui o lugar do respeito humano, a um tempo negação prática e ato pecaminoso. Ao invés de manter-se fiel aos seus deveres religiosos, o sujeito desvia-se do bem soberano e considera apenas o seu interesse humano e sua tranqüilidade pessoal. De resto, quem cede freqüentemente ao respeito humano expõe-se ao risco de perder a Fé. A prática exterior da religião é uma proteção ao assentimento interior. Ceder por respeito humano a todas as modas intelectuais e morais significa muitas vezes dinamitar as proteções interiores, engendrando a diminuição da Fé até sua completa ruína.
O medo de mostrar-se cristão exteriormente conduz, a longo prazo, a uma atonia da vida religiosa, com sua conseqüência quase fatal: a dúvida, de início admitida timidamente, em seguida instalando-se definitivamente e minando o assentimento dado ao conjunto das verdades ensinadas pela Igreja. Essa covardia é culpável principalmente por servir de ocasião de escândalo e pedra de tropeço para almas fracas, testemunhas do ato positivo ou negativo ditado pelo respeito humano. O respeito humano é igualmente uma falta para com a Igreja, cuja unidade exterior pode ser comprometida por aquele que não ousa afirmar concretamente as suas convicções. Sua influência exterior, de todo modo, se vê seriamente impedida por isso. Ao invés do contágio benfazejo do exemplo, vê-se produzir o fenômeno inverso; a moleza de alguns avança pouco a pouco e acaba por tomar conta da massa. O pequeno rebanho começa a definhar.
Finalmente, o respeito humano é um ato de irreverência diante de Deus, uma vez que a opinião humana é anteposta ao julgamento divino do Mestre de todas as coisas. A honra devida a Deus certamente exige que a profissão da Fé católica seja, em dados momentos, não apenas privada, mas também pública, sejam quais forem os perigos que possam ameaçar aqueles que permanecem exteriormente fiéis às suas convicções. Aqui, as hesitações, as ambigüidades não são toleráveis, sobretudo quando se trata de se afirmar perante o poder estabelecido.
Essa disposição malsã do respeito humano é freqüentemente ocasião de lamentáveis omissões, mas também leva a atos pecaminosos. É assim que, por respeito humano, muitos se deixam associar mais ou menos timidamente a conversações anti-religiosas que degeneram em zombarias, quando não em blasfêmias. É certo que, sob nenhum pretexto, é permitido praticar atos positivos contrários à lei divina: quaisquer que sejam as circunstâncias atenuantes que ela concede aos cristãos que, por temor, se tenham tornado culpáveis de atos exteriores de idolatria, a Igreja sempre os considerou como lapsi, e sua disciplina foi bastante severa no que lhes concerne.
Precisemos, contudo, que certas circunstâncias podem autorizar um católico a omitir certas práticas prescritas na lei eclesiástica. Se não somos nunca autorizados a negar nossas convicções por atos positivos, não estamos obrigados a exibi-las em certas circunstâncias. Pode mesmo ocorrer casos em que a jactância, a fanfarronice, o desejo de exibir-se sejam mais nefastos à causa que servimos. Mas não é isso o mais freqüente.
Como tão bem escreveu o Pe. de Chivré:
“A nova liturgia gasta seu tempo envergonhando-se da divindade de Cristo, envergonhando-se da sua diferença dos homens: atenua a sua transcendência em textos que já não ousam conservar-lhe o lugar. Envergonha-se de Cristo, sugerindo a todo o tempo e em toda a parte uma hesitação em reconhecer que Ele é o Juiz Soberano, ainda que não ouse negá-lo. Envergonha-se dele escamoteando a razão principal da sua morte: um sacrifício de expiação.
“É, pois, chegada a hora de uma coragem espiritual obrigatória, até às aparências de desobediência que não são outra coisa que uma magnífica obediência a Nosso Senhor Jesus Cristo.
“Tenhamos um único medo no mundo, o de sermos mudos até a apostasia.”
(L’Acampado, 113. Tradução: Permanência)
Pe. Xavier Beauvais, FSSPX
Nosso glorioso arcanjo recebeu do Senhor uma multidão de privilégios na Igreja triunfante. Seu amor pelos anjos o faz merecer o belo título de "Pai dos anjos ”, porque, segundo São Jerônimo, no céu, os anjos que cuidam de outros anjos, são chamados de pais dos anjos. O dever de um pai é alimentar seus filhos. O célebre arcanjo, zelando pela honra de Deus e da salvação dos anjos, alimentou-os com caridade, protegeu-os do veneno do orgulho.
É por isso que os anjos o reverenciam e o honram como seu pai. Ele os apoiou e os salvou da perdição. E como pai extremoso, ele os alertou para não se deixarem cegar pela idéia de uma revolta, e os confirmou na fidelidade a Deus. Ele pode lhes falar como São Paulo falava aos primeiros cristãos: "Eu vos gerei na fidelidade e reconhecimento para com o Criador, na firmeza, na fé aos mistérios revelados, na coragem de resistir à tentação de Lúcifer”.
A grandeza do glorioso São Miguel se manifesta também pelo fato dele ter sido no céu, o apóstolo dos anjos. Santo Tomás e São Boaventura pensam que os anjos de uma ordem superior instruem, iluminam e comunicam no céu as suas perfeições aos anjos de uma ordem inferior. Eles os instruem, ao lhes fazer conhecer o que que não conheciam; eles os iluminam ao lhes comunicar sua maneira mais perfeita de conhecer; eles se tornam mais perfeitos, ao tornar mais profundo seus conhecimentos. Assim como na Igreja há apóstolos, profetas e doutores para iluminar e para aperfeiçoar os fiéis, da mesma forma, há entre os anjos várias ordens para que os superiores sejam guia e luz para os inferiores. A nota particular de São Miguel é a de iluminar os anjos. Ele o fez quando Lúcifer quis conduzi-los ao pecado da revolta, tendo já havia conseguido convencer um grande número deles a atribuir a si próprios e não a Deus, a grandeza e a magnificência de suas naturezas, e a se julgarem capazes de desfrutar da bem-aventurança eterna sem o auxílio divino. Houve uma luta nos céus: Lúcifer de um lado, cheio de orgulho junto aos anjos rebeldes, desejando ser semelhante a Deus, seduzindo e liderando em seguida uma grande parte das tropas angelicais sob o estandarte da revolta, proferindo seu grito de guerra contra Deus, com o propósito de derrubar seu trono. São Miguel, por sua vez, chefiou os anjos e gritou: "Quem é como Deus?", ou seja, quem é tão ousado a ponto de pretender se assemelhar a Deus?
São João chama este combate de "uma grande guerra", grande pelo local onde ocorreu, pela qualidade dos combatentes, por seu número e motivo.
Esta guerra foi declarada para derrubar Deus de seu trono e pela recusa a reconhecer ao Filho de Deus na encarnação futura. Guerra cujo resultado será a vitória de São Miguel e a precipitação dos anjos rebeldes nos abismos.
Pai dos anjos, Apóstolo dos anjos, Chefe da milícias angélica ... Depois de Lúcifer ter caído do céu por seu pecado de orgulho, São Miguel ocupa o seu lugar e torna-se o chefe dos anjos bons, como Lúcifer se tornou o chefe dos anjos rebeldes. É por isso que a Igreja chama São Miguel de "o chefe da milícia celeste”, ou, como São Luís de Gonzaga: "O capitão invencível dos exércitos celestiais" e novamente, chefe dos chefes dos anjos, de acordo com a palavra de o arcanjo Gabriel ao profeta Daniel. "Miguel, primeiro dos principais chefes ”. A Sagrada Escritura nos prova por fatos essa primazia.
São Miguel ordena ao arcanjo Gabriel de explicar a visão a Daniel. Este último obedece imediatamente, embora seja um dos maiores entre os espíritos angelicais. Por este primado, São Miguel supera em dignidade a todos os anjos e a todos os reis da Terra. São Miguel exerce sua primazia sobre os nove coros dos anjos.
Ele reina não apenas sobre as nações, sobre os humanos, mas também sobre o coro dos anjos. Deus, na verdade, marcou São Miguel com o selo de sua grandeza.
Ele também é o Patrono dos anjos da guarda. A autoridade de São Miguel é tão extensa que cabe a ele dar para os homens os anjos da guarda, como escreveu São Bruno. Ele possui esse encargo por duas razões: primeiro por ser o chefe de todos os anjos e o vigário de Deus -- é por isso que governa os anjos e dá a cada um deles ofício e ministério. Segundo por ter recebido o governo dos homens e dever, portanto, defendê-los, protegê-los por meio dos anjos da guarda. É com grande amor que São Miguel guarda os fiéis, aqueles que vivem de acordo com a fé. Desde o nosso nascimento ele designa um anjo encarregado de guardar e defender nossa própria pessoa, de todos os males físicos e morais (com o concurso nossa cooperação). Devemos respeitar sua presença e ouvir a sua voz, encarregado que são também de nos guiar.
Enquanto o demônio, no dizer de São Pedro, ainda ronda ao redor de nós como um leão faminto, procurando por sua presa e tentando devorá-la, São Miguel, pai atencioso e amigo vigilante está sempre pronto para o combate, envia os anjos para repelir o inimigo infernal e seus ataques. O afeto dele para os fiéis, supera o dos anjos, porque cuida de todos os homens, e, não contente em enviar os anjos, ele próprio cuida das necessidades particulares de cada um. Ele dá ordem aos anjos para tomarem a defesa dos fiéis, aquele que Daniel chama de "vigilante".
Cabe-nos, portanto, implorar incansavelmente a ajuda de nosso grande arcanjo São Miguel, para uma renovação nacional.
A França, que tantas vezes foi-lhe consagrada, não perdeu o benefício desta consagração. É uma devoção eminentemente católica, como disse o Bispo de Bois de la Villerabel, e profundamente francesa.
São Miguel, é a indignação, a rebelião da inteligência e do coração em face daquilo que nem razão nem o coração pode admitir sem negar a si mesmo. Ele é aquele que nos defende na luta pela fé, na luta pela nossa identidade católica e nacional. -- São Miguel, defendei-nos no combate para não perecermos na hora do juízo.