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Novas frases de Nelson Rodrigues e entrevista à revista Manchete

(Frases de Nelson Rodrigues seguidas por trechos de uma entrevista dada à revista Manchete extraídos do livro "Nelson Rodrigues, Meu Irmão", de Stella Rodrigues, editado pela José Olympo, Rio de Janeiro, 1986.)
 

FRASES:
 
“O verdadeiro Cristo? É o Cristo verdadeiro. O falso cristo é o cristo dos padres de passeata. Há um cristo de passeata que é mais falso do que Judas. É a igreja dos padres de passeata. Eu sou cristão, mas não me venham falsificar Cristo como uísque nacional”.
 
“Ai daquele que, num desafio suicida, tenta individualizar-se”.
 
“O mundo só pode ser dos que têm razão. Mas a razão é todo um maravilhoso esforço, toda uma dilacerada paciência, toda uma santidade conquistada, toda uma desesperada lucidez”.
 
“Dá-me um certo cansaço, um certo tédio, ouvir que sou contra o jovem. Não sou contra ou a favor de ninguém, automaticamente. Há pulhas, há imbecis, há santos, há gênios de todas as idades. Naturalmente, o jovem tem o defeito salubérrimo da imaturidade”.
 
“Naquele momento instalou-se em mim uma certeza para sempre: a Opinião Pública é uma doente mental”.
 
“Eu sofro pressões incríveis. Todo mundo, a comunidade, exige que sejamos imbecis”
 
“A verdadeira apoteose é a vaia. Os admiradores corrompem”.
 
“A peça para rir, com essa destinação específica, é tão obscena e idiota como o seria uma missa cômica”.
 
“A única coisa que me mantém de pé é a certeza da alma imortal. Eu me recuso a reduzir o ser humano à melancolia do cachorro atropelado”.
 
“A análise de grupo é indesculpável. É a liquidação da mercadoria”.
 
“O trágico na amizade é o dilacerado abismo da convivência”.
 
“Não acredito no teatro de denúncia porque acho meio esdrúxulo o autor, que manda nos personagens, que cria situações, injetar o próprio sentimento nos pobres-diabos que ele manipula”.
 
“O sujeito que lê ou ouve um esquerdista, leu e ouviu todos os esquerdistas”.
 
“Eu considero a ONU uma delinqüente da pior espécie”.
 
“A grande tragédia da carne começou quando o homem separou o sexo do amor. Como não somos vira-latas, nem urramos no bosque, o sexo sem amor é um progressivo suicídio”.
 
“Na minha obra está clara, transparente, uma violenta nostalgia da pureza”.
 
“Os ‘compreensivos’ frustram a juventude em sua rebeldia”.
 
“A mulher não é inferior ao homem. Só o fato de ser mãe a torna superior. A mulher só se inferioriza quando, para imitar o homem, começa a dizer palavrões”.
 
“Só acredito em Deus. É algo de tão vivo, de visível, tangível, algo que podemos beijar”.
 
“A olho nu, qualquer um percebe a ascensão social, econômica, política do idiota. Outro dia, passou por mim um automóvel das Mil e Uma Noites, sim, um desses Mercedes irreais, com cascata artificial e filhote de jacaré. Lá dentro, ia um idiota flamejante”.
 
“Esse mundo absolutamente nivelado, não seria justo. Porque o melhor, o mais inteligente, o mais capaz, merece mais. Deve ganhar mais. Agora deve haver o mínimo compatível com a dignidade humana, para todos, rigorosamente para todos”.
 
“Nós sabemos que o sujeito mais livre do mundo é o leitor. Nada interfere no pudor, na exclusividade e na inocência de sua relação com a obra escrita. Está só, espantosamente só, com o soneto, o romance, o texto dramático. Já o espectador é o mais comprometido dos seres”.
 
“Daqui a duzentos anos, os historiadores vão chamar este final de século de a mais cínica das épocas”.
 
“A burrice, nós sabemos, é um tipo de loucura dos mais desvairantes”.
 
“É impraticável a discussão política nobre. Sempre que pensa politicamente, o sujeito se desumaniza e desumaniza os problemas”.
 
“Uma virtude do desenvolvido que desponta no brasileiro é o hábito do psicanalista. Sabe-se que a angústia é, se me permitem a metáfora, a flor do lazer, a jóia da ociosidade. Para ser um bom neurótico, o sujeito precisa de tempo e, além disso e obviamente, dinheiro”.
 
“Veja o Brasil. Isso estava caminhando para uma fulminante cubanização. E, então, os militares tiveram uma função histórica... Isso aqui ia virar o caos, ia ser um mar de sangue”.
 
“Não sei se vale a pena viver num mundo que só sabe odiar. Mundo que está sofrendo uma monstruosa e espantosa castração espiritual”.
 
“Eu acho que o jovem só pode ser levado a sério quando fica velho”.
 
“Se o homem não fosse eterno ou não tivesse uma alma eterna, não tivesse garantido a sua eternidade, esse homem andaria de quatro. Toda manhã saía de quatro, ferrado, aí pela rua, e montado por um dragão de Pedro Américo”.
 
 
EXTRATOS DE ENTREVISTA À REVISTA MANCHETE EM AGOSTO DE 1977:
 
Manchete — Você está lançando o seu livro O Reacionário. Por que o livro e por que esse título?
 
Nelson Rodrigues — Este livro é uma das coisas mais sérias que já fiz na minha vida. Antes de falar de mim, mal ou bem, o sujeito deve ler o meu livro para saber o que eu acho, para saber do meu anticomunismo, saber do meu horror a Marx... Marx não toma conhecimento da morte. E nós exigimos de Marx a devolução de nossa alma imortal. Tudo isso está no livro. Agora, eu tenho uma virtude única, que é a seguinte: não tenho medo de passar por reacionário. Querem me chamar de reacionário, chamem; querem me pichar como reacionário, pichem; querem me pendurar num galho de árvore como ladrão de cavalo, pendurem. Mas eu sou homem que não aceita essa impostura gigantesca dos chamados países socialistas. Por mais que eu tenha horror da política, há muita política no meu livro. Eu acho que a política corrompe qualquer um, mas ela é um fato. Alias, vocês querem saber de uma coisa? Eu comecei a ficar anticomunista aos 11 anos de idade. Eu era um rato de jornal e nessa ocasião comecei a freqüentar o jornal A Nação, do Leônidas de Rezende, um comunista tremendo. Então, um dia assim sem mais nem menos, um rapaz me disse que, se o partido mandasse, ele estrangularia a sua própria mãe. Era só o partido mandar. A ONU, por exemplo, não considera o Brejnev um canalha. Para ela, o fato de existirem intelectuais internados em hospícios não representa um ato atentatório aos direitos humanos. Agora, vou te dizer uma coisa: eu pensei muito quando dei ao meu livro o título de O Reacionário. Porque no duro, no duro, eu não sou reacionário. A mais cruel forma de reacionarismo está nos países socialistas, na Rússia, em Cuba, na China, etc. Realmente, eu sou um libertário. Veja você: dois pobres-diabos cidadãos soviéticos seqüestraram um avião para deixar o paraíso e foram parar na Finlândia. Entregaram-se ao governo finlandês, que os devolveu ao Brejnev. Vão ser naturalmente fuzilados. Pois bem: quem protestou contra isso? Onde está o manifesto dos intelectuais com 3.999 assinaturas? No duro eu sou um libertário. Eles, marxistas, é que são reacionários. Repito mais uma vez: os marxistas é que são reacionários.
 
Manchete — Nelson, ainda existe o padre de passeata? Eles ainda estão em plena atuação?
 
Nelson Rodrigues — Ainda existem e estão em plena atuação. Sempre houve o padre de passeata. É o falso padre, o sujeito que trai a Igreja, que trai Cristo, trai Deus. Este é o padre de passeata.
 
Manchete — Você está a favor do Lefebvre ou do Papa?
 
Nelson Rodrigues — Sou inteiramente a favor de Lefebvre. Eu acho que a Igreja de Cristo é a Igreja de Lefebvre. Acho que qualquer faxineiro prefere o latim. O latim é a verdadeira linguagem. Aliás, a gente não precisa entender a língua, basta o som.
 (...)
 
Manchete — Nelson, você gostaria de viver agora ou na Idade Média?
 
Nelson — Em primeiro lugar, eu não vejo nada de ruim na Idade Média, como você está insinuando. Foi uma etapa da história da humanidade, simplesmente. A Idade Média tinha seus valores formidáveis. A par disso, já afirmei que tinha uma alma de Belle Époque. Hoje estamos assistindo a uma destruição de valores. Nunca a maldade humana, a perversidade humana, a ferocidade humana foram tão violentas como em nossa época. Eu digo o seguinte: se houvesse uma guerra nuclear e o mundo acabasse, não se perderia grande coisa. Alias, de todas as épocas eu acho que a pior é exatamente a nossa.
(...)
 
Manchete — Mas você é muito amargo.
 
Nelson Rodrigues — Como?
 
Manchete — Muito amargo em face da vida.
 
Nelson Rodrigues — Meu coração, meu anjo: a amargura é o elemento do artista. A amargura dá uma dimensão fantástica ao artista.

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