Pe. Michel André
“Ninguém pode servir a dois senhores: odiará a um e amará ao outro;
ou se apegará a um e desprezará o outro”. (Mt 6, 24).
A exemplo de alguns Padres da Igreja, pode-se ver em Mamon, o falso deus sobre que fala Nosso Senhor, não apenas o dinheiro, mas também outros apegos terrestres, materiais, que entravam o progresso espiritual.
Quero-vos falar da tibieza, doença da alma muito comum – ela contagia a metade ou bem três quartos dos cristãos que estão em estado de graça; e isso é realmente terrível, já que é preciso crer nas palavras da Escritura: “Deus vomita os mornos de sua boca”, i. é, ele os expulsa para longe de si, e por conseqüência, essas almas estão em grande perigo de cair no inferno eterno, caso não mudem de vida.
Ora, a tibieza, que afeta tanto os clérigos – i. é, os padres e os bispos – quanto os laicos, se encontra em três tipo de pessoas:
Mas em que consiste esta terrível doença espiritual, ignorada por tantos cristãos, e contudo tão difundida? Quais são os sintomas, entre os “bons” cristãos? (Contine a ler)
Pode-se distinguir pelo menos dois:
Em suma, a tíbio vive ainda em estado de graça, mas de maneira languida, preguiçosa; deixa-se levar pelas emoções do momento’, sejam elas a piedade, a cólera ou outra paixão qualquer. Ele sente o furor de viver... está satisfeito demais consigo...
Quais são as causas desta doença da tibieza?
Convém distinguir duas fases da vida: a juventude e a madureza, ainda que no fundo as causas profundas sejam idênticas, não importa a idade.
1) Na juventude, há-de se apontar sobretudo a dissipação e a imaginação, a dispersão.
A dissipação é natural, diria quase normal, entre os jovens, sobretudo em nossa época. Querem ver tudo, escutar tudo, conhecer tudo. Daí o prestígio do audiovisual, que favorece essa tendência natural.
Ela torna difícil o recolhimento, a oração concentrada, ambos necessários para o progresso na vida espiritual. Daí a sabedoria da Igreja ao instituir pequenos seminários, para permitir o melhor desenvolvimento, mais rápido e seguro, da alma das crianças.
A imaginação é a segunda causa da tibieza: às vezes a emotividade ilude, e por vezes chega a enganar os diretores espirituais. A imaginação pode dar ares de profundidade a um padre que, em verdade, é distraído.
Outras vezes, os jovens constróem ilusões sobre o porvir, sobre seus futuros triunfos. Não estando suficientemente maduros para se afastarem do ambiente e dominá-lo, muitos jovens se deixam dominar por ele, como a folha que o vento carrega; isso explica o sucesso das modas – as roupas, as músicas e outras mais.
Daí vem a tibieza religiosa, admitindo-se que ainda existam cristãos pios, pois que a vida do discípulo fervoroso de Cristo exige esforços, recolhimento, um certo distanciamento do mundo: muitos membros da Ação Católica não entenderam isso, e então, em vez de converter o próximo, pouco a pouco converteram-se ao mundo, por assim dizer; um bom número dentre eles se tornaram marxistas. São os cristãos camaleões.
2) Na madureza, é preciso assinalar como causa especial da tibieza a ambição e a vida muito atarefada.
Amiúde elevam a ambição ao posto de virtude, por causa da propaganda comercial e dos meios de comunicação. Hoje, é inadmissível que um homem aceite seu estado de vida: ele deve subir na hierarquia social, e para isso, ganhar mais. Neste passo, deparamo-nos com a proibição do Cristo:
“Não podeis servir a Deus e a Mamon”
E tanto pior que desta ambição excessiva e materialista decorre uma vida muito atarefada: quantas vezes observei eu na Argentina pessoas que batalhavam em duas trincheiras diferentes: um comércio ou representação, e mais um emprego na estrada de ferro ou um cargo de professor...
Muitos argentinos só têm uma ambição: ganhar mais, ter sucesso, possuir um carro, que mais? As preocupações espirituais não ocupam mais um lugar de vulto em suas vidas – ainda que direita e honesta – muito apegadas a esta terra.
Poderíamos ainda continuar por bastante tempo o estudo das causas da tibieza entre cristãos pios: o orgulho, a falta da verdadeira caridade, i. é, o egoísmo etc., tudo leva à tibieza.
Os remédios também são fáceis de se indicar, mas menos fáceis de se tomar, pois:
“O Reino de Deus padece violência, e são os violentos que entram nele”.
Antes do mais, é forçoso organizar a vida de piedade, adotar uma norma de vida, hábitos rigorosos, se não, a vida dependerá do capricho do momento.
Por exemplo, a oração de joelhos, de manhã e à noite, com duração suficiente, respeitosa, séria, devota. É dizer que existem cristãos, que se tem na conta de bons cristãos, e não rezam regularmente nem de manhã nem à noite! Contudo, isso é o mínimo que se exige... são com certeza tíbios...
O exame de consciência deve sempre estar presente na vida de piedade dum cristão fervoroso, a cada noite; o rosário, a cada dia; e se possível for, uns quinze minutos ou meia hora de meditação ou oração; ou então a leitura cotidiana de algumas passagens do Novo Testamento ou dum livro de espiritualidade.
Em seguida, deve-se alimentar da Santa Missa, e da Santa Comunhão e do sacramento da Penitência recebidos pelo menos uma vez por mês; ainda aqui, haveria muito a se falar da tibieza inconsciente de muitos católicos tradicionalistas, que se contentam com duas ou três confissões por ano.
Há mister de se preparar para a Santa Missa, o que é dizer chegar antes de seu começo. Neste ponto, parece-me que os católicos ingleses são mais fervorosos; nunca os vi atrasados... enquanto entre nós o atraso é habitual, prova inconteste de tibieza.
Geralmente, um bom retiro é o remédio definitivo para essa doença, um que dure uns cinco dias...
Narra-se o fato seguinte da vida de São Bernardo: uma noite, estava ele no coro, recitando o ofício divino com seus monges, quando de repente vislumbrou ao lado de cada um deles um anjo, cada qual a escrever num livro de registro. Alguns escreviam em letras d’ouro; outros, com letras de prata; outros ainda, só com tinta. Havia também os que nada escreviam.
Deus, nesta visão, quis comunicar a São Bernardo a diferença de fervor entre os vários monges: os fervorosos e os menos fervorosos; os que tão-só pronunciavam as palavras, sem devoção; a última classe era a dos preguiçosos, que não oravam: estavam de corpo presente, mas a alma viajava.
A lição é evidente para todos. Como rezamos? Como nos aproximamos dos sacramentos? Como assistimos ao Santo Sacrifício da Missa? Se o puderam transformar e distorcer tão a fundo, a ponto de não mais denominá-lo de Sacrifício, mas uma eucaristia, uma refeição, como queria Lutero, não foi por causa de nossa tibieza passada, da tibieza de milhões e milhões de católicos?
Estamos a imitar aquela senhora que se lastimava com Dom de la Motte, bispo de Amiens, da duração excessiva da missa paroquial. Respondeu-lhe o prelado:
“Senhora, se achais a missa excessivamente longa, talvez seja a vossa piedade excessivamente curta.”
Que não se repita conosco o mesmo, se quisermos crescer na vida espiritual, no amor de Deus que pode, por si só, contentar nossa alma plenamente, neste e no outro mundo.
(INTROIBO, nº 122 - Tradução: Permanêcia)