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Reflexões sobre as conferências episcopais

Gustavo Corção

 

Estas reflexões, feitas por um velho leigo que nunca pretendeu falar pela Igreja, mas que também nunca desanimou de poder servir à Igreja com suas modestas contribuições, dirigem-se aos bispos do Brasil, e concernem especialmente à CNBB, embora de início se refiram à problemática geral das Conferências Episcopais.

De início devemos recapitular os tópicos em que o problema foi abordado e ficou oficialmente formulado nas Constituições e Decretos do Concílio Vaticano II. São os seguintes:

1. Quanto à função nacional das Conferências Episcopais, temos no Decreto sobre o Ministério dos Bispos (Christus Dominus), parágrafo 18, apenas 7 linhas recomendando às Conferências o cuidado pelos fiéis emigrantes, itinerantes, exilados etc. que ainda "não possam desfrutar convenientemente dos cuidados pastorais dos párocos".

2. Quanto à sua importância, temos no parágrafo 37 do mesmo Decreto 12 linhas relativas às exigências maiores dos tempos modernos e "aos magníficos resultados de fecundo apostolado já trazidos em muitas nações por essas conferências". Na base dessa apreciação otimista "julga este santo Concílio que será muito conveniente, no mundo inteiro, que os bispos da mesma nação se reúnam em uma assembleia, em datas prefixadas, a fim de que, comunicando-se as perspectivas da prudência e da experiência, e contrastando os pareceres (destaque meu) se constitua uma santa inspiração de forças para o bem comum das igrejas. No tópico seguinte, em página e meia dividida em seis tópicos, passa o Concílio a formular o conceito, a estrutura e a competência das conferências. Merece especial destaque o tópico 4 onde se lê: "As decisões da conferência episcopal, legitimamente adotadas, com uma maioria de dois terços de votos dos bispos que pertencem à conferência com voto deliberativo, e aprovadas pela Sé Apostólica, só obrigam juridicamente nos casos em que o ordenar o direito comum ou o determinar por ordem expressa a Sé Apostólica, manifestada por vontade própria ou por petição da mesma conferência”.

A abertura trazida pelo Concílio não podia ser mais discreta e mais moderada, mas a experiência subsequente provou, no mundo inteiro, que a discreta abertura se alargou desmesuradamente e que a "santa conspiração" se transformou em conspirações sem sinais de santidade. Aliás, no decurso dos debates conciliares várias vozes se levantaram em sinal de alarma e com lucidez previram abusos que os boletins meteorológicos da atmosfera espiritual de nosso tempo já anunciavam. Não era preciso ser profeta para ver que, desde a década de 30 se avolumara a onda revolucionária que na Espanha fez milhares de mártires "no sentido próprio do termo", segundo Pio XI, e que na França produziu milhares de "progressistas" e apóstatas que se entregaram às chamadas "esquerdas" que desde o princípio do século se infiltravam e envenenavam os meios católicos mais preocupados com os problemas sociais.

Em 9-10-1963, na Quadragésima Congregação Geral sobre a Hierarquia, D Geraldo de Proença Sigaud, Arcebispo de Diamantina falando em nome dos bispos Marcel Lefebvre, Luiz Gonzaga Marelim, Antônio de Castro Mayer, João Pereira Venâncio, Carlos Saboia Bandeira de Melo, João Rupp, e do Abade João Prou, de Solesmes, alertou os padres conciliares contra dois "escolhos sumamente perigosos": O primeiro era criação de uma instituição mundial comparável a um Concílio Ecumênico Permanente (...) que seria uma espécie de Parlamento Mundial na Igreja Cristo. O segundo perigo (que não foi evitado) residia na instituição de uma espécie de Concílio Nacional ou Regional permanente na qual alguns bispos de uma nação ou região poderiam, mediante sentenças jurídicas ou doutrinárias aprovadas pelo Papa, comprometer todos outros bispos daquela nação ou região. "Pois é evidente -- dizia D. Geraldo Proença Sigaud -- que tais instituições trariam enormes dificuldades ao exercício do poder ordinário, seja do Papa, seja dos bispos."

A experiência subsequente velo provar que neste ponto, como em vários outros deixados pelo Concílio, o uso de discretas aberturas transformou-se em abuso, e os abusos produziram calamidades como se vê por exemplo no maciço abuso praticado pelo episcopado francês em matéria de catequese.

É fácil compreender o grave defeito estrutural dessa instituição que inchou e deformou-se ao sabor da torrente revolucionária que disputa com o Cristianismo a hegemonia do novo mundo, ou nova "civilização" que está para nascer. Com o volume e a forma que tomaram, as Conferências Episcopais têm dois defeitos graves e complementares: 1) Fácil acesso das alavancas aos ativistas da minoria agressiva e revolucionária; 2) Vasto repositório para as omissões da maioria dos bispos que não têm coragem e vigor de enfrentar a onda, embora não concordem com ela.

Para exemplificar o funcionamento desses dois defeitos conjugados temos as sugestões de 4 arcebispos mineiros apresentados ao presidente da CNBB por ocasião da IX Assembleia Geral da CNBB em julho de 1968. Transcrevo um trecho colhido no vol. 1, setembro de 1968, de SEDOC:

"Ninguém pode esconder que uma profunda desconfiança cerca diversas atividades de diversos secretariados regionais e da mesma CNBB, oriunda das orientações transmitidas aqui e acolá a nossos sacerdotes, religiosos e leigos, orientações que às vezes não nos parecem ortodoxas tanto com referência à fé quanto à moral."

"Conscientes de nossa responsabilidade como Pastores da Santa Igreja e membros desta Conferência, sentimo-nos na obrigação de confessar que nós mesmos não temos podido exercer em plenitude nosso múnus na colegialidade, pois parte desta orientação é dada por um grupo de "peritos" que prepara nossos documentos e planos de atividade, sem que tenhamos oportunidade ou mesmo possibilidade de analisá-los acuradamente ou de emendá-los. Acresce ainda que alguns dos nossos peritos não merecem nossa confiança, seja por não trazerem consigo algumas qualidades indispensáveis a sacerdotes que se apresentam a nosso clero como credenciados pela CNBB, seja por se fazerem portadores de uma orientação que não reconhecemos como a da maioria da Conferência. Sentimos que somos substituídos por eles, pois muitas vezes somos convocados para reuniões nas quais nos são apresentados documentos para serem votados sem o tempo necessário para a sua apreciação e nas quais não nos é dada oportunidade de tratarmos assuntos que nos parecem graves e importantes para nossa pastoral."

Estas "Sugestões", que em pequena parte, transcrevo acima, são assinadas por quatro arcebispos mineiros: D. Geraldo Proença Sigaud, de Diamantina, D. José d'Angelo Neto, de Pouso Alegre, D. Oscar de Oliveira, de Mariana, e D. Alexandre Gonçalves do Amaral, de Uberaba, e constituem um pequeno exemplo da grande deformidade estrutural a que chegaram as Conferências Episcopais.

Evidencia-se assim que a honra da Igreja e dos episcopados nacionais ficam à mercê de minorias agressivas que talvez pertençam mais à Anti-igreja do que à Igreja Cristo. Multiplicando-se esse defeito pela incontinência publicitária e pela logorréia que todos os dias estampa nos jornais pronunciamentos de titulares das Conferências, tem-se um resultado final que clama aos céus e pede reação viril e imediata das autoridades eclesiásticas e enquanto não se veem sinais de tal reação, justificam-se os gritos de dor filhos da Igreja que só podem clamar, e que, sem grave pecado de omissão, não devem silenciar.

 

(O Globo, 01/07/1971)

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