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Category: Beato Humberto de RomansConteúdo sindicalizado

A virtude da paciência

— Excelência da paciência

A paciência nos santos

Armai-vos do escudo das virtudes, da paciência que tantas maravilhas produz entre os santos e faz com que uma mocinha frágil seja capaz de vencer o mundo. Mais que isso: ainda antes do início da luta, garante o triunfo, pois a paciência vive das amarguras do mundo e tira as suas delícias das contrariedades. Porém eles saíam da presença do conselho, contentes por terem sido achados dignos de sofrer afrontas pelo nome de Jesus (At 5, 41).

Reflitamos por um minuto e veremos que os sofrimentos dessa vida não tem proporção com os sofrimentos de Cristo, com a gravidade dos nossos pecados, com o horror dos tormentos do inferno e com a recompensa celeste.

Nossos Pais regozijavam com os dias de humilhação e com os tempos de provação que o Senhor lhes enviava. É admirável o exemplo de São Domingos, que atravessava cantando alegremente os caminhos onde sabia que assassinos o espreitavam, ou que preferia pregar em Carcassone do que em Toulouse, pois sabia que nessa última seria honrado enquanto na primeira, insultado.

Jó também nos dá um exemplo de paciência: Não tenho paz, nem sossego, não tenho repouso, mas apenas perturbação (Jo 3, 26). No entanto, ele guardou a reserva a ponto de não deixar transparecer nenhum sinal de impaciência, ele se calava com o medo de que alguma palavra dura ou desordenada lhe escapasse, dominava as impressões de seu coração para guardar a sua alma na paz interior.

 

As obras da paciência

A paciência é um diamante: por meio dela, a alma resiste a toda adversidade; é um remédio que cura toda ferida; é um escudo que protege de todo ataque. Ninguém jamais poderá nos atingir se antes nos lançamos a um combate interior contra nós mesmos.

Como compreendia bem os frutos das provações, o monge que buscava recompensar àqueles que o insultavam!

As Sagradas Escrituras nos fazem entrever os frutos da paciência no episódio dos três jovens israelitas na fornalha ardente, cujo fogo consumia a tudo sem poder atingi-los.

Na construção de um edifício, golpeamos, retalhamos e esculpimos a pedra destinada a um lugar de destaque. Assim também ocorre com nós mesmos: somos oprimidos nesse mundo a fim de entrarmos no templo celeste, onde não escutaremos mais o som de um martelo. A alegria deverá vir após a tristeza necessária para o pagamento dos nossos erros passados, para nossa perfeição espiritual e para o acréscimo da nossa glória eterna. Ó, labor fecundo, ó dor preciosa, ó santas lágrimas que o Altíssimo secará dos olhos dos seus eleitos após a provação!

Jesus disse que o reino dos céus é o apanágio daqueles que sofrem perseguição pela justiça.

Mais vale ser vítima do que perseguidor, pois o perseguidor só fica com o seu crime, enquanto o mártir glorifica a Deus e recebe, após o tormento, a glória eterna.

É castigando aos que ama que Deus Todo-poderoso prova a verdade do seu amor. Ele consola os seus com a vergasta da correção. Muito só buscariam Deus pelos benefícios, e não por Ele mesmo, se remunerasse aos que ama com recompensas temporais.

As Escrituras narram (Jz 3, 15) que Aod servia-se de um punhal de dois gumes. Isso significa, ao que me parece, que sabia tirar partido tanto da prosperidade como da adversidade. E, para dizê-lo de modo melhor, é possível que sobrevenham males aos que sabem usar das adversidades como ocasiões de méritos, para os que sabem fazer delas um meio de chegar ao céu? O homem paciente sabe extrair mel do próprio fel; sabe mudar o mal em bem, saborear a amargura como se fosse um leite e dar aos que sofrem o gosto das alegrias eternas.

O homem paciente sofrerá até um certo tempo, e depois ser-lhe-á dada a alegria (Ecl 1, 29). Pecadores que somos, não podemos chegar ao céu sem passar pela torrente de tribulação aqui embaixo, ou pelo purgatório na outra vida. Mas a travessia dessa torrente é mais fácil do que a do fogo. Se compreendêssemos a utilidade das provações, nem cem anos bastariam para agradecer o Senhor de uma única doença. Era sábio o monge, narrado na Vida dos Padres, que se lamentava e chorava porque o Senhor o deixara um ano sem provações.

 

— A prática da paciência

Busquemos, pois, fazer o bem e suportar os males. Se queremos possuir a paz do coração, consideremos não o que estamos obrigados a suportar, mas o que infringimos aos outros; prefiramos suportar injúrias do que causá-las; aceitemos sem murmurações as provações enviadas por Deus e, sem amargor, os males que procedem do próximos; apliquemo-nos a apaziguar a cólera, mesmo irracional, que nosso irmão concebe contra nós. Tomemos Davi por exemplo, que apaziguou o espírito mau de Saul cantando com sua harpa.

Se merecemos o castigo, aceitemo-lo com contrição; se não o merecemos, rejubilemos, pois é ainda mais doce sofrer injustamente com Cristo do que ser justamente castigado com o ladrão, e é muito mais belo sofrer pela glória de Deus do que por seu próprio interesse.

Assim, sempre devemos render graças a Deus, pelas dores como pelas alegrias: imitemos o rouxinol, que canta não apenas o dia, mas também a noite.

Vivam sem querelas, caríssimos, e com harmonia. Não se queixem de ninguém nem dêem causa para que se queixem de vocês.

Que suas alegrias sejam servir a Cristo, e seu único sofrimento seja o de se verem afastados de Deus. Só a impaciência contra o pecado é permitida. Aos soldados de Cristo, a vitória está em perdoar aos que os perseguem.

Tormemo-nos semelhantes às plantas aromáticas, que difundem o seu perfume mais vigoroso quando moídas; ao ouro que a fornalha purifica sem poder consumi-lo; ao grão de trigo que a praga liberta da sua bainha; ao navio que a tempestade impulsiona mais rápido ao porto; à pérola que o cinzel do artista faz brilhar com mais intensidade.

 

Graus da paciência

Para alcançar a paciência perfeita, é preciso vencer os graus seguintes: Jamais devolver o mal com um mal; — não resistir aos maus; — suportar as adversidades; — apaziguar quem nos insulta; — amar nossos inimigos; — fazer o bem a quem nos fez mal; — aceitar alegremente as injúrias; — estar pronto para sofrer mais; — agradecer a Deus no meio das tribulações; — desejar provações, por amor de Deus.

Esqueçam a lei do talião e, sob as vagas da tempestade, permaneçam imóveis e silenciosos como o surdo-mudo que nada percebe nem compreende.

 

— Os efeitos funestos da impaciência

A impaciência é uma fonte de males: ela obscurece a inteligência, priva das delícias da paz, perturba na alma os efeitos da presença do Espírito Santo.

Costuma-se comparar a cólera a um dragão, porque suas palavras violentas brotam da boca do impaciente como as chamas da guela do monstro.

Compara-se ainda à febre, porque ela produz movimentos desordenados no corpo e na alma. Que digo? A cólera é pior, pois a febre não atormenta a sua vítima mais do que uma ou duas vezes ao dia, enquanto que a cólera o faz bem mais frequentemente.

O homem sob o jugo da provação é como o monge que, para a tonsura, coloca-se nas mãos de outro. É melhor que fique quietinho pois, se se mexer sob a lâmina, seus movimentos impacientes certamente farão com que se machuque.

Sempre saímos perdendo ao buscar nos vingar da pessoa de um caluniador: abandonamos a túnica da nossa inocência por quem cobiçava apenas os vestidos da nossa boa reputação. Ao contrário, ao confiar a Deus os cuidados da nossa defesa, encontramos a um tempo um juiz e um vingador.

Que poderei dizer ainda da cólera? Olhem o homem irritado: ele queima, seu coração palpita, profere gritos altos, não sabe mais o que diz, não reconhece seus amigos, seu rosto se abrasa, sua língua se embaralha e seu corpo mesmo treme.

 

— As contrafações da paciência

Há quem se torne paciente não por um esforço pessoal, mas graças à virtude das pessoas com que convive: essas pessoas consentem a se manter pacientes desde que não sejam contrariadas.

Outros parecem se esquecer das injúrias, mas guarda o rancor no seu coração; sua virtude é como o calçado cujo couro não foi amaciado pelo óleo: a rudeza protege bem contra objetos exteriores, mas fere o pé. Esses hipócritas parecem-se com os lobos que, como se diz, suportam facilmente os cortes e ferimentos recebidos à flor da pela, mas são muito sensíveis às consequências das lesões internas.

Outros são pacientes para suportar as injúrias que ofendem a Deus, mas são extremamente sensíveis às injúrias pessoais. Não se dão conta de que, se a cólera é na maioria das vezes um vício, ela pode por vezes um zelo louvável, ela é na maioria das vezes um vício. É zelo em nos inflamar de zelo pela defesa dos direitos divinos: uma santa cólera que assegura recompensas. É vício irritar-se pela defesa dos seus próprios direitos: explosão culpável merecedora de castigos.

É preciso ter cuidado: o espírito pode chegar a uma cegueira tal, que chama de zelo esclarecido o que não passa de um furor mau. Por vezes os vícios se tingem de aparências virtuosas e corrompem os atos que teriam sido meritórios. Assim, na correção fraterna, a cólera dá na caridade o tiro de misericórdia, enquanto que a caridade deveria tornar a cólera impossível.

Outros ainda, ao invés de se irritarem contra os vícios, irritam-se com as pessoas. No entanto, a ordem da caridade quer que amemos a natureza, obra de Deus, ao mesmo tempo em que detestamos os crimes, obra dos nossos instintos perversos e do espírito diabólico.

Contudo, é permitido, em alguns casos, desejar o mal ao próximo, não por ressentimento, mas em vistas de um bem superior. Por exemplo, se percebemos que um homem se deixa levar pelo orgulho porque goza de boa saúde ou porque é rico, é lícito e mesmo razoável, desejar o seu prejuízo para que se afaste dos maus sentimentos.

 

Para adquirir a paciência

A fim de suportar mais facilmente e com alegria as tribulações, esforcemo-nos de ter sempre presente no espírito a Paixão do Salvador, a lembrança das consolações que a amizade de Deus nos proporciona, as recompensas e os castigos eternos, as penas do purgatório que as provações diminuem, os pecados que ela faz perdoar, a vida interior que aperfeiçoa e a glória divina que procura.

É com coragem que devemos exercer a paciência, senão as provações, que são ocasiões de graças e de glória, arriscam se tornar ocasiões de castigos mais rigorosos. Com efeito, vemos que, sob a mesma brisa, o charco espalha o fedor e o tempero, o seu perfume; e que num mesmo braseiro, a palha queima e o ouro brilha.

Ao agitarem a nossa preguiça, as tribulações são como um aguilhão que nos excita ao fervor das boas obras, e como o vento propício que impulsiona nosso navio às margens eternas.

Quando somos injustamente atacados, nós rapidamente sufocaremos os germes do rancor se reprimirmos o menor sinal exterior de desagrado; a cólera, com efeito, se excita com as manifestações exteriores e se extingue quando nós as abafamos.

(in L'Acampado 158 - abril de 2020)

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