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Os pais verdadeiros de que precisamos

Pe. Hervé de la tour, FSSPX

 

A necessidade de nosso tempo é formar homens de caráter que se tornem autênticos líderes espirituais de suas famílias. Infelizmente, o liberalismo infectou tanto as nossas mentes, que mesmo entre católicos tradicionais homens verdadeiros se tornaram raros. Nosso propósito neste artigo é fornecer alguns conselhos úteis sobre um dos mais sérios problemas do mundo moderno ― a ausência de pais verdadeiros ― recorrendo à robusta doutrina de Santo Tomás de Aquino contida na Summa Theologica. Ao apresentar a substância dos princípios luminosos do Doutor Angélico em linguagem simples, esperamos que todos possam tirar proveito de sua sabedoria.

É no estudo de Santo Tomás sobre a virtude da fortaleza, freqüentemente identificada com a coragem, que encontraremos muitos dos elementos de que precisamos. Em latim, uma das palavras possíveis para fortaleza é “virtus” (que também significa virtude). A raiz dessa palavra é “vir”, que significa “homem”. Vê-se assim que a masculinidade está associada à coragem. Para que tenhamos verdadeiros pais, precisamos de verdadeiros homens; e verdadeiros homens são homens fortes. Mas o que é exatamente a força? Santo Tomás explica que a fortaleza é uma virtude moral relacionada com o perigo. O homem encontra muitos males ameaçadores durante sua existência e tem de encará-los de maneira razoável controlando seu medo; é a coragem que permite que o homem lide com essas dificuldades e obstáculos. Há dois atos que fluem dessa virtude: o ataque e a defesa. Por isso, a fortaleza será divida em magnanimidade, que pode ser traduzida como “grandeza de alma” (magna anima), e perseverança. A magnanimidade é o que faz com que alarguemos o nosso coração e empreendamos uma grande obra com confiança. A perseverança permite que permaneçamos firmes e resistamos ao mal por um longo tempo, resistindo à tentação de desistir. (Clique para continuar)

O problema é que o pecado original danificou severamente nossa natureza humana, levando a certa perda de nossa antiga inclinação para o bem. Uma das desordens introduzidas pelo pecado original é a ferida da fraqueza, que debilita a fortaleza. Desde a queda de Adão, não é fácil ter coragem; tendemos a cair em pecados que se opõem à fortaleza. Por exemplo, o pecado da pusilanimidade (ou pequenez de alma) leva-nos a subestimar nosso próprio poder e, conseqüentemente, à paralisia. Vemos um exemplo claro dessa disposição desafortunada na história do Evangelho sobre o servo que enterrou no chão o talento de seu senhor por medo da severidade de seu mestre, em vez de se munir de esperança e fazer o talento frutificar. Ele tinha os dons necessários para realizar a tarefa, mas por desânimo não teve coragem de agir, pensando que o encargo estava além de sua capacidade.

O padre Humbert Clerissac, grande dominicano, disse que um dos traços da mente liberal é que “ela não tem confiança suficiente na verdade”. Se queremos ser mais precisos em nossa análise, podemos dizer que o homem moderno pensa que a verdade pertence apenas ao reino da teoria, e que não é aplicável na prática. O cardeal Louis Billot observou bem que, já que estamos lidando com verdades morais, isto é, princípios que, por sua própria natureza, também são normas de ação, é absurdo restringi-las na vida concreta. Infelizmente, um dos aspectos da vida moderna é a recusa de acreditar na eficácia prática de nossos princípios católicos. Dizemos defendê-los, mas agimos contrariamente a eles. Esse divórcio entre doutrina e vida é, tristemente, muito comum hoje em dia.

Tomemos um exemplo. Um pai sabe que seu filho adolescente escuta música que é nociva a seu desenvolvimento espiritual e moral. A consciência do pai lhe diz que ele tem o dever de monitorar o entretenimento de seu filho e remover dali o que não agrada a Deus, mas mesmo assim esse pai tem medo de colocar seus princípios em prática. Esse comportamento é típico da pusilanimidade. Em vez de confiar na força de suas convicções e tomar uma decisão condizente com elas, por mais desconfortáveis que os resultados lhe possam parecer, o pai se vê paralisado pelo medo. Ele dirá a si mesmo que não é possível ou desejável controlar os hábitos musicais de seu filho e tentará se convencer de que o ideal católico não pode ser vivido. Esse homem preferirá manter sua (falsa) paz de espírito, fazendo-se “amigo” de seu filho sem perturbar o status quo, a cumprir seu dever de pai que exige que cuide da alma de seu filho. Um pai mais forte teria rezado a Deus pedindo coragem para tomar os passos necessários para afastar seu filho daquela música perversa e de outras influências prejudiciais. Em vez de se preocupar com o que seu filho haveria de pensar se ele banisse certos tipos de entretenimento do ambiente familiar, esse pai confiaria no poder da verdade e na força de sua própria autoridade. Sabemos que isso não é fácil, mas a vida é uma batalha, e não podemos fugir de suas dificuldades. Isso é parte do que significa ser um verdadeiro pai.

Infelizmente, a autoridade é uma das noções mais atacadas pelo liberalismo moderno, porque o liberalismo consiste numa falsa noção de liberdade, que exclui a autoridade. O liberalismo é contrário a um ponto sobre o qual Santo Tomás insiste: a hierarquia presente na criação de Deus. Há ordem em todo lugar, entre anjos, homens, animais, plantas e minerais. Na família, o pai tem uma autoridade dada por Deus, da qual não pode abdicar sem introduzir desordem no lar. A virtude da fortaleza (coragem) lhe dá a força para cumprir sua missão em casa, enquanto a magnanimidade lhe dá a confiança em sua própria autoridade. Naturalmente, o pai sempre terá de lidar com a tentação da covardia. O vulnus infirmitatis ainda está lá, e a ideologia do liberalismo o pressiona a evitar o conflito com seus filhos. Mas o pai verdadeiro será fiel a suas convicções: ele não esconderá a verdade consigo sob o pretexto de se dar bem com os outros, incluindo sua esposa e filhos, mas terá a coragem de iluminar com a verdade as almas que lhe cercam, começando com as de sua própria família.

Hoje em dia, vemos freqüentemente que o pai católico moderno carece da coragem heróica necessária para resistir ao longo cerco dos inimigos da família. Seus filhos estão sujeitos a todo tipo de influências malignas e tornam-se cada vez mais difíceis de disciplinar. O mundo moderno gasta bilhões de dólares em propaganda para tornar seus filhos gananciosos, sensuais e orgulhosos. A desproporção de forças é tremenda: de um lado, Satanás e seus poderosos sequazes desejando avidamente nossa danação eterna e tendo à sua disposição recursos imensos; de outro, um pobre homem católico, ferido e enfraquecido. Como poderá esse pai evitar o desencorajamento? Tendo em mente que não está sozinho nessa luta! Jesus está lá, nosso Rei vitorioso, que nos diz: “Tenham confiança, eu venci o mundo.” Mas pode-se ver que o pai sem fortaleza estará pronto para se acomodar, porque simplesmente está cansado da luta, que já se estende faz tempo. Esse pai correrá o risco de se tornar vítima de outra característica da mentalidade liberal, a saber, o auto-engano. Ele que em outras circunstâncias seria um bom pai católico, será tentado a se render a uma paz ilusória; poderá até tentar iludir a si mesmo acreditando que essa acomodação com o mundo é algo razoável e agradável a Deus. Sob o véu do auto-engano, o enfraquecido pai católico verá a tolerância liberal ao erro e ao pecado como uma virtude atraente. Por isso o grande teólogo francês, Pe. Reginald Garrigou-Lagrange, disse que o liberalismo é o que há de pior; porque é a corrupção do que há de melhor: a caridade para com os outros. Tal tolerância não é uma autêntica virtude cristã; é uma repugnante paródia da verdadeira caridade, que envolve permanecer firme na verdade e corrigir o erro onde quer que possa aparecer. Para o pai católico, isso começa em casa e se expande por todos os aspectos de sua vida cotidiana.

Para encerrar este artigo, gostaria de citar o belo poema de G. K. Chesterton, The Ballad of the White Horse (A Balada do Cavalo Branco). O Rei Alfred vem lutando pelos dinamarqueses há muito tempo. Nossa Senhora aparece para o rei, que lhe pergunta se a guerra finalmente chegaria a um fim. É assim que nossa Mãe Santíssima lhe responde:

 

(Texto Original)

 

I tell you naught for your comfort,

Yea, naught for your desire,

Save that the sky grows darker yet

And the sea rises higher.

 

Night shall be thrice night over you,

And heaven an iron cope.

Do you have joy without a cause,

Yea, faith without a hope?

(Tradução Literal)

 

Nada que digo é para teu conforto,

Sim, nada para teu desejo,

Salvo que o céu fica ainda mais escuro

E o mar ainda mais alto.

 

A noite será três vezes noite sobre ti,

E o céu uma abóbada de ferro.

Tens alegria sem uma causa,

Sim, fé sem uma esperança?

 

Alfred não perdeu a coragem. O Rei continuou reunindo homens cristãos:

 

While a man remains, great war remains,

Now is a war of men.

Enquanto um homem restar, grande guerra restará,

Agora é uma guerra de homens.

 

Fonte: Angelus Press / Tradução: Fabiano Rollim para PERMANÊNCIA

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