O nosso obstáculo ao bem é o orgulho. O orgulho nos leva a resistir a Deus, a pôr o nosso m em nós mesmos, em uma palavra, a nos perder. Só a humildade pode nos salvar de tão grande perigo. Quem nos dará a humildade? O Espírito Santo, derramando em nós o Dom do Temor de Deus. Esse sentimento repousa na idéia da majestade de Deus que a fé nos dá, em presença da qual nada so- mos; na idéia da sua santidade in nita, diante da qual não passamos de indignidade e escória; do julgamento soberanamente eqüitativo que ele deve exercer sobre nós ao sairmos desta vida e do perigo de uma queda sempre possível, se faltarmos à graça, que nunca nos falta, mas à qual podemos resistir.
A salvação do homem se opera, pois, “com temor e tremor”, como ensina o Apóstolo; mas este temor que é um dom do Espí- rito Santo, não é um sentimento grosseiro que se limitaria a nos lançar no horror da consideração dos castigos eternos. Ele nos mantém com a compunção do coração, mesmo quando nossos pecados já foram há muito tempo perdoados; ele nos impede de esquecer que somos pecadores, que devemos tudo à misericórdia divina e que só estamos salvos na esperança.
O Temor de Deus não é um temor servil; ao contrário, se torna a fonte de sentimentos mais delicados. Pode-se aliar ao amor, não sendo mais do que um sentimento lial que abomina o pecado por causa do ultraje que este comete a Deus. Inspirado pelo respeito à majestade divina, pelo sentimento da santidade in nita, põe a criatura em seu verdadeiro lugar, São Paulo nos ensina que o temor, assim puri cado, contribui para “o aper- feiçoamento da santi cação”. Escutemos também esse grande Apóstolo, que foi arrebatado até o terceiro céu, confessar que é rigoroso consigo mesmo “a m de não ser reprovado”.
O espírito de independência e de falsa liberdade que reina hoje em dia contribui para tornar mais raro o Temor de Deus e aí está uma das chagas do nosso tempo. A familiaridade com Deus toma, na maior parte das vezes, o lugar dessa disposição funda- mental da vida cristã e, desde então, cessa todo progresso, a ilusão se introduz na alma e os divinos Sacramentos, que no momento de uma volta para Deus tinham operado com tanto poder, tor- nam-se quase estéreis. É que o dom do Temor foi abafado pela vã complacência da alma consigo mesma. A humildade se extinguiu; um orgulho secreto e universal veio paralisar os movimentos desta alma. Ela chega, sem perceber, a não mais conhecer a Deus, pelo próprio fato de não tremer mais diante dele.
Conservai em nós, ó Divino Espírito, o dom do Temor de Deus que nos foi derramado no nosso batismo. Este temor salu- tar assegurará nossa perseverança no bem, detendo os progres- sos do espírito de orgulho. Que ele seja como uma trave que atra- vessa nossa alma de lado a lado e que que sempre xada como nossa salvaguarda. Que abaixe nossa altivez, que nos arranque da indolência, nos revelando sem cessar a grandeza e a santidade Daquele que nos criou e que nos deve julgar.
Sabemos, ó Divino Espírito, que esse feliz Temor não abafa o amor; longe disso, afasta os obstáculos que o deteriam em seu desenvolvimento. As Potestades celestes vêem e amam com ardor o soberano Bem, elas são inebriadas pela eternidade; no entanto tremem diante da terrível majestade, tremunt Potes- tates. E nós, cobertos das cicatrizes do pecado, cheios de im- perfeições, expostos a mil armadilhas, obrigados a lutar contra tantos inimigos, não sentimos que é preciso estimular por um temor forte e ao mesmo tempo lial, nossa vontade que ador- mece tão facilmente, nosso espírito tomado por tantas trevas! Velai por Vossa obra, ó divino Espírito! Preservai em nós o Dom precioso que Vos dignastes dar-nos; ensinai-nos a conci- liar a paz e a alegria do coração com o Temor de Deus, segundo a advertência do Salmista:
“Serve o Senhor com temor e exulta de felicidade tremendo diante dele” .