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Conferências sobre a santidade (III)

Nota da Permanência: O Padre Matéo proferiu estas conferências às superioras de diversas comunidades religiosas do Canadá, na província do Québec, em 1945. Embora endereçadas às almas consagradas, estas conferências são utilíssimas aos leigos, havendo estes tão-somente de fazer as devidas substituições, como “almas consagradas” por “almas batizadas”, “comunidade” por “família”, “vida religiosa” por “vida cristã” e assim por diante. 

Pe. Matteo Crawley-Boevey

 

Pensamento na eternidade

Certo dia um grande pregador dominicano que passava por Ávila consultara Santa Teresa sobre o tema das pregações. “Pregue sobre o que quiser, disse-lhe ela, mas sempre tenha o pensamento na eternidade, pois não existe missão sem pensamento na eternidade.” Pois então, nada de retiro sem o pensamento na eternidade. Eis o que veremos uns dez minutos antes de comparecer diante do tribunal. Durante os estertores acontece uma batalha, uma luta: o moribundo apreende com impressionante nitidez a sua vida inteira e, nesse momento de extraordinária lucidez, descortina-se para ele a eternidade...

Certa vez um jovem marquês divertia-se num baile noturno, onde se reuniam mais de quinhentas pessoas. De súbito exclamou: “Eu vejo, eu vejo! Oh, oh! ...” Acercam-no as pessoas: “Que viu você? – Eu vi, eu vi! – Mas viu o quê? – Vi o juiz e o tribunal; vi a eternidade. Ah, como somos loucos! Sim, loucos, pois dançamos às bordas do abismo eterno!” Acharam que havia surtado. Ele, no entanto, exigia: “Mandem vir o tabelião, para fazer o meu testamento! Estou morto, deem os meus bens aos jesuítas etc.” Atenderam aos desejos dele. Pouco tempo depois ele se retirou numa gruta da floresta, onde levava vida de bicho mas alegre como um passarinho.

Bem-aventurados os que já estão preparados! Muitos ainda não estão prontos, até entre as almas consagradas. Se vocês são complacentes consigo mesmas, será dureza, mas se forem rigorosas, será leve. Julguemo-nos a nós enquanto há tempo: vejamos a partir de agora o que veremos às portas da eternidade, na hora da agonia, dez minutos antes de morrer. Nada melhor que repassar a nossa vida.

Apresento-lhes três pinturas ou quadros:

A brevidade da vida – Vocês tinham sete ou oito anos; lembrem-se da primeira confissão, da primeira comunhão... Parece que está longe, mas na verdade foi ontem. Neste ínterim, a vida passou como um sonho. Onde estaremos daqui a trinta anos? Como é bom sentir-se sacudido por um pensamento cristão! Se temos medo de acompanhar um enterro, talvez signifique que ainda não estamos prontos. Vocês aconselham as suas filhas, mas será que estão preparadas? Ah, as ilusões da vida!

Certa feita uma moça de vinte e quatro anos, casada havia sete meses, estava para morrer, mas ela não aceitava: “Oh, não posso morrer, não quero morrer, sou jovem demais!” – O pensamento da morte deveria ser a nossa alegria.

Uma criança de dez anos, bastante doente, preparava-se para morrer; fui visitá-la e lhe perguntei: “Você tem medo da morte? – Não, me respondeu ela, não tenho medo de morrer, mas do que vem depois.” Ela tinha razão. O mistério é o depois. Quando uma pessoa é religiosa de verdade, a morte não é assustadora. Compreendam isso à luz do retiro: se vocês negligenciaram as orações e a vida interior, pensem no que verão à hora da morte. Há algo de sagrado na morte, mas infelizmente somos qual o capitão que estimula a que outros embarquem, enquanto ele fica na praia...

Havia um moço de vinte e oito anos que escalava uma montanha, subindo e subindo a cada passo. De repente deu com o pé em falso e escorregou, caindo vertente abaixo, apesar de em vão tentar agarrar-se às saliências da encosta. Onde foi ele parar? Foi até às bordas do abismo! Deteve-o uma pedrinha. Alçaram-no dali com uso de cabos, conseguindo-o tirar daquela situação. Ficou com os cabelos totalmente brancos.

Tudo é vaidade, exceto Deus – Renunciamos ao casamento, instituição sagrada; renunciamos à vida de família, instituição excelente – e apegamo-nos a bibelôs ridículos. Somos uns loucos! Vaidade é orgulhar-se do próprio talento; vaidade orgulhar-se das próprias qualidades; vaidade orgulhar-se das alegrias sensíveis: música, poesia, pintura; vaidade orgulhar-se de um encargo ou honraria, pois tudo passa. A pior das mancadas é chegar à morte sem nunca haver pensado a sério em formar santas. Quantos remorsos sentirão! Vocês são superioras; talvez já tenham sentido o leve contentamento e o discreto perfume da elevação. Pois bem, o Juiz Supremo lhes pedirá contas do encargo... Bem-aventurada quem enxerga claramente antes da morte! O Papa Celestino abandonou o pontificado dizendo: “Quero ir para a solidão e salvar a minha alma.” A única realidade da vida é a morte, só ela. Tudo passa, tudo some, tudo foge, mas só ela permanece.

Certo moço, conde e oficial das forças armadas, casara com uma jovem marquesa. Alguns anos depois, aquele moço, cujo casamento abençoei, pediu-me para que se entronizasse o Sacratíssimo Coração de Jesus em seu lar. Falei algo sobre a devoção ao Sagrado Coração e o modo de viver a entronização. Estavam todos de joelhos: o pai, a mãe, os irmãos; as irmãs também estavam presentes. Pregava eu: “A única realidade é o Sacratíssimo Coração de Jesus, é Ele a única realidade, a única!” Quando menos se esperava, uma luz iluminou o conde, que escutava uma voz como a lhe dizer: “Deixa tudo, deixa tudo”. A luz e a voz o perseguiam; depois de alguns dias, a jovem marquesa, que já havia sonhado com o Carmelo, sentira também o chamado. Escreveram ambos a Roma; a resposta demorou um ano. No dia 8 de dezembro de 1918 ou 1919 despediram-se e cantaram o Magnificat. Ela escolheu um Carmelo flamengo, para que ficasse mais isolada; hoje é ela a priora de lá. Já ele é o meu superior geral. Caso vocês conservem apegos, cortem-nos antes de morrer. Não haja em suas vidas o menor laço.

O pecado – Já cometeram algum pecado mortal durante a vida? O pecado é uma triste realidade. Para a glória do rei, temam o pecado! Transformar-se num leproso mefítico, embora apavorante, é aceitável; já o pecado é o pior dos males para vocês e suas filhas.

 

A grande prova da existência do inferno

Qual é o argumento mais poderoso para provar existência do inferno e a eternidade dele? Algo de mais poderoso que a palavra de Nosso Senhor? O crucifixo. Um Deus se crucifica por diversão? Não, ele morre como um bandido para nos poupar do inferno. Nosso Senhor fala no Evangelho mais de dez vezes acerca da geena e do fogo: “Temei a geena... sereis lançados ao fogo do inferno.” Porém, a morte do Cristo para salvar-nos desse fogo cala ainda mais forte. Quem contradita o Eterno é louco ou canalha. Existem livros que nos instruem sobre o inferno afirmando que todos os demônios estão presentes à hora da morte. Por que não dizem que quem estará lá conosco é o Salvador, o Bem-Amado, o que derramou sangue para nos salvar? Vocês são o espólio do Senhor, assim para que escapem de Seus braços seria preciso que fizessem força, pois Ele não as abandonará tão facilmente. O temor filial é dom, graça, prudência e humildade. Esperem n’ Ele, confiem n’Ele sempre mais, esperem! Até os canalhas devem esperar nele. Ele aguarda, aguarda mais um segundo, ainda outro, para que vocês lhe declarem: “Eu Vos amo!” Os nomes de vocês estão gravados no coração de Jesus desde o batismo, ou melhor, desde a profissão. Ninguém será capaz de apagá-los de lá, a menos que vocês mesmas o façam. Vocês hão de enxergar tais nomes no momento da agonia! Hão de morrer como São José, nos braços de Nosso Senhor, com a cabeça apoiada sobre o peito dele. Não é morte morrer assim!

Há alguns meses, uma humilde irmãzinha, serva dos pobres, morreu em grande júbilo, cantando. Só quem é humilde e confiante morre assim. A religiosa é religiosa, esposa e rainha para sempre. Sejam santas na vida e na morte, e a morte não será morte, pois passarão da vida de consagradas cá embaixo à glória de prediletas lá em cima, ao lado dele.

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