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Um leigo pode ter um diretor espiritual?

O Padre Tanquerey, no seu livro A Vida Espiritual, enumera quatro meios principais de perfeição que, normalmente, são necessários para a santificação das almas. Direção espiritual é o primeiro deles, pois “fornece uma orientação segura” (p. 257). Ele prossegue explicando que, embora a direção espiritual não seja absolutamente necessária para a santificação da alma, ela, ainda assim, é “um dos meios comuns de progresso espiritual” (ibid.).

O erro daqueles que sustentam que não precisamos de direção espiritual, na verdade, está bem refutado pelo Papa Leão XIII, na sua encíclica de 1899 condenando o Americanismo, Testem Benevolentiae. Censurando os inovadores, que colocam as virtudes naturais acima das virtudes sobrenaturais e as virtudes ativas acima das virtudes passivas, ele se baseia no todo da tradição católica sobre a vida espiritual e em como essa inovação é uma recusa de ser dirigido por nossos maiores. Ele invoca, para defender seu argumento, o exemplo de Saul no momento de sua conversão. A ele foi dito que se dirigisse a Damasco, para encontrar Ananias, “e lá vos será dito o que vós deveis fazer” (At 9, 7). O Papa prossegue explicando que Deus normalmente opera sobre os homens através do intermédio de outro homem, assim como o diretor espiritual atua sobre aqueles que confiam nele: “Deus, em sua infinita Providência, decretou que os homens, em sua maioria, devem ser salvos por homens; assim, Ele determinou que aqueles que são chamados a um grau mais elevado de santidade devam ser dirigidos a esse fim por outros homens, ‘para que’, como diz Crisóstomo, ‘sejamos ensinados por Deus por meio dos homens’” (As Grandes Cartas Encíclicas do Papa Leão XIII, p. 447).

Todos os autores espirituais falam sobre a necessidade de um diretor espiritual na vida religiosa, pois esta é um estado de perfeição e o religioso tem a obrigação de tender para a santidade e, consequentemente, [a obrigação] de ter um guia para o guiar e protegê-lo dos perigos e dos enganos do orgulho, da ilusão, do autoengano, de mortificações exageradas, de escrúpulos e coisas do gênero.

A questão é quanto às pessoas no mundo, que dizem não ter a mesma obrigação de tender para a perfeição. Certamente é verdade que eles não têm a obrigação especial dos votos, mas ainda têm a obrigação da vida cristã em si, contida no dizer de Nosso Senhor, “sede em tudo perfeitos como perfeito é Vosso Pai Celestial” (Mt 5, 48). Pois aquele que não avança na caridade, certamente retrocede. A vida interior não é estática.

São Francisco de Sales, o diretor espiritual mais renomado, em sua Introdução à Vida Devota, considera essa uma questão de grande importância: “Quereis avançar no caminho da perfeição e do amor de Deus? Então buscai alguém que possa dirigi-lo. Esse é o conselho mais importante que posso dar-lhe. Busque como quiser, jamais encontrarás a vontade de Deus com tanta segurança quanto no caminho da humilde obediência” (Livro I, Capítulo 4).

A direção espiritual geralmente vem em conjunto com a confissão, e é aconselhado a moças que a façam ali, nessas ocasiões. Ainda assim, não são a mesma coisa: a direção espiritual vai muito além. “A confissão se resume à acusação dos pecados; a direção vai bem além disso. Ela alcança as causas do pecado, inclinações enraizadas, temperamento, caráter, hábitos adquiridos, tentações, imprudências. Tudo isso para descobrir os remédios adequados, para ir às raízes do pecado. Para combater defeitos da melhor maneira; a direção também se ocupa das virtudes opostas aos pecados, das virtudes comuns a todos os cristãos, e daquelas peculiares a cada classe particular de pessoas...” (Tanquerey, p. 262)

Como consequência, o simples fato de ir regularmente à confissão não é uma direção espiritual. Precisamos pedir ao nosso confessor que dirija nossa alma, encoraje-nos adiante, dome nossos impulsos imprudentes e seja médico da alma: “Por que desejaríamos ser diretores de nossas próprias almas se não fazemos o mesmo com nossos corpos? Acaso não percebemos que os médicos, quando doentes, chamam outros médicos para determinar quais remédios são necessários?” (Tanquerey, p. 260).

Uma alma que esteja num momento de tomar decisões importantes na vida, ou uma alma que veementemente deseja crescer na vida interior precisa de um guia espiritual. Ele não precisa ser nosso confessor regular, mas precisa ser um Padre que entenda nossa alma com todas as suas falhas, fraquezas e mesquinharias. De que outra maneira ele poderia ser nosso médico? Embora não possamos esperar ter um Santo como diretor espiritual, que ele ao menos seja um homem de Deus que tem o conhecimento necessário de teologia ascética e mística. Ele também precisa entender as almas em razão da experiência acumulada em anos de confessionário. Finalmente, ele deve ser um Padre cheio de zelo divino que tenha em seu coração nosso progresso espiritual. Dificilmente podemos esperar direção espiritual adequada dos Padres imbuídos dos erros do Vaticano II e do modernismo pós-conciliar, que enfraqueceram toda busca pela santidade.

Membros de Ordens Terceiras devem considerar um meio necessário para o avanço na perfeição que tenham um Padre como diretor espiritual, que entenda profundamente a espiritualidade das suas ordens e que, preferencialmente, seja membro dela. Eles [membros de ordens terceiras] não devem cair na armadilha de buscar direção espiritual entre eles mesmos, mas de alguém que tenha essa responsabilidade perante Deus. Se se diz que o primeiro diretor espiritual de uma esposa é seu bom e prudente marido, também é verdade que uma mulher verdadeiramente espiritual precisa, também, de um segundo guia que, apenas ele, tem a graça de estado de confessor e diretor de almas. Ela avançará na perfeição se encontrar um pai espiritual que, em suas confissões regulares, encorajá-la-á a lutar contra suas falhas e buscar agradar seu marido em todas as coisas.

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