Faz já um tempo - bastante grande, na verdade - que o Diretor desta revista pediu-me um artigo sobre o Seminário onde desempenho o cargo de reitor, deixando-me a maior liberdade na escolha da abordagem do referido artigo.
Durante certo tempo busquei qual seria o ponto de vista mais interessante para os leitores da Permanência e terminei concluindo que, talvez, a maneira mais original e viva para conhecer um seminário por dentro fosse através dos olhos, das ilusões, das aspirações e dos sentimentos dos próprios seminaristas. Pedi então a três diáconos que escrevessem o que os senhores lerão na continuação.
Quando eu mesmo li estas reflexões dos referidos diáconos concluí que não me havia enganado ao deixar-lhes a redação do artigo: este permite não somente entrar no coração de um seminário católico, como diz o título, mas também no coração mesmo de um rapaz que quer doar-se totalmente a Nosso Senhor e que se deixa amoldar, pouco a pouco, pela graça de Deus, passando, no entanto, por algumas provas.
Enfim, atrevo-me a dar a sugestão aos que vão ler estas páginas, de não limitarem-se somente a lê-las, mas de também meditá-las. Lembrem-se, também, destes rapazes nas suas orações, para que sejam sacerdotes segundo o coração de Jesus.
Padre Davide Pagliarani, Reitor
Introdução
A enorme e espantosa crise da Igreja dos últimos cinquenta anos afunda cada vez mais no esquecimento a noção profunda e verdadeira do que é um seminário católico.
À falta de vocações se agrega a perda do sentido do sacerdócio, o que necessariamente leva à corrupção aqueles institutos cujo fim é justamente a formação sacerdotal.
Que jovem, ou que família pode, hoje em dia, formar-se uma idéia reta e suficiente sobre um seminário carecendo de exemplos concretos e próximos? Pior ainda, os exemplos que eventualmente possa conhecer lhe dão uma imagem totalmente distorcida ou desfigurada!
Frente a esta dolorosa falta de referências sólidas, vem este artigo, sem maiores pretensões, dar alguma noção sobre a vida do seminário Nª Srª Corredentora, de la Reja, no sentido, não tanto de uma descrição material e cronológica, mas de uma narração mais profunda das realidades que fundam e vivificam nosso seminário no mais íntimo do seu “coração”.
As Primeiras impressões
As primeiras impressões de um jovem recém chegado ao seminário são daquelas que não se apagam nunca mais da memória. A alegria das “boas vindas” dadas como a um bom amigo por longo tempo esperado o surpreende!
Por quê tanta alegria? Em certo sentido, pode ser comparado ao gozo de uma família ao receber um novo membro.
Mas o jovem candidato ainda não está em condições de entender que um seminário é uma família, e que, cada jovem que nele ingressa, aumenta o número de seus membros. Esta é uma realidade que só compreenderá dentro de algum tempo.
Passam os primeiros dias, e ainda não sabe explicar o que há de especial em sua nova vida. A simplicidade de vida é tal, e a rotina tão repetitiva, que se assombra da felicidade que reina neste lugar, não encontrando sua causa.
Levantam-se praticamente todos os dias à mesma hora, rezam os mesmos ofícios, fazem os mesmos trabalhos, assistem suas aulas todas as manhas e pela tarde estudam. Comem sempre à mesma hora, e às dez da noite, rezada a oração de Completas, todas as luzes se apagam.
No entanto, a monotonia é apenas aparente. O entusiasmo de todos é contagiante, e aquele que se entrega com generosidade à vida comum não vê o tempo passar.
A rotina semanal é radicalmente quebrada pelo esplendor da missa dominical! A liturgia católica cativa pelo seu brilho a todo o que por primeira vez dela participa. Ao som dos sinos, todos, sem exceção, se dirigem com respeitoso silêncio à Igreja, onde, dado o sinal, todos em uníssono contam as glórias de Deus. Enquanto ao longe se ouvem os ecos do barulhento mundo pagão, no íntimo do seminário, não com menos vigor, fazem-se ouvir as vozes dos filhos de Deus que intercedem pelos seus irmãos extraviados.
Mas a profunda meditação do nosso jovem deve ser interrompida para dar lugar às exigências da humana condição corporal. Os trabalhos da comunidade o chamam. Todos colaboram, cada um segundo a função que lhe é designada, o que ensina ao recém-chegado o valor da generosidade, que garante, pelo esforço em comum, o bem estar necessário a cada um dos membros.
Esta compreensão mais profunda do trabalho lança uma primeira luz às dúvidas sobre o modo alegre e generoso de viver uma rotina quotidiana, que vai se transformando, aos poucos de monotonia repetitiva em alegria sempre renovada.
Mas o trabalho não constitui a característica principal de um seminário. Os estudos, exigentes, ocupam uma boa parcela do dia. As matérias estudadas requerem dedicação, esforço e atenção: filosofia, teologia, latim, espiritualidade, catecismo e Sagrada Escritura são alguns exemplos do alto nível cientifico que se oferece a um seminarista.
No entanto, a fadiga intelectual é compensada pelas duas tardes semanais de esporte, nas quais o futebol, o vôlei, o tênis ou o cooper se encarregam do equilíbrio entre corpo e alma. Além dos desejados passeios mensais, que variam entre visitas à igrejas, museus ou uma tarde de jogos e caminhadas em algum parque ou fazenda próximas.
Todas estas impressões iniciais são de grande importância, ainda que não suficientes para uma verdadeira compreensão de um seminário. É necessário uma distinção purificadora entre o que é puramente humano e o que é divino. Distinção que costuma ocorrer na metade dos seis anos de formação de um seminarista.
O “meio-dia”
Assim como o sol do meio-dia faz sentir seus ardores sobre os já fatigados corpos dos que voltam do trabalho matinal, aumentando as suas penas, assim também os três primeiros anos de estudos, trabalhos e orações continuas pesam sobre o já não tão novato seminarista.
O entusiasmo inicial, mais humano que divino, perde seu impulso e vigor, deixando a inteligência e vontade, já sem a ajuda dos sentimentos, sozinhas no campo de batalha. É chegado o momento de viver o seminário não somente levado pelo exemplo dos companheiros, mas principalmente por uma convicção interior profunda, enraizada não na inconsistente areia dos sentimentos, mas na terra firme da graça de Deus.
Processo tanto mais doloroso quanto maior a alegria de seu desenlace final. Doloroso porque a rotina continua a mesma, não assim seu encanto. Os trabalhos supõem abnegação e sacrifício. O silencio, próprio de religiosos, exige um continuo esforço. A vida comum, ainda que proporcione muitas alegrias, igualmente traz suas dificuldades, desentendimentos, incompreensões.
O seminarista se pergunta: “vale a pena tudo isto?” Aparentemente não se produz nada útil. Os estudos não parecem estar direcionados a uma brilhante carreira no futuro, mas somente à contemplação e transmissão das verdades de fé. Há uma desconexão quase total das noticias do mundo exterior...
Mas justamente aqui está o ponto central que caracteriza uma vida de seminário: uma vez passado o que era mais humano que divino, começa o incrível drama do que é mais divino que humano.
À angustiante pergunta “para que tudo isto?” daquele que busca a solução, responde a nossa solícita Mãe, a Santa Igreja, com suas ternas e profundas palavras: “isto não é uma obra humana. Teu criador criou-te para si, e não para ti; e quer de ti um servidor fiel que dê a conhecer ao mundo a sua verdade e a sua bondade infinitas.”
O jovem coração não sabe o que responder. É algo tão acima do que imaginava nos seus primeiros anos... Confuso, vai em busca do conselho daqueles experimentados sacerdotes que estão a cargo de formá-lo até o ultimo passo, e se assombra ao descobrir que todos os antigos passaram pelo mesmo drama. E vendo neles a imagem de seu futuro, animado, prepara-se para os últimos anos de sua formação.
Os últimos anos
Esta nova e consoladora etapa, tão diversa dos anteriores, possui uma luz que transforma em sobrenatural tudo aquilo que lhe parecia tão natural. Todas as atividades quotidianas, desde o lavar pratos até os louvores divinos, tudo se faz para glória do único Deus vivo, por amor, obediência e fidelidade àquele que o criou e lhe pede seu coração.
A liturgia, a mesma de sempre, mas sempre nova, se transforma em uma conservação com Deus. Essa nova alegria, até então desconhecida, vai tomando conta do coração do futuro sacerdote, e vai deixando no esquecimento todas as mundanas alegrias, que se tornam efêmeras ao lado do serviço de Deus e sua glória. Já não pensa em “subir na vida” senão no sentido de crescer em perfeição interior e conhecimento da verdade.
Agora sim, dirá o seminarista, agora sim compreende-se que tantos jovens, tendo à “vida pela frente” venham a confinar-se entre as paredes de um edifício, deixando-se atar sua liberdade ao cumprimento de uma regra. Oh, sim, vale muito mais do que a pena!
As despedidas
Porém, aproximando-se o término dos estudos, deve o já experimentado seminarista preparar-se a receber aquilo que justificou seus seis anos de suores, sacrifícios, alegrias e consolações. Aproxima-se sua ordenação sacerdotal. A expectativa do grande dia contagia novos e antigos. Todo o seminário entra numa atmosfera de alegria tanto natural quanto sobrenatural.
O dia anterior à cerimônia é preenchido pelos intensos trabalhos preparativos, é necessário acomodar o refeitório para os numerosos convidados, limpar e preparar a Igreja, sem esquecer o cuidado do parque exterior.
Enquanto a comunidade se agita em ardoroso trabalho, nosso futuro sacerdote faz, silencioso, seu retiro de preparação. São-lhe dadas várias conferências sobre a responsabilidade que pesará sobre seus ombros, e sobre a sublimidade de sua vocação. No entanto também lhe é chamada a atenção sobre a enorme obrigação de fidelidade e gratidão a Deus, que gratuitamente, sem mérito algum de sua parte, confia-lhe o cuidado das almas.
Enfim, soa o sino do tão esperado dia! Com o coração levemente acelerado mas com espírito recolhido, integra a procissão solene de entrada à igreja e, a passos lentos, vai se aproximando do altar daquele que a seis anos atrás, de modo tão escondido havia lhe conduzido ao seminário. O sorriso exterior revela aquele outro interior, tão próprio de um homem, que ao compreender a sua condição de criatura, põe sua alegria em cumprir a vontade de Deus.
Conclusão
Quem diria, pois, que um tão sóbrio edifício em suas cores e formas, abrigasse em seus silenciosos claustros tão intensos movimentos de um coração humano, que em seu natural inquieto, busca o conhecimento do amor e da vontade de Deus, seu criador e redentor!
Isto é o coração de um seminário! Coração que recebe o seu impulso vital do coração de Cristo, aberto na cruz, e por outro lado, coração que reparte esta vida divina a todos os homens pela formação de sacerdotes missionários.
Obra essencial da Santa Igreja, um seminário é como uma fortaleza que garante a todo jovem que nela ingressa, não somente proteção e amparo, mas, principalmente, uma formação sólida que lhe abrirá os horizontes do discernimento da verdade e dos desígnios da Providência sobre os homens.
Que Deus se digne, por fim, inspirar em todo cristão ardentes desejos, orações e súplicas pelo florescimento cada vez maior desta tão bela obra, tanto mais necessária quanto maior é a sede de doutrina e vida cristã deste árido mundo moderno.