"Os Jovens de agora são assim: pensam isto, querem aquilo" — é o que se ouve dizer em toda parte. Pois eu confesso que desconfio "a priori" desses mitos da juventude. Primeiro, por causa de sua excessiva simplificação: eles, na verdade, não se aplicam mais que a certa parcela da juventude, cuja importância é impossível avaliar. Segundo, porque são elaborados, a maior parte das vezes, por adultos ou velhos que lançam sobre os "caçulas" a luz de suas esperanças ou a sombra de seus rancores.
A Juventude com um J maiúsculo não me impressiona mais que o Progresso com P grande. Mas que espécie de progresso e que jovens? Pois, graças aos céus e malgrado a influência crescente dos "mass-media" que tendem a substituir pelo protótipo mecânico o arquétipo ideal, a natureza que "se compraz na diversidade" não moldou todos os jovens na mesma forma. Um "fã" de Johnny Halliday e o autor da carta a André Maurois divulgada recentemente nas "Nouvelles Littéraires" nasceram na mesma época mas parecem não pertencer à mesma espécie. E entre esses dois extremos todos os intermediários são possíveis.
A DOMINANTE DE NOSSA ÉPOCA: A REVOLTA
Existem, nas idéias e nos costumes, dominantes que são peculiares a cada época — como, por exemplo, a libertinagem durante a Regência, o culto da Razão no tempo do humanismo, a apologia da sensibilidade e do irracional no século do romantismo etc. Ora, uma das dominantes de nossa época é a revolta, em todos os domínios, contra os valores tradicionais; revolta que se traduz pela exaltação e prática da violência.
Esse fenômeno se observa em todas as ordens do humano e do social.
Na ordem da amizade, por exemplo. Em muitos meios, a amizade degenerou em camaradagem vulgar e brutal. A integração na turma (e tal palavra não significa necessariamente uma associação de malfeitores) substitui a intimidade entre as pessoas e o intercâmbio de idéias e sentimentos. Ora, a turma busca muito freqüentemente distrações e aventuras mais ou menos sofisticadas de agressividade, e essa violência se multiplica em virtude do gregarismo. O aumento da delinqüência juvenil (blusões pretos ou amarelos) prende-se a essa corrupção do vínculo social. Um fenômeno tipicamente moderno é o dos delitos coletivos cuja multiplicação causa apreensão aos criminologistas. Até no vício e no crime, observa-se essa absorção do indivíduo pela turma...
No plano da sexualidade, muitos jovens se presumem insensíveis, "libertos", e desprezam indistintamente não apenas a exaltação romântica ou o sentimentalismo sem graça das épocas precedentes, como também tudo o que se relaciona com a ternura ou com o ideal. O coração e a alma afiguram-se-lhes anacronismos e as relações sexuais reduzem-se, para eles, a "conjunções carnais" sem amor e sem mistério ou a manifestações elementares do desejo de potência. Seu ideal é o do macho, não o do amoroso. Observa-se evolução análoga entre certo número de moças cínicas e desavergonhadas, para as quais a rejeição incondicionada dos preconceitos substitui e suprime toda reflexão.
O entusiasmo pelos esportes brutais e perigosos (praticados freqüentemente sem preparação e sem prudência) provém do mesmo estado de espírito. Penso aqui nos riscos gratuitos que assumem — com inconcebível leviandade — tantos jovens "mordidos" pelo alpinismo, pela espeleologia, pela natação, pela navegação a vela, e também nos perigos mortais a que eles expõem seus eventuais salvadores. E nesse delírio de velocidade (a porcentagem dos acidentes causados por jovens é de uma cruel eloqüência) que viola (entre pessoas aliás inofensivas) o mandamento eterno: "não matarás".
A moda artística e literária não escapa a essa falsa norma. Seu imperativo essencial é surpreender, chocar, desnudar, ultrapassar todo limite e infringir toda regra. Assistimos, em todos os domínios, ao desencadeamento da violência e da disformidade: danças selvagens, música epiléptica, cenas de histeria coletiva nas manifestações duma "vedette" da canção, sacrifício da palavra na poesia e da imagem e da cor na pintura, etc. Nem esqueçamos esse fenômeno sociológico sem precedente que constitui o sucesso sempre crescente da literatura policial e dos filmes de terror, nos quais os instintos sádicos que habitam o coração do homem encontram cada dia que passa novo alimento.
O "INSENSÍVEL": UM FROUXO QUE BANCA O FORTE
Esse gosto pela violência não deve ser interpretado como manifestação anárquica duma vitalidade incontida. Foi assim, talvez, em certas épocas, como na Antiguidade ou na Renascença, quando a violência se aliava freqüentemente ao poder criador. Salvo raras exceções, trata-se mais, hoje, de compensar uma fraqueza que imita os sentimentos e os gestos da força. O "insensível" é um frouxo que banca o forte: suas manifestações de violência são como a planta espinhosa que brota num solo ingrato, ou como a erupção de um vulcão em vias de se extingüir.
Note-se que essa epidemia de violência causa estragos precisamente numa época em que os homens sedentos de segurança automática, se encontram cada vez mais desarmados para enfrentar os percalços e os deveres duma existência normal. Quanto mais eles se expõem ao risco artificial e estéril, tanto mais eles necessitam de segurança contra o risco natural e fecundo.
Se retomarmos, um a um, os exemplos citados acima, encontraremos em todos os mesmos sintomas (e os mesmos disfarces) duma fraqueza ávida de sensações fortes.
O fenômeno da turma explica-se pela inaptidão de estabelecer verdadeiras amizades e de criar verdadeiros grupos. O desmoronamento das estruturas liberta o elemento bruto. Seres incapazes de se unirem tendo em vista um fim comum positivo, isto é, visando a alguma coisa, juntam-se contra isto ou aquilo, e sua revolta, convertida em lei e fim supremo, não rende nada.
A sexualidade? Esses adoradores desenfreados da carne são, quase sempre, incapazes não apenas de amar profunda e duradouramente, mas até de sentir uma paixão autêntica. "O amor está tanto mais doente quanto nossa civilização se tornou mais afrodisíaca", dizia Bergson. A sexualidade — reduzida a seus componentes elementares (e por isso mesmo já desnaturada, pois o homem pode imitar tudo do animal, menos a inocência dos instintos) — não une mais, não vincula mais; é uma troca à flor da pele, um "bem de consumo" que não exige nenhum investimento. Ora, a vida sem preocupações foi sempre negócio dos pobres, não dos ricos.
O que prova o caráter artificial dessa exaltação do sexo é que ela coincide com o desaparecimento progressivo das diferenças sexuais. Cruzei outro dia com um casal que ia no meu caminho: a moça, de calças compridas, traços rudes e cabelos curtos; o rapaz, com imensa cabeleira ondulada. Tratei de senhor a moça e de senhorita o rapaz e quando me tiraram do engano, devo ter feito grande esforço para dar crédito às suas palavras. Pensei que no termo da decadência, a confusão dos sexos estivesse reproduzindo, a seu modo, o andrógino primitivo de Platão...
Irei mais longe: esse frenesi do sexo, para muitos de nossos contemporâneos, não chega até os atos. É mais uma obsessão do espírito que uma necessidade do corpo: exerce-se (se assim posso expressar-me) por procuração: inúmeros indivíduos buscam no relato ou no espetáculo dos amores dos outros (quer se trate de personagens reais ou fictícios) uma concepção imaginária para a esterilidade de sua própria existência. Assim se explica o sucesso desmesurado do erotismo na literatura (aí se compreendendo as numerosas produções pseudo-científicas consagradas aos problemas sexuais) e em todos os outros meios de informação: cinema, televisão, publicidade, etc. Essa excitação cerebral não conhece limites porque não tem realidade. Tudo é possível, com efeito, no plano do sonho e da ficção. Tal como as proliferações cancerosas em torno do órgão que elas próprias devoram, o erotismo representa a degenerescência hipertrófica da sexualidade normal. Parodiando a frase cérebre de Pascal, um jovem filósofo americano escreveu que, no mundo moderno, "a sexualidade tem sua circunferência em toda parte e o seu centro em nenhuma".
A mesma confusão de desespero e impotência se encontra no gosto pelos esportes violentos e, intensamente, no delírio automobilístico que faz, todo ano, milhares de vítimas entre as quais inocentes que pagam pelos pecadores. O simples fato de se tornar necessária, para demonstrar a exaltação do poder, a intervenção de um engenho mecânico é já um sinal de fraqueza. Esse jovem louco que percorre as estradas multiplicando as "finas" e as "curvas fechadas" cede ao mais miserável dos reflexos de facilidade. E — coisa aparentemente estranha, mas profundamente lógica — esse ousado nas estradas não é, na maior parte das vezes, senão um tímido na vida. Eu soube, recentemente, da morte de um moço de vinte anos, em conseqüência de uma ultrapassagem forçada. Fisicamente indolente a ponto de recuar diante de um passeio a pé de alguns quilômetros, preguiçoso nos estudos, indiferente a todos os problemas sociais e políticos, exceto ao pré-salário dos estudantes e, ao mesmo tempo, inibido diante das mulheres e receoso das responsabilidades do casamento, ele não tinha energia a não ser para calcar, sem dó, o acelerador.
É preciso lembrar também, pois se relacionam diretamente com nosso tema da violência, esses acessos de furor animal, que vão das injúrias às "vias de fato", provocados por uma insignificante recusa de preferência ou pelo mais leve engarrafamento. Os psicólogos já analisaram as causas e os efeitos dessa barbárie motorizada: realmente, tudo se passa como se o espírito cavalheiresco diminuísse em função do número de cavalos-vapor de que dispõe o novo centauro tecnológico.
O mesmo reflexo de compensação e de fuga se revela nas produções literárias ou artísticas. O vitríolo parece aí água de rosa, o exagero disfarça mal a vulgaridade. Aludindo a esse novo conformismo da violência e do vício, Camus já fazia notar que a repetição de episódios obscenos em tantos romances contemporâneos tornava sua leitura tão fastidiosa quanto a dum manual de bom tom. Acode-nos à memória a observação de Talleyrand: "tudo o que é exagerado é insignificante". Mas os piores instintos de libertinagem e de crueldade, demasiado tímidos para se exprimirem em atos, encontram uma satisfação ilusória nessa expulsão de horrores e de torpezas — cadáveres imaginários oferecidos a abutres empalhados. As proezas de sadismo, outrora reservadas a monstros que se eliminavam como animais ferozes ou a tiranos célebres como Nero, Tamerlão ou Hitler foram colocadas democraticamente ao alcance de todas as imaginações: no país das palavras e dos sonhos, toda gente é rei.
O caráter artificial dessas elocubrações manifesta-se, quase sempre, no contraste entre as obras e os autores. Lembrar-me-ei por muito tempo duma conversa que mantive certa ocasião com um escritor português. "Eu li (dizia-me ele) um romance bem representativo da "nouvelle vague". Logo à primeira página, um estupro; pouco mais adiante, um incesto, depois um homicídio e nessa toada, o resto do livro. O herói do romance era pintado como um personagem tão inumano quão super-humano, uma espécie de arcanjo não só da revolta como do mal. Eu quis conhecer o autor — e topei com um homem franzino, incolor e longiforme, calvo, portador de óculos, todo abotoadinho, muito organizado em sua conduta e em seu trabalho, demasiadamente ligado à sua velha "mamãezinha" e com todas as aparências de um impotente sexual. Esse fabricante de super-homens era um granfininho..."
Quanto à corrida em direção ao informe e ao disforme, que estraga todas as artes (música, dança, poesia, pintura, escultura) nós aí encontramos a mesma manifestação de impotência. A beleza — que é o objeto da arte — exclui radicalmente a violência; os opostos se encontram, "ligados por uma harmonia". A música explosiva, as danças convulsivas, a poesia que desnatura a linguagem, a pintura e a escultura onde a caricatura ocupa o lugar da expressão — todos esses atentados sacrílegos contra as regras e os fins da arte surgem como violações estéreis. A violência desfigura o que ela é incapaz de transfigurar. "O despudor ocupa-lhes o lugar do gênio (como se disse a propósito de certos artistas): desprezando as aparências, eles crêem ir além das aparências; mutilando o visível, eles têm a ilusão de descobrir o invisível". Quando, na realidade (e tal é o segredo da grande arte) é a perfeição da aparência que nos eleva além da aparência, é a obra finita que nos revela o infinito...
RAIZ METAFÍSICA DA FUGA NA VIOLÊNCIA
Se procurarmos a raiz metafísica dessa fuga na violência, nós a encontraremos no declínio da vida interior e dos valores especulativos, donde provém em linha reta, os dois grandes pecados do mundo moderno: a idolatria da ação exterior e o culto da novidade.
A idolatria da ação. É um elogio incondicional dizer de alguém que é um homem de ação ou que é "dinâmico". Só que nos esquecemos de precisar qual o gênero de ação ou a qualidade de força de que se trata.
O culto da novidade. O valor se define não em relação a modelos transcendentes (bem ou mal, verdadeiro ou falso, belo ou feio), mas em termos de "para a frente" e "para trás". Sêneca, falando dos representantes da "nouvelle vague" romana, já escrevia: "mutantur non in melius, sed in aliud"; eles procuram não o que há de melhor, mas o que há de novo.
Não há nada mais fácil de se admitir do que esses dois desvios conterem o germe e a justificação do espírito de violência.
Comecemos pelo ativismo. Toda ação, visando à modificação do mundo exterior e à afirmação de nosso poder sobre os seres e as coisas, não será sadia e fecunda se não for iluminada e guiada por uma luz interior que se situa acima do tempo. O homem que não age seguindo um modelo ideal cai na mania da ação pela ação: o movimento não tem mais outro fim que ele mesmo. Afinal, a ação se torna como uma droga: um excitante para o "eu" (no sentido pascaliano do termo) e um narcótico para a alma. Não há mais fim e, por conseguinte, não há mais critério.
Podemos dizer outro tanto da inovação e da moda. A novidade não é nem um bem nem um mal em si mesma; ela é bem ou mal conforme nos aproxime ou nos afaste de nossa própria natureza e de nosso destino. Mas, se esse critério se esvaece, onde encontraremos nós a justificação para uma mudança senão na própria mudança?
E eis aí a porta aberta à violência sob todas as suas formas. Aquele que é incapaz de se afirmar por uma ação positiva e criadora tem sempre o recurso de se refugiar numa ação negativa e destruidora. A violência é o melhor álibi do impotente e do mal sucedido. É, com efeito, mais fácil estuprar uma jovem do que construir um lar, pisar um acelerador do que dirigir a existência pelas rudes avenidas do trabalho e do devotamento, massacrar formas e cores do que pintar uma tela de Wermer ou de Velásquez. Mutilar, devastar, destruir dão, sem grande custo, a embriaguez da força e podem mesmo conduzir à glória — essa falsa glória publicitária que se prende hoje ao escândalo e ao crime mais do que à beleza e à virtude. Renovando a façanha de Eróstrato, o jovem americano que acaba de massacrar covardemente seis moças responde aos inquisidores: "eu quis ser alguém". Cito um caso limite, mas perfeitamente lógico. Num século em que o dinamismo e a eficácia se tornaram os valores supremos, os fautores da violência forçam até às últimas conseqüências a lei dum mundo sem lei — tanto mais que neste mesmo século em que a renúncia e a esperança são cada vez menos ensinadas e praticadas, em que cada um quer auferir quanto antes os resultados de sua ação, os efeitos da violência são mais satisfatórios, por seu caráter imediato e espetacular, do que os dum trabalho positivo e de largo fôlego. O efeito dum soco inscreve-se instantaneamente no rosto de quem o recebe, mas longos meses têm de decorrer entre a semeadura e a colheita. Demais, a colheita está sempre ameaçada, é incerta, ao passo que a violência atinge infalivelmente o seu objetivo.
Provindo duma erosão da substância humana, o recurso à violência se faz acompanhar necessariamente duma queda vertical da liberdade. Fala-se, sem cessar, de evasão, de libertação. Mas, evadir-se de onde? Libertar-se de que? A força das coisas é una como Deus é um: não há nada que possa ser estranho ao universo e às suas leis. Langlade-Demoyen faz notar muito justamente que, em nosso mundo, encontramos cada vez mais revoltas e cada vez menos liberdade. Nada mais normal: é contra a liberdade que se revolta! Pois a verdadeira liberdade é antes de tudo obediência a uma ordem ao mesmo tempo interior e superior ao homem: parece Deo libertas est, dizia Sêneca. Basta ver de que miseráveis conformismos são presas esses jovens que não cessam de berrar e de imitar os outros; basta ver por que servilismo eles trocaram a disciplina; basta ver a que modas infelizes e nati-mortas eles imolam os costumes seculares. É ser livre repelir a tradição e agitar-se a qualquer impulso da propaganda, gritar atrás de Johnny ou deixar crescer o cabelo como Antoine, ler "Playboy" e repudiar os clássicos? Não quero intrometer-me em domínios muito diversos mas ao mesmo tempo afins no que concerne à influência da moda: senão eu poderia falar desses católicos de vanguarda que devoram, sem uma sombra de senso crítico, vagos trechos de Teilhard de Chardin e torcem o nariz diante de Santo Tomás, ou para os quais a obsessão da pílula substitui a meditação sobre os mistérios da fé.
Não resisto ao prazer de citar as seguintes linhas em que Bossuet descreve admiravelmente essa instabilidade na escravidão que dá a ilusão da liberdade. Bossuet fala do "mundano": "Esse movimento perpétuo que lhe acarreta mil dificuldades não deixa de satisfazê-lo pela impressão que lhe dá de uma liberdade errante. Como a árvore que o vento parece acariciar brincando com suas folhas, embora esse vento não a acaricie sem agitá-la e jogá-la ora de um lado ora do outro, com grande inconstância, vós diríeis que se alegra com a liberdade de seu movimento, igualmente, embora os homens do mundo não tenham liberdade verdadeira, sendo quase sempre constrangidos a ceder aos diversos usos que os impelem como o vento, eles julgam, contudo, gozar duma certa liberdade e paz, fazendo vagar de um e de outro lado seus desejos confusos e incertos."
VIOLÊNCIA, FORTALEZA, ANTI-CONFORMISMO
A virtude da fortaleza implica os dois traços seguintes: o domínio de si e a independência com relação às opiniões e arrebatamentos da multidão (si omnes, ego non: se todos, eu não — proclama uma velha divisa aristocrática). Ora, todos os fenômenos de violência que nós relacionamos se situam nos antípodas desse duplo ideal: seu caráter passivo e gregário salta aos olhos. Eles procedem ou dum abandono anárquico aos impulsos elementares ou (e essas duas reações são estreitamente ligadas) duma docilidade mecânica para com os movimentos da multidão, naquilo que eles têm de mais efêmero e vão. Há um parentesco profundo entre a ovelha negra e os carneiros de Panurgo. E é em função dessa dupla carência que esses seres, tão largamente abertos às modas, às ideologias e a todas as correntes da história que no fundo não levam a nada, se refugiam automaticamente no individualismo mais tacanho e cego quando se cogita das grandes questões concernentes à natureza do homem e da sociedade: a profissão, a família, a pátria, a religião. Esse jovem "insensível" que ostenta uma virilidade de fachada nos lugares de diversão vive agarrado a seus pais e se comporta como um "eunuco" diante das dificuldades da existência. Esse descabeçado que maneja o voltante com a inconsciência da criança montada num carrinho de brinquedo dá mostra da mesma fraqueza na vida real: dir-se-ia que ele enfrenta todos os riscos para melhor fugir a todas as responsabilidades. E eu não quero evocar aqueles franceses de ontem que, ajoelhados diante da Trindade do médio eleitor (carro, férias, televisão), talvez se envergonhassem de ignorar o último filme de Brigitte Bardot, mas se quedaram insensíveis diante da agonia física e moral de seus irmãos da Argélia.
Essa afinidade entre a violência vazia e a inconsciência frente às realidades nada tem que deva surpreender-nos. Há entre a violência e a frouxidão uma diferença de grau e não de natureza. Um pneu estufado não tem outra superioridade senão a de estar cheio de vento. E o menor acidente exterior basta para pô-lo em evidência. Assim, a violência cega e a frouxidão se revezam freqüentemente num mesmo indivíduo, conforme os humores e as circunstâncias. São Pedro comprovou à sua custa essa lei psicológica quando, após desembainhar a espada contra os servos do Sumo Sacerdote, renegou miseravelmente seu Mestre...
Toda esta conversa não deve ser interpretada como uma condenação absoluta e universal da violência sob todas as suas formas. Santo Tomás nos ensina que o exercício do "irascível" pode ser legítimo e benéfico na medida em que se obedeça à razão. Doutro lado, a virtude da fortaleza implica, em certas circunstâncias (educação das crianças, guerra justa, repressão da delinqüencia etc.) o uso da violência. A violência sadia é aquela que pomos ao serviço do bem e que dirigimos contra o mal. E, antes de tudo, contra o mal que está em nós; enquanto a violência que nós exercemos sobre os outros é freqüentemente negativa e maléfica. Não é por acaso que a expressão "violentar-se" é quase sempre entendida num sentido favorável. É por aí que se precisa começar: como poderemos nós modificar para melhor o que quer que exista no mundo e entre nossos semelhantes, se não soubermos modificar-nos a nós mesmos?
Tal é o "caminho da liberdade" que se abre aos jovens. Essa liberdade — tão exaltada em palavras e tão achincalhada nos fatos — não se desenvolve nem pela anarquia individual nem pelo mimetismo social, mas pelos esforços e sacrifícios que uma obediência ativa às leis eternas exige. É necessário, com efeito, mais liberdade para fazer o bem que para sucumbir ao mal, para afirmar um ideal que para ceder a um impulso. O alpinista que escala uma montanha faz a cada instante uma opção para não cair e concentra toda sua energia nesse objetivo, mas absolutamente ele não tem necessidade de opção nem de energia para deixar-se rolar no abismo.
E quanto aos jovens que apreciam a luta e o risco e que sentem borbulharem dentro de si instintos revolucionários, que eles se tranqüilizem: a solução que lhes propomos é a menos confortável. Pois no mundo em que vivemos — neste mundo que tem por regra o desregramento, em que os paradoxos se tornaram preceitos e os escândalos convenções, em que as pressões sociais funcionam no sentido da destruição da sociedade, em que as instituições repousam na violação das leis não escritas; — diante dessa ordem estabelecida que é a negação da ordem eterna, eles encontrarão facilmente a oportunidade para exercitar suas faculdades de combate, pois o anticonformismo e o respeito aos comandos imutáveis vão hoje de braços dados, e aquele que quiser obedecer à razão e a Deus encontrará mais obstáculos e se exporá a mais perigos que aquele que delira com o seu século e se ajoelha diante dos seus ídolos. Neste mundo transtornado, o combate mais duro e o maior risco estão do lado dos defensores da ordem contra o caos e da sabedoria contra a loucura.
(Traduzido e Publicado por "Hora Presente", maio de 71)