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Art. 4 – Se o mal corrompe totalmente o bem.

(Ia IIae, q. 85, a. 2; II Sent., dist. XXXIV, a. 5; Cont. Gent., cap. XII; De Malo, q. 2, a. 12).
 
O quarto discute-se assim. – Parece que o mal corrompe totalmente o bem.
 
1. – Pois um dos contrários é totalmente corrompido pelo outro. Ora, o bem e o mal são contrários. Logo, este pode corromper totalmente aquele.
 
2. Demais. – Agostinho diz que o mal pre­judica enquanto priva do bem1. Ora, o bem é semelhante e uniforme a si mesmo. Logo, é totalmente eliminado pelo mal.
 
3. Demais. – O mal, enquanto dura, pre­judica e elimina o bem. Ora, um ser ao qual sempre se tira alguma coisa, um dia há-se de consumir, a menos que seja infinito, o que não se pode dizer de nenhum bem criado. Logo, o mal consome totalmente o bem.
 
Mas, em contrário,diz Agostinho que o mal não pode consumir totalmente o bem2.
 
Solução. – O mal não pode consumir total­mente o bem, o que se evidencia se se conside­rar a tríplice divisão do bem. Há um certo bem totalmente eliminado pelo mal, e é o que a este se opõe; assim a luz é totalmente eliminada pelas trevas, e a vista pela cegueira. Há outro bem que não é totalmente diminuído pelo mal, nem diminui; a saber, o bem que é sujeito do mal; assim, pelas trevas, nada é diminuído da substância do ar. Há, por fim, outro bem dimi­nuído certamente pelo mal, não porém total­mente; e este é a capacidade do sujeito para o ato.
 
Mas a diminuição deste bem não deve ser entendida como subtração, o que se dá com a diminuição quantitativa, mas como remissão, o que se dá com a diminuição qualitativa e formal. Ora, a remissão dessa capacidade se mede pelo contrário à intenção da mesma. Pois, tal inten­ção depende das disposições pelas quais a maté­ria é preparada para o ato: quanto mais elas se multiplicarem no sujeito, tanto mais capaz será este de receber a perfeição e a forma. E contrariamente, a capacidade sofre remissão pelas disposições contrárias: quando mais se multiplicarem na matéria e forem intensas, tanto mais se há de remitir o poder de agir.
 
Se, portanto, as disposições contrárias não puderem ser multiplicadas e intensas ao infinito, mas até certo limite, também a capacidade pre­dita não poderá sofrer diminuição ou remissão ao infinito. O que bem se vê nas qualidades ativas e passivas dos elementos; assim, a fri­gidez e a umidade, que diminuem ou remitem a capacidade da matéria para a forma ígnea, não podem multiplicar-se ao infinito. Se, porém, as disposições contrárias o puderem, também a capacidade referida diminuirá ou se remitirá ao infinito. Todavia, não poderá ser totalmente eliminada, porque permanece sempre radical­mente na substância do sujeito. Assim, se se interpuserem infinitos corpos opacos entre o sol e o ar, ao infinito diminuirá a capacidade do ar para a luz; não poderá ela, porém, ser total­mente eliminada, enquanto permanecer o ar, que, por natureza, é diáfano. Semelhantemente, podem-se adicionar pecados ao infinito, pelos quais cada vez mais diminuirá a capacidade da alma para a graça, pois eles são como obstáculos postos entre nós e Deus, conforme aquilo de Isaías (Is 59, 2): Más são as vossas iniqüidades que puse­ram uma separação entre vós e o vosso Deus. Todavia a referida capacidade nunca será total­mente aniquilada, na alma, porque resulta da natureza desta.
 
Donde a resposta à primeira objeção. – O bem oposto ao mal fica totalmente eliminado; não assim, porém, os outros bens, como se disse.
 
Resposta à segunda. – A capacidade de que se acabou de falar é meio entre o sujeito e o ato. Por onde, pela parte por que atinge o ato, diminui pelo mal; permanece porém pela parte pela qual se atém ao sujeito. Logo, em­bora o bem seja semelhante a si mesmo, contudo, pela sua comparação com elementos diver­sos, é eliminado parcial e não totalmente.
 
Resposta à terceira. – Alguns, imaginando a diminuição do bem predito, por semelhança com a diminuição quantitativa, disseram que, assim como o contínuo pode ser dividido ao infinito, feita a divisão segundo a mesma proporção, de modo que se torne, p. ex., a metade da metade ou o terço do terço; assim acontece no caso ver­tente. – Mas neste caso não cabe tal solução. Pois, na divisão em que se conserva a mesma proporção, subtrai-se cada vez menos; assim a metade da metade é menos que a do todo. Mas, o segundo pecado não diminui menos do que o precedente a capacidade referida, mas talvez, igualmente ou mais. – Por onde, devemos con­cluir que, embora a capacidade mesma seja algo de finito, contudo diminui ao infinito, não em si, mas por acidente, enquanto as disposições contrárias também aumentam ao infinito, como se disse.

  1. 1. Enchir. (cap. XII).
  2. 2. Enchir. (cap. XII).
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