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A elite da escória

Perguntam-me sobre a promoção social. Respondo que ela deve consistir na seleção dos melhores e logo sou acusado de “elitista”.

O termo é novo e implica uma noção pejorativa: espírito e orgulho de casta, desprezo pelos humildes...
 
Voltemos ao sentido das palavras. A elite (de escolher, eleger) designa, segundo o dicionário “o que há de melhor nas coisas e nos seres”.  Assim, os grandes “crus” de Bordeaux fazem parte da elite dos vinhos, os famosos “verdes” de Saint Etienne representavam, em seu tempo, a elite dos jogadores de futebol...
 
Admitindo isto, não é normal preferir e dar privilégio ao melhor? Devo então, para evitar o elitismo, achar o mesmo sabor numa ave congelado do que em uma galinha de fazenda? E não é justo que, em uma sociedade, os melhore lugares sejam para aqueles que se destacam por seus talentos e por sua atividade e assim prestam os melhores serviços à comunidade? Os exames escolares, depois da qualidade do trabalho e a competição profissional não favorece esse sentido? E como não pode existir a sociedade sem que esta hierarquia seja fundada na seleção e promoção dos melhores? Não será melhor ser suspeito de elitismo e recusar um cargo de professor a um iletrado ou carteira de motorista a um cego?
 
O que me inquieta hoje é o crescimento de um novo elitismo, de um elitismo ao contrário, saído de uma falsa noção de igualdade, um sentimentalismo desviado, que se manifesta pela preferência aos inadaptados, aos inúteis, aos parasitas e até aos malfeitores.
 
Daremos alguns exemplos desta subversão de valores.
 
Conheço alguns pedagogos que declararam que os alunos bem dotados são sem interesse e que recusam energicamente os velhos critérios de seleção, como notas, classificação, exames...
 
A maneira como funciona a Previdência Social onde florescem o anonimato e a irresponsabilidade — dá preferência muitas vezes aos preguiçosos, aos incompetentes em detrimento dos trabalhadores que, fiéis a seu trabalho, não têm necessidade de tirar partido de um repouso imerecido e cuidados supérfluos.
 
A inflação rói cada dia a renda e as economias dos produtores. Mas, ela permite aos especuladores realizarem transações com lucros enormes sem fazerem nenhuma obra útil, só pelo jogo das cifras monetárias.
 
Os malfeitores, os criminosos inspiram mais piedade do que suas vítimas, sendo a sociedade declarada, a priori, a grande, senão a única culpada.
 
É preciso falar também da atenção e da publicidade privilegiada que se dá aos marginais de toda a espécie: hippies, prostitutas, aberrantes sexuais...? Do sucesso das publicações e dos espetáculos que proliferam neste sentido? É como se, por uma estranha perversão de gostos, a sociedade tenha se tornado mais ávida do que envenena do que daquilo que alimenta...
 
Fecho estes exemplos com esta anedota:
 
Em uma universidade estrangeira, da qual omito o nome, dois professores igualmente competentes são propostos à escolha das autoridades para obtenção de uma cátedra. Um deles é um homem perfeitamente equilibrado, o outro um grande neurótico que além dos diplomas exigidos tinha várias depressões que comprometiam seu ensino. Deram o cargo ao segundo com a explicação de que a sua frágil constituição não suportaria este revés, enquanto que o primeiro estava bem estruturado para agüentar sem tragédia. Compaixão para um desgraçado, entendo. Mas cruel inconsciência com seu colega, eliminado em razão de sua superioridade, e com centenas de alunos que sofrerão mais tarde as consequencias desta escolha desumana, por excesso de humanidade.
 
Assim se esboroa a elite baseada no valor, sob o ímpeto de uma contra-elite: a do rejeito e da escória. Mais alguns passos nesta direção, e será suficiente ser superior ou somente normal para suscitar a indiferença, senão a desconfiança e o descrédito.
 
Que me entendam bem: eu não nego que os mais fracos devam ser, não somente protegidos contra os abusos dos mais forte, mas ainda ajudados por estes últimos; afirmo somente que eles não devem ser preferidos e escolhidos apenas como tais. Que a incapacidade, e, com mais razão, o parasitismo e a insipiência não devem ter direito a tratamento de favor.
 
Que se console os deserdados, que se reeduque os anormais, mas que suas lacunas ou suas taras não se tornem meios de chantagem e objeto de promoção.
 
Sei também que é difícil o equilíbrio, mesmo nas sociedades mais saudáveis, entre o direito do mais forte (uso esta palavra no seu sentido mais alto: força da inteligência e da vontade, poder de ação...) e o dever de socorrer os mais fracos e os desvalidos — entre a lei da selva que elimina impiedosamente os inadaptados e um humanitarismo delinqüente que enaltece e encoraja a imperícia e o vício. Resta dizer — este é um dos grandes perigos do nosso liberalismo dito “avançado” — que se esta degradação da elite do alto para baixo continua a se generalizar, é a sociedade inteira que corre o risco de desmoronar sob o peso desta promoção dos inúteis e dos parasitas.
 
 
(Revista PERMANÊNCIA, n° 186-187, maio-junho de 1984.)

 

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