Skip to content

O paralelo com a missa de Lutero

Pe. François-Marie Chautard

 

Zeloso defensor da missa tradicional, Dom Marcel Lefebvre não hesitou em chamar o Novus Ordo Missae (NOM) de "Missa de Lutero". Exagero retórico ou realidade doutrinal? Um rápido paralelo entre as duas responderá a pergunta.

 

 

1) A Doutrina Protestante

A doutrina protestante da "Missa" baseia-se em três princípios-chaves: a transubstanciação, o sacerdócio ministerial (do padre) e o sacrifício da missa são invenções, se não do diabo, ao menos dos homens.  

  • A presença real: na hóstia, há uma presença real, mas puramente espiritual. Não há transubstanciação, isto é, a conversão do pão em um corpo, sem que nada reste do pão a não ser a aparência; ao contrário, o pão permanece pão e Jesus Cristo vem espiritualmente pela fé dos fiéis e permanece apenas durante a Ceia do Senhor;
  • O sacerdócio católico é uma pretensão injustificada. Todo batizado é padre. Aquele que desempenha o papel de sacerdote tem, no máximo, o papel de presidente de assembléia, para oferecer um sacrifício de louvor, isto é, uma oração, com ordem e dignidade.
  • O sacrifício da missa é uma abominação. A ceia ou eucaristia é um memorial puro, um louvor a Deus e uma pregação aos homens, mas não um sacrifício onde Cristo seria imolado a fortiori em expiação pelos nossos pecados. O ofertório que expressa essa dimensão sacrificial e expiatória é, portanto, a primeira oração a ser suprimida.

 

2) A tática de Lutero

Querendo erradicar das almas alemãs o significado da missa, Lutero entendeu que era preciso agir com habilidade.

 "Para alcançar o objetivo com mais segurança", disse ele, "é necessário preservar algumas cerimônias da antiga missa por conta dos fracos que poderiam se escandalizar com a mudança abrupta". 

Como resultado, Lutero manteve algumas orações, algumas canções (Kyriale) para conduzir docemente os fiéis à heresia. 

Conselho que não foi esquecido pelo padre Mortimart, uma das peças-chave do suposto progresso litúrgica: "Se nos decidirmos por mudanças mais radicais, poderíamos manter os velhos usos, os antigos cantos e fórmulas que encantam nosso sacerdócio, nos mosteiros e em algumas igrejas, que, por suas características, não são freqüentados pelo grande público; a Capela Sistina e as abadias não são acessíveis senão a uma elite sensível às obras-primas da oração e da arte."1

Em suma, uma missa para os estetas e outra para o povo! Para conseguir isso, foi necessário proceder metodicamente, dosando as várias eliminações e acréscimos, que encontramos na massa de Paulo VI.

 

3) Supressões da Ceia Protestante idênticas às do NOM 2

  • A menção da virgindade perpétua da Virgem Maria.
  • A menção aos santos.
  • A genuflexão antes da consagração, enquanto a seguida foi mantida. Com efeito, para os protestantes, é a fé dos fiéis que faz a presença de acordo com a palavra de Cristo: "Quando dois ou três se reunirem em meu nome, eu estarei entre eles”. Assim, Cristo está presente apenas quando a hóstia é mostrada ao povo, mas não antes. Na NOM, o padre faz uma genuflexão somente depois de levantar a hóstia;
  • O ofertório.
  • O cânon.
  • O tabernáculo etc.

 

4) Adições da Ceia protestante idênticas às do NOM

  •  A oração universal.
  • O aumento da "liturgia da palavra". "O culto antes se dirigia a Deus, como uma homenagem", dizia Lutero, "Agora, se dirige ao homem para consolá-lo e iluminá-lo. O sacrifício ocupava o primeiro lugar, o sermão veio suplantá-lo.” 3
  • A aclamação depois do Pater.
  • A dupla comunhão.
  • A apresentação em voz alta dos Oblatos e do Cânon.
  • O uso da língua vernacular.
  • A celebração voltada para o povo etc. 

Eis aqui, para terminar, uma descrição de uma ceia protestante nos tempos de Lutero: 

"A maior anarquia reinava entre os sacerdotes. Cada um agora recitava a missa ao seu gosto. O Conselho, não cabendo em si, resolveu fixar uma nova liturgia destinada a restaurar a ordem, consolidando as reformas. Regulava-se o modo de dizer missa. O Intróito, o Gloria, a Epístola, o Evangelho, o Sanctus foram preservados, e seguidos de uma pregação. O Ofertório e o Cânon foram suprimidos. O padre simplesmente recitava a Instituição da Ceia, dizendo em voz alta e em alemão as palavras da Consagração, e dava a comunhão sob ambas as espécies. Com o canto do Agnus Dei, da Comunhão e do Benedicamus Domino terminava o serviço. 

"Lutero estava preocupado em criar novos cânticos. (...) Lutero dosava as transições. Ele mantém as cerimônias antigas o quanto possível. Ele se limita a mudar o sentido. A missa mantém em grande parte seu aparato exterior. As pessoas acham nas igrejas o mesmo cenário, os mesmos ritos, com alterações feitas para agradá-las, porque a partir de agora no dirigimos a elas muito mais do que antes. O povo está mais consciente de servir para alguma coisa  durante o culto, participando mais ativamente do canto e da oração em voz alta. Pouco a pouco, o latim dá lugar ao alemão. A consagração será cantada em alemão. Está escrita nestes termos: “a noite em que ia ser entregue, ele tomou o pão, deu graças, e o partiu e deu a seus discípulos, dizendo: Tomai, todos, e comei: isto é o meu corpo, que será entregue por vós. Do mesmo modo, ao fim da ceia, ele tomou o cálice em suas mãos, deu graças novamente, e o deu a seus discípulos, dizendo: tomai, todos, e bebei: este é o cálice do meu sangue, o sangue da nova e eterna aliança, que será derramado por vós para a remissão dos pecados. Fazei isto em memória de mim."

Assim são acrescentadas as palavras “quod pro vobis” ("que será derramado por vós”), e suprimidas “mysterium fidei” e “pro multis” na consagração do vinho."4

Compreende-se o que o Pe. Calmel escrevia acerca dos procedimentos dos modernistas: 

“O modo direto, próprio de todo reformador combativo e fanático, mas leal, repugna ao seu caráter tão impregnado de mentiras. Seu jogo é, ao contrário, sutil. Ele sabe muito bem que, para mudar a Igreja, é sobretudo necessário mudar a missa. Mas também é necessário, numa empreitada desse porte, evitar ao máximo chamar atenção. A dificuldade será resolvida se alcançar-se forjar uma Missa que, por um lado, seja ainda aceitável para aqueles que não mudaram na fé católica e apostólica, e, por outro, não seja repugnante àqueles que têm uma fé "mais ampla"; isto é, àqueles que não têm fé alguma. 

Na verdade, a dificuldade dos modernistas para forjar uma Missa que ainda pudesse ser uma Missa, embora  equívoca, e que tendesse à própria abolição, enfim, a dificuldade de mentir com uma habilidade suprema, foi finalmente resolvida. . (...) Que meios são usados ​​para arruinar o Cânon Romano, para fazer reinar a ambigüidade e a indecência em uma ordem ritual que até agora era apenas verdade e piedade? Esses meios são as reorganizações, as adições, e especialmente o silêncio intencional. (...)

Digamos, para concluir esse breve exame das novas preces, que nada foi deixado ao acaso. Tudo é calculado. Tudo é dirigido numa direção precisa."5 

O próprio Paulo VI reconheceu o aspecto "pedagógico" da reforma litúrgica: 

"... a nova pedagogia religiosa, que a atual renovação litúrgica quer estabelecer, foi inserida para ser o motor central do grande movimento inscrito nos princípios fundamentais da Igreja de Deu.” 6

  1. 1. Citado em A Missa tem uma história? ed. da MJCF, p.84.
  2. 2. Novus Ordo Missæ, isto é, o novo rito da missa. Usaremos essa abreviação no restante do nosso documento.
  3. 3. Leon Cristiani, Do Luteranismo ao Protestantismo, p. 312.
  4. 4. Dom Marcel Lefebvre, La messe de Luther dans la messe traditionnelle, Trésor de l’Église, p.33-34.
  5. 5. Fideliter Se conhecesses o dom de Deus ..., T.1 missa, NEL, 2007, p. 95-96, 98, 114-115, 118.
  6. 6. Pe. Didier Bonneterre, O Movimento Litúrgico.
AdaptiveThemes