O Batismo das Crianças e o Limbo
Um leitor nos escreve:
“Escutei, num programa de televisão, um debate entre dois padres, sobre o tema do ‘Batismo’, que me deixou inteiramente perplexo:
Um dos padres sustentava a tese da Igreja Católica, segundo o qual é justo que o Batismo seja administrado na idade infantil; o outro, ao contrário (dissidente), baseando-se no conceito de escolha, sustentava que se deve batizar na idade adulta.
As duas teses estavam apoiadas em citações dos Atos dos Apóstolos e em afirmações feitas por santos, teólogos e doutores da Igreja.
Gostaria de saber, sobretudo, se é verdade que a alma de uma criança, morrendo sem o Batismo, é privada da visão de Deus, isto é, destinada eternamente ao lugar que se chama ‘Limbo’.
Peço esses esclarecimentos para saber os motivos teológicos nos quais se inspira a Igreja a respeito desses problemas.
... Com meus agradecimentos...”
Será um prazer responder-lhe, porque esta carta nos dá ocasião de definir uma vez mais, com precisão, a causa da crise atual da Igreja.
Uma sentença infalível da Igreja
O Magistério infalível pronunciou-se infalivelmente sobre a questão do Batismo das crianças.
Em particular, o Concílio de Trento pune com excomunhão aqueles que sustentam que todos os batizados na idade infantil devem ser rebatizados quando atingem a idade da razão; ou ainda os que sustentam que vale mais a pena não batizar as crianças: “Se alguém diz que as crianças... [devem ser]... batizadas novamente... ou que é preferível não batizá-las do que batizá-las na Fé única da Igreja [in sola fide Ecclesiae], esses que são incapazes de um ato de Fé pessoal, que seja anátema” (Denz. 869).
Quanto à objeção da “escolha”, levantada pelos racionalistas de ontem e de hoje, Santo Agostinho já respondeu há muito tempo: “Na Igreja do Salvador as crianças crêem como todo mundo, da mesma maneira que, como todo mundo, contraíram o pecado que é apagado pelo Batismo” (1 cont. duas Ep. Pelag. C.22). Em outros termos: porque se deveria “escolher” ser libertado de um pecado que não se escolheu cometer? Qual o pai, que para libertar seu filho de um mal, esperaria que este chegasse a idade da razão? E por que se deveria raciocinar para os bens de ordem sobrenatural de maneira diferente que para os bens de ordem natural? Sem dúvida, o Batismo também comporta deveres, mas não se trata de deveres de um estado particular, tal como o Sacerdócio, a Virgindade ou o Matrimônio. Trata-se de deveres gerais de todos os cristãos, impostos por Deus a todos os homens, sob pena de condenação eterna: “Aquele que crer e for batizado será salvo; o que não crer será condenado” (Mc. 16, 16).
O Desprezo
O que nos interessa aqui é sobretudo sublinhar que sobre a questão há, como sempre, um julgamento fundado sobre a Revelação divina. Mas eis que dois padres, numa transmissão de televisão, debatem a matéria como se se tratasse de questão ainda sujeita a disputas entre os teólogos, de ponto ainda não definido pelo Magistério. É um escândalo. É o escândalo desse pós-concílio: questões definidas de modo infalível pela Igreja são reabertas e discutidas publicamente, como se o Magistério sobre elas nunca tivesse emitido qualquer julgamento.
No caso presente, nosso amigo leitor escreve: “As duas teses estavam apoiadas em citações dos Atos dos Apóstolos e em afirmações feitas por santos, teólogos e doutores da Igreja”.Mas... e os atos do Magistério infalível da Igreja? É como se não existissem! Mesmo o padre que sustentava a tese da Igreja Católica, pelo que parece, não cuidou de enfatizar que a definição infalível da Igreja elimina qualquer controvérsia. Entre católicos, e com mais razão os padres, a disputa é, de fato, concebível e admitida sob duas condições: 1) que se trate de verdades contidas apenas de maneira obscura e implícita no “depósito da Fé”; 2) que a questão não tenha sido ainda definida pela Igreja. Se, ao contrário, se trate de verdades contidas de maneira clara e explícita no “depositum fidei” ou de questões já definidas pela Igreja, consente-se a disputa somente com os não-católicos, mas para defender o julgamento da Igreja ou a verdade de Fé. Sempre houve, de fato, do lado dos católicos, disputas desse gênero, fundadas unicamente sobre passagens da Escritura Santa ou dos Padres da Igreja, mas com os protestantes, que não reconhecem o Magistério infalível da Igreja; nunca, porém, com outros “católicos” (ou pior ainda, entre padres) para os quais o Magistério infalível deveria ter a última palavra. Mas é assim: hoje, quando as definições dos concílios dogmáticos e os decretos do Magistério não são mais citados e quando se cita somente o concílio “pastoral” Vaticano II, os católicos são reduzidos ao nível dos protestantes e se comportam como protestantes: o que se chama o magistério “vivo” enterrou o Magistério infalível.
Claro que é permitido pesquisar sobre quais “motivações” (não somente teológicas, mas antes de tudo escriturais e patrísticas) se funda a definição da Igreja, mas conservando sempre uma adesão perfeita de espírito e de coração às verdades definidas, com o assentimento cego que é devido à autoridade infalível da Igreja.
É por isso que Pio IX e em seguida Pio XII em Humani Generis lembram aos teólogos e aos próprios exegetas que, voltando às fontes da Revelação divina (Sagrada Escritura e Tradição atestadas pelos Padres da Igreja) eles não se devem afastar das definições da Igreja e que se deve pesquisar uma verdade já definida na Escritura Santa e nos Padres “no mesmo sentido no qual ela foi definida”.
Uma verdade de Fé: o destino das crianças mortas sem batismo
Voltemos agora à pergunta feita por nosso leitor, não sem razão, a respeito da sorte das crianças mortas sem Batismo e sobre o Limbo.
É verdade que as crianças mortas sem Batismo são privadas da visão de Deus e destinadas ao lugar chamado “limbo”.
Sobre o destino dessas crianças mortas sem Batismo existem: 1) o ensinamento claro da Sagrada Escritura: “Ninguém pode entrar no Reino de Deus se não renascer da água e do Espírito Santo” (Jo 3, 5); 2) o ensinamento unânime dos Padres (Tradição) sobre a necessidade absoluta do Batismo para salvar-se. Pelágio e seus discípulos que, ao negar a transmissão do pecado original e suas conseqüências, negaram também essas verdades, foram condenados pelo Concílio de Mileto (416) e em seguida pelo Concílio de Cartago (1418), ambos aprovados pelo Papa: “Se alguém diz que as palavras do Senhor: ‘Há várias moradas na casa de meu Pai’ devem ser entendidas no sentido de que no reino dos céus há um certo lugar intermediário ou que existe um lugar qualquer onde vivem felizes as crianças mortas sem Batismo, sem o qual elas não podem entrar no reino dos céus que é a vida eterna, que seja anátema” (Denz. 102 nota 4).
Esta doutrina foi em seguida reafirmada várias vezes por diversos Papas e Concílios, entre os quais o Concílio de Florença e de Trento, e nas diversas profissões de Fé prescritas aos Orientais pelos Papas e pelos Concílios (Denz. 387, 588, 870, 875). Particularmente, o Concílio de Florença afirma que o Batismo é o único meio para tirar as crianças do poder do demônio (Denz. 603) e que aqueles que morrem unicamente com o pecado original (é o caso das crianças não batizadas) vão ao “inferno” (entendido aqui num sentido amplo, como o “lugar inferior” que acolhe os excluídos da visão de Deus”, onde, entretanto, são submetidos a penas diferentes daqueles que morrem em estado de pecado atual grave (Denz. 693). É, portanto, uma verdade de Fé que as crianças mortas sem Batismo são excluídas da visão de Deus.
Uma conclusão teológica: o limbo
Com fundamento nessa verdade de Fé e na Justiça de Deus, há o julgamento comum dos teólogos, confirmado por Inocêncio III, que as crianças mortas sem Batismo não partilham com os condenados a pena temporal e nem mesmo sofrem a privação de Deus, contrariamente aos pecadores condenados, mas antes, como pessoas que, por circunstâncias independentes de sua vontade, encontram-se privadas de uma condição de vida superior, à qual elas não teriam nenhum direito. Em conseqüência, a privação da bem-aventurança sobrenatural para as crianças mortas sem Batismo é compatível com um estado de felicidade natural.
Os teólogos concluíram com isso a existência de um lugar “inferior”, sim, mas distinto do inferno dos pecadores condenados, e atribuíram-lhe o nome de “limbo das crianças”, para distinguir do limbo dos patriarcas, e esta conclusão teológica foi defendida por Pio VI contra o sínodo herético de Pistóia, na bula auctorem Fidei (D. B. 1526).
O retorno da heresia de Pelágio
O neo-modernismo, que é essencialmente naturalista, porque ou bem nega a graça ou a reduz à natureza. Faz reviver a heresia de Pelágio e com ela a negação da verdade de Fé, pela qual as crianças mortas sem Batismo são excluídas da visão beatifica. A negação é, como sempre, sonsa: nega-se a conclusão teológica do “limbo” para negar indiretamente a verdade de Fé à qual está associada, e assim, na prática “pastoral” difere-se o Batismo das crianças, apagando das consciências católicas, pouco a pouco, a necessidade absoluta do Batismo para a salvação. O jogo desleal sempre fica a descoberto à medida que os neo-modernistas adquirem maior segurança de “terem vencido” (ver Sim sim Nãonão de outubro de 1993).
Aqui também o desprezo pelo Magistério infalível é total. Cabe-nos, então, reafirmar de modo total a autoridade dos atos do Magistério infalível.
A Bem-Aventurada Maria de Jesus, carmelita descalça, quando criança, “escutava a leitura de certos livros que tratavam dos mistérios da nossa Fé católica e percebia que os autores, para convencer, davam explicações. Ela, então, impacientava-se e exclamava: ‘Mas não basta que seja um mistério de Fé? Para que tudo isso?’” (Vida do padre Acosta, cit. Pelo padre Siméon da Santa Família em La Beata Maria di Gesu).
É essa a atitude fundamental da Fé. Essa deve ser hoje a atitude dos filhos fiéis da Igreja para com esses católicos que, tendo perdido a Fé, pretendem “ter um pé sobre o terreno da Igreja Católica e o outro sobre o do protestantismo, cuja essência é [...] uma religião sem nenhuma autoridade religiosa” (F. Heiner, Il decreto “Lamentabili sane exitu”, Desclée ed. 1908).
(Revista Sim Sim Não Não n°40, Abril de 1996)