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Category: Felix Otten, O.P.Conteúdo sindicalizado

A Igreja concluiu pela veracidade da Assunção baseado no seu ensinamento sobre a Imaculada Conceição?

Prof. Felix Otten, O.P., e C.F. Pauwels, O.P.

A Assunção de Maria é um dogma católico, ainda que a Bíblia não diga nada sobre ela. A Igreja concluiu pela veracidade da Assunção baseado no seu ensinamento sobre a Imaculada Conceição?

A Igreja Católica fala da Assunção de Maria ao Céu em contraste com a Ascensão de Cristo. Ao usar linguagem diferente para classificar esses eventos, a Igreja quer indicar, claramente, que Maria não ascendeu ao Céu de corpo e alma por suas próprias forças. Ao invés, a Assunção de Maria é um privilégio especial, conferido a ela pelas forças de Deus, de que ela fosse levada ao Céu de corpo e alma. Essa doutrina, há muito aceita pelos católicos, não era chamada de dogma em sentido estrito por séculos porque ela não havia sido solenemente formulada, estabelecida e promulgada pelo Magistério infalível, assim como a doutrina da Imaculada Conceição de Maria por exemplo.

Porém, no dia 1º de novembro de 1950, o Papa Pio XII, solenemente, proclamou o dogma da Assunção da Bem-Aventurada Virgem Maria. Antes disso, a Assunção era apresentada aos católicos pelo magistério ordinário da Igreja, ao qual os católicos não podem se opor. O reconhecimento histórico da Assunção é confirmado pela antiquíssima festa dada a esse evento no dia 15 de agosto, e pelo fato de que essa festa era celebrada por cristãos gregos e siríacos durante os séculos primordiais da Igreja.

Sem sombra de dúvidas, é verdade que a Assunção de Maria não é mencionada na Bíblia. Mas a Igreja Católica também ensina que há duas fontes das quais ela extrai a revelação de Deus, a saber, a palavra escrita de Deus, as Sagradas Escrituras, e a Santa Tradição. A Igreja conhece a Assunção de Maria através da Tradição.

Não se pode dizer, em sentido estrito, que a Assunção de Maria é consequência de sua Imaculada Conceição, ainda que essa graça especial lhe tenha dado uma dignidade única entre todos aqueles que já viveram. Fez-se uma comparação com a condição na qual os primeiros humanos viviam antes da queda, mas essa comparação não se sustenta. Pois Adão e Eva haviam sido criados num estado de graça santificante, mas seu privilégio de estar livres do sofrimento e da morte e de ser levados ao Céu sem morrer não vinha como consequência da posse dessa graça santificante.

E embora se possa dizer que Maria recebeu o dom que as primeiras pessoas puseram a perder para todos os seus descendentes, a saber, que ela foi concebida sem pecado original e possuía, imediatamente, a graça santificante, ela não recebeu todos os dons preternaturais que Adão e Eva possuíam. Afinal de contas, ela não esteve livre do sofrimento durante sua vida terrena.

É claro, a morte de Maria não foi uma punição por seus pecados, pois ela jamais havia pecado; foi, apenas, um resultado normal de seu corpo se esgotando e de suas forças diminuindo. Deus não dispôs as coisas de modo que Maria fosse isenta dessa lei da natureza. Por quê? Não sabemos com certeza. É, porém, provável que, no seu sofrimento e na sua morte, Maria refletia o sofrimento paciente de seu Filho e, portanto, foi um exemplo para nós.

Se Cristo sabe tudo, como pode dizer que não sabe o dia do julgamento?

Cremos que Cristo, como a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, sabe tudo, pois Ele é Deus. Então como Ele pode dizer que não sabe o dia do Julgamento, mas apenas o Pai?

As palavras nas quais essa dificuldade se baseia podem ser encontradas no Evangelho: “A respeito, porém, desse dia ou dessa hora, ninguém sabe, nem os anjos do céu, nem o Filho, mas só o Pai” (Mc 13, 32).

Essas palavras podem ser explicadas de duas maneiras, que refutam essa aparente dificuldade levantada na pergunta.

Primeiro, poderíamos salientar que Deus Filho, que se tornou homem, fala aqui não enquanto Deus, mas enquanto homem. Concluímos disso que Ele está falando sobre o conhecimento que tem enquanto homem. Pois Cristo, que era Deus e homem, tem um conhecimento perfeito, infinito, enquanto Deus; mas, enquanto homem, é claro, Ele possuía um tipo de conhecimento diferente, não sabendo, assim, tudo que sabia enquanto Deus.

Poderíamos dizer que Cristo fala aqui do mesmo modo que quando fala que o Pai é maior que Ele: que fala de sua natureza humana e de seu conhecimento humano, e que Ele, portanto, meramente indica que não sabe o dia do Julgamento enquanto homem.

Essa explicação, porém, foi rejeitada por um decreto do Santo Ofício em 05 de junho de 1918; portanto, devemos crer que, mesmo enquanto homem, em virtude de seu conhecimento humano, Cristo sabia todo o passado, presente e futuro; e, portanto, também conhecia o dia do Julgamento. É por essa razão que fazemos melhor em aderir à explicação tradicional que Santo Tomás de Aquino nos dá: Cristo não sabia o dia e a hora do julgamento com scientia communicabilis, isto é, com um conhecimento que poderia compartilhar com os outros. Foi por isso que disse que não sabia. Afinal de contas, nós também podemos responder a perguntas inadequadas sobre coisas que não podemos revelar dizendo: “Eu não sei”.

Com essas considerações, podemos dizer que os apóstolos demostraram uma curiosidade inadequada sobre o dia do Julgamento. E, portanto, Cristo indicou que o dia e a hora permaneceriam desconhecidos até que o Pai os tornasse conhecidos.

Como conciliar a doutrina do pecado original com a justiça divina?

Por Prof. Felix Otten, O.P., e C.F. Pauwels

Pergunta: Como o pecado oirginal pode ser conciliado com a justiça divina? Afinal de contas, em razão do pecado original, somos culpados de algo que não fizemos por conta própria, mas que foi feito por Adão nos primórdios da criação.

Resposta: Sabemos da Bíblia que Deus criou as primeiras pessoas em um estado de felicidade. Ele lhes deu os grandes privilégios de ter uma alma e um corpo. Acima de tudo, Ele direcionou o homem para um fim sobrenatural, isto é, a salvação eterna, que consiste na visão beatífica de Deus. Como meio de atingir esse fim sobrenatural, o homem recebeu de Deus a graça santificante, fazendo-o filho adotivo de Deus com direito ao céu como herança.

Esses e outros privilégios, tanto na ordem natural quanto na sobrenatural, foram dados ao homem como um dom totalmente imerecido. Tudo isso foi dado não apenas às primeiras pessoas pessoalmente, mas, nelas e através delas, a todos os seus descendentes, isto é, a todos aqueles que descenderiam deles por nascimento. Mas as primeiras pessoas tiveram de se mostrar dignas desses grandes privilégios através de uma fiel aliança com Deus e da obediência aos Seus mandamentos, a saber, a lei natural e, especialmente, o mandamento específico: não comer do fruto proibido.

Afinal de contas, Adão foi não apenas o ancestral natural de todas as pessoas, mas também foi nomeado por Deus como a cabeça moral, isto é, o representante de toda a humanidade no que diz respeito à graça santificante e à salvação eterna no Céu. Adão carregava a vida da humanidade, não apenas a física e natural, mas também a sobrenatural. Se ele continuasse a obedecer o mandamento de Deus, seus descendentes seriam felizes; se ele se tornasse infiel ao mandamento de Deus, a humanidade, nele e através dele como seu representante, tornar-se-ia infeliz.

Nós sabemos o que aconteceu. Portanto, a vida sobrenatural da humanidade foi profanada pelo representante da humanidade: Adão. E daí adveio que as pessoas que nascem sem a graça sofrem não apenas uma perda, mas um roubo. Todos os que descendem de Adão deveriam ter tido um bem que foi roubado. Isso deixou a natureza humana em um estado de desespero espiritual, que chamamos de pecado original.

Esse pecado original não é contrário à justiça de Deus. Afinal de contas, um príncipe, também, pode elevar um camponês e toda a sua família à nobreza, mas apenas sob condição de que essa pessoa sirva o príncipe fielmente. Se ele não servir, ele perde a nobreza não apenas para si, mas também para todos os seus descendentes. Esses descendentes poderiam acusar o príncipe de ser injusto porque nasceram sem nobreza? É claro que não! Devemos, portanto, prestar atenção a isto: por causa do pecado de Adão, só foram perdidos os bens aos quais não tínhamos direito. A natureza em si, com seus dons naturais, sobreviveu à destruição do pecado.

É melhor, portanto, darmos mais atenção ao amor ilimitado de Deus, que nos deu um Redentor, Cristo Nosso Senhor, e que, assim, tornou o pecado de Adão -- conforme à palavra de Santo Agostinho -- uma felix culpa, uma culpa feliz. Esse pecado foi feliz no sentido específico de que ele nos trouxe a bênção da Redenção.

The Angelus, Março-Abril de 2020

 

Se Deus é a causa de tudo, como podemos ser livres?

Por Prof. Felix Otten, O.P., e C.F. Pauwels

 

Nota do editor: este artigo é o segundo de uma série de respostas concisas a perguntas e objeções contrárias à fé católica frequentemente encontradas. As perguntas e respostas foram adaptadas da obra “As Dificuldades Mais Frequentemente Encontadas” (em inglês: “The Most Frequently Encountered Difficulties”), do Prof. Felix Otten, O.P., e C.F. Pauwels, O.P., publicada originalmente em holandês em 1939. 

 

Pergunta: A Igreja Católica ensina que o homem é livre e, ao mesmo tempo, que Deus é a causa de tudo. Se é assim, então não seria Deus a causa de nossa vontade? E, se Deus sabe, de antemão, o que vamos fazer e até mesmo causa o que vamos fazer, então como podemos ser livres?

Resposta: Pessoas que fazem perguntas dessa natureza, normalmente, estão equivocadas quanto ao conceito de “causa”. Um tratamento científico completo dessa pergunta demandaria treinamento filosófico profundo; portanto apenas alguns comentários serão feitos aqui.

A afirmação “Deus é a causa de tudo” poderia levar a muitos mal entendidos. Alguém poderia concluir dela: “Então Deus também é a causa do mal”, e essa conclusão seria totalmente absurda. Então, em vez, devemos dizer: “Deus é a causa de todo o bem”. E, como há algo de bom em todo ato humano, então Deus também é a causa de todo ato humano; porém Deus não é a única causa daquele ato.

Deus move tudo, mas Ele o faz como causa primeira. Isso significa que Ele nos deu nosso livre arbítrio. O livre arbítrio é, portanto, enquanto um dom de Deus, a causa de nossos atos livres. E não poderia ser de outra maneira: a vontade livre é criada e, portanto, deve depender da causa primeira, a saber, Deus. E, por ser a causa primeira, Deus move todas as coisas de acordo com sua natureza. De acordo com a ordem criada por Deus, é da nossa natureza ser livres.

Então nem Deus, nem a vontade livre são a única causa das ações humanas: Deus e a vontade trabalham juntos como a causa primeira e a causa segunda. Isso não significa que Deus e a vontade fornecem, cada um, um pedaço desses atos, mas que tanto Deus quanto a vontade causam o ato. Deus é a causa primeira, e a vontade, a causa segunda. E, se Deus não agisse como a causa primeira, a vontade jamais poderia ser a causa segunda.

Essa é uma questão difícil, e não podemos fazer nenhuma comparação que ajude a esclarecê-la. Pois já que apenas Deus, que é o Criador de tudo, é a causa primeira, não há nada parecido com isso. A solução a essa pergunta reside nisto: Deus é a causa que leva uma outra causa inferior a ser uma causa por sua vez.

The Angelus, Março-Abril de 2020

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