Comovida até ao mais íntimo do ser com tais revelações, a nossa querida Irmã deixou-se impregnar delas inteiramente. Estava tão apaixonada pelas Chagas do Salvador que lhe parecia “que ia devorá-las”. O seu mais ardente desejo era suscitar no universo os sentimentos de amor e de reconhecimento que elas devem inspirar, pronta a dar a vida pela extensão dum culto que ela queria imenso, apaixonado, sem limites! Se, aliás, o seu ardor esmorecia, se as invocações se tornavam menos numerosas sobre os lábios, Jesus não tardava em apresentar-se a ela no estado lastimoso a que o reduziram as nossas iniquidades e, mostrando-lhe as Chagas, fazia-lhe amorosas repreensões:
“Elas olham sempre para ti, mesmo quando tu as esqueces, tu, que devias contemplá-las sempre... - Já tas mostrei tantas vezes que isso deveria bastar-te; mas não, é preciso que eu te desperte contìnuamente o fervor.”
Ou ainda:
“As invenções dos algozes para me fazer sofrer, era Eu que as queria. - Queria-as por vosso amor e para satisfazer a meu Pai. Tudo se fazia por minha vontade!... E agora, minha filha, também te farei sofrer, porque Eu o quero.”
“Desejo e quero que me consoles dos ultrajes que recebo!... - Quero-te vítima corajosa: Eu serei o teu Sacrificador. Eleva o teu coração e lança-o nas minhas Chagas.”
Apresentando-se a ela como num quadro, suplicou-lhe um dia Jesus, com um tom de indizível ternura e de ardente desejo:
“Deves copiar-me, deves copiar-me!... Os pintores fazem quadros quase conformes com o original, mas aqui sou Eu o pintor que faço a minha imagem em vós, se vós me contemplardes.”
Insistindo sobre este mesmo convite, o nosso Divino Salvador ensinava-lhe um día:
“Minha filha, quando um pintor quer fazer um quadro, prepara primeiro a tela que deve receber pinceladas.”
“- Bom Mestre, não sei o que isso quer dizer” - dizia ela na sua extrema ignorância.
E Jesus teve que explicar-lhe que a sua alma era esta tela preparada:
“Minha filha, prepara-te para receber todas as pinceladas que Eu te quiser dar.”
Algum tempo mais tarde, Jesus perguntou·lhe: “Minha filha, queres ser crucificada comigo ou glorificada?”
“Ah! meu bom Jesus, antes quero ser crucificada! Queria sofrer tanto por Vós, como Vós sofrestes por mim!...”
“Sofrerás por Mim, como Eu sofri por ti, fazendo todas as tuas ações para me agradar e não me recusando nenhum sacrifício...”
Ao ouvir isto, a Irmã Maria Marta ficou subitamente invadida por uma grande impressão e começou a inumerar os seus defeitos, como um obstáculo às graças de Deus:
“Os teus defeitos, replicou o seu terno Mestre, hão-de aparecer todos no dia do Juízo, mas para tua glória e minha!... - Recebo todas as tuas ações e sofrimentos pelos pecadores e pelas almas do Purgatório, mas é preciso que tu permaneças como que colada ao meu Coração, às minhas Chagas, não fazendo senão um comigo... - Não deves sair do meu Coração, porque, se o fizesses, já não poderia comunicar-me a ti.”
“- Bom Mestre, ensinai-me o catecismo” - pediu-lhe ela, uma vez, com a sua candura e ousadia infantil.
“Vem à tua morada, minha esposa, respondeu Jesus, mostrando-lhe as Chagas, vem à tua morada; lá encontrarás tudo!... Serei teu pregador e ensinar-te-ei a imolar-te por meu amor e pelo teu próximo.”
“O Crucifixo, eis o teu livro!... Toda a verdadeira ciência está no estudo das minhas Chagas. Quando todas as criaturas as estudassem a todas bastaria, sem precisarem de livro algum. - É nele que os meus santos leem e lerão eternamente, é o único a que vos deveis afeiçoar, é a única ciência que deveis estudar.”
“Quando beberdes nas minhas Chagas, disse-lhe ainda Nosso Senhor, aliviais o divino Crucificado!”
E voltando-se para o nosso Santo Fundador, que estava presente a este colóquio, disse:
“Eis o teu fruto! Uma das tuas filhas que toma o meu Sangue das sagradas aberturas para o dar às almas e aplacar a minha justiça.”
A nossa Irmã, devorada pelo amor de Deus, aproveitou esta ocasião para pedir ao nosso bem-aventurado pai que lhe obtivessse a graça de ir em breve para a Pátria, gozar do Soberano Bem. Mas ele respondeu-lhe:
“Minha filha, é preciso que cumpras a tua tarefa!...”
“Ninguém pode entrar no Céu sem ter cumprido a sua missão no mundo. - Se tu morresses já, vendo que a tua tarefa não estava completa, desejarias voltar à terra para a terminar, considerando a glória prestada ao Divino Mestre e como aplacas a Justiça de Deus tão fortemente irritada... - Estou bem contente com a glória que vós me dais também a mim, invocando as Santas Chagas.”
Deste modo, a Irmã Maria Marta era constantemente sustentada, animada na “sua tarefa”, segundo a expressão que incessantemente lhe vinha aos lábios. Esta tarefa, como vimos, era em primeiro lugar oferecer contìnuamente os méritos das Santas Chagas de N. S. J. C. pelas necessidades da Igreja militante e padecente. Era depois trabalhar por renovar, tanto quanto possível, esta salutar devoção no mundo inteiro. A primeira parte referia-se a ela pessoalmente: Nosso Senhor a tinha estimulado a isso levando-a a fazer promessas solenes, já antigas e redigidas pela mão da superiora:
“Eu, Irmã Maria Marta Chambon, prometo a N. S. J. C. oferecer-me todas as manhãs a Deus Pai, em união com as Divinas Chagas de Jesus Crucificado, pela salvação do mundo inteiro e para o bem e perfeição da minha Comunidade. - Adorá-l’O-ei em todos os corações que O recebam na Santa Eucaristia... Agradecer-lhe-ei por se dignar vir a tantos corações tão pouco preparados... Prometo a Nosso Senhor oferecer, de dez em dez minutos, com o auxílio da sua graça e em espírito de penitência as Divinas Chagas do Sagrado Corpo ao Pai Eterno... unir todas as minhas ações às Santas Chagas, segundo as intenções do Adorável Coração, pelo triunfo da Santa Igreja, pelos pecadores e pelas almas do Purgatório, por todas as necessidades da minha Comunidade, do Noviciado, do Pensionato e em expiação de todas as faltas que neles se cometem... Tudo isto por amor, sem obrigação de pecado.”
A invocação:
“Padre Eterno, eu vos ofereço as Chagas de N. S. J. C. para curar as das nossas almas, é a fórmula desta oferta...”
A Irmã Maria Marta tinha prometido fazê-lo “de dez em dez minutos”, mas não se passava um momento no dia, sem que a sua boca a renovasse, juntando-lhe a segunda invocação:
“Meu Jesus, perdão e misericórdia, pelos méritos das Vossas Santas Chagas.”
A existência da nossa querida Irmã tornou-se assim uma oração ininterrupta. A união com Deus e um silencioso recolhimento sempre se liam na sua fisionomia. Ao vê-la com os olhos quase sempre fechados e os lábios murmurando incessantemente uma oração, ficava-se comovido. Sobretudo no coro, perdia-se verdadeiramente n’Aquele que se dignava mostrar-se aos olhos da sua alma como um Pai e um Amigo.
* * *
Quanto à segunda parte da “tarefa” - a de despertar nas almas a devoção às Santas Chagas - não dependia só da generosidade heróica da Irmã Maria Marta... N. S. tinha o cuidado de lhe fazer entrever a extensão das dificuldades:
“O teu caminho é tornar-me conhecido e amado pelas minhas Chagas, sobretudo no futuro.”
“Será preciso muito tempo para estabelecer esta devoção.”
O véu do futuro parece ter sido levantado parcialmente diante do olhar da Irmã Maria Marta numa espécie de visão, cuja obscuridade Rev.ma Madre Teresa Eugénia Revel deplora, com um sensível pesar:
“Nao pudemos saber ao certo o fim desta visão nem o seu significado1.”.
Sem entrarmos nas particularidades desta narração, sem procurar uma interpretação que só podia ser pessoal e, indubitavelmente, fantasiada, apontamos simplesmente os fatos reais: a Irmã Maria Marta tinha, com o auxílio das superioras, introduzido a devoção às Santas Chagas na Comunidade - era o primeiro passo. Numerosos mosteiros seguiram este exemplo e adotaram esta devoção - segundo passo. A concessão de 300 dias de indulgências em favor de todos os Mosteiros da Visitação do mundo, era o terceiro passo. O quarto passo data da publicação desta brochura e prosegue magnìficamente.
A leitura das graças concedidas à nossa Irmã, a benéfica influência das palavras de Jesus com respeito à sua santa e amorosa Paixão, o zelo das almas religiosas e de tantos corações dedicados, a extensão das indulgências a todos os fiéis, os grandes alentos recebidos... provocaram uma renovação de amor para com o Divino Crucificado, enquanto através de todo o mundo se multiplicam as confiadas invocações as Santas Chagas.