Num recorte de l’Osservatore Romano leio este título que desde o primeiro relance já enjoa: A Reforma Litúrgica no Brasil. E o enjôo aumenta quando lemos os critérios e as motivações que regem tais reformas. Não podiam ser menos espirituais, menos inteligentes, menos católicas.
Eis o que diz l’Osservatore de 7 de Setembro de 1975: "Com o Rito da Penitência já no prelo, conclui-se a publicação em vernáculo dos rituais dos sacramentos". Até que poderíamos ler a noticia com alguma melancólica satisfação, porque nela se anuncia o termo de uma coleção de remeximentos no que devia ser majestosamente estável. Mas, mal anunciam o encerramento de uma série de reformas, já amargamente conhecidas, anunciam: "Começa agora a etapa mais difícil e talvez mais interessante da reforma litúrgica, sob a responsabilidade das Conferências Episcopais".
Haverá portanto um ritual para cada Conferência e portanto nenhum deles será católico, por não ser universal e por ser determinado por autoridade de discutível competência para tal reforma. Continuemos a leitura do documento que já nos anuncia o mais extravagante critério usado nas coisas da religião católica: as adaptações "E mesmo a criação de ritos mais adequados à cultura de cada povo e às suas sensibilidades". Detenho-me para respirar, e para declarar aos leitores católicos que dificilmente se poderia dizer tolice mais grossa em publicação que pretende servir à religião de um Deus crucificado que só chegou até nós porque os Apóstolos compreenderam, desde os primeiros movimentos de expansão do Evangelho - quando era mais fácil a compreensão desse estúpido pluralismo - que a Igreja nascida do lado de Cristo, na Cruz UNAM ET SANCTAM, só cumpriria o mandamento de Nosso Senhor: "Ide e ensinai a todas as nações, batizando em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo" (Mat.XXVIII, 19), se eles, apóstolos, acreditassem com Fé divina, na força dessa Unidade da Igreja. E também na unidade da espécie humana, cujas variações materiais e acidentais não pedem nenhuma concessão das coisas espirituais. Nunca durante vinte séculos, passou pelo espírito de um missionário a idéia de adaptar a liturgia e o catecismo aos matizes sociológicos de cada povo. Agora o fazem os levitas ébrios de variedade, de multiplicidade, de trepidação, isto é, possuídos pela febre do "viver segundo a carne" que, consciente ou inconscientemente, querem destruir a Igreja.
O requinte que se vê no termo "sensibilidade", para quem tem fé e caráter, soa como uma bofetada de Satanás.
Amigos católicos, precisamos dizer NÃO! a essas Conferências, a esses inovadores, a esses que sentem cócegas nos ouvidos e nas demais partes do corpo. Gritemos: nossa religião, fundada na Cruz e alimentada pelo Sangue de Cristo, não é brinquedo de débeis mentais que gostam de ver as coisas se mexerem, porque eles mesmos não sabem viver no silêncio e na tranqüilidade da vida interior.
Não se diga tolamente que nós somos fixistas ou coisa parecida. Não. E desde já me atrevo a suscitar um movimento de reformas, um clamor, um grito, uma vigorosa súplica de reformas que, verdadeiramente reformem tudo o que é católico e que foi deformado com critérios indignos.
Desde hoje começarei a dar a meu pobre testemunho esse caráter específico: o da verdadeira reforma que a Igreja está a pedir, pelo Sangue de Cristo. Não se trata de andar para trás ou de engrenar a caixa de mudanças dos séculos em marcha "en arrière". Nossas reformas terão o objetivo espiritual de restaurar a forma perdida. Sim, essa trepidante mobilidade dos ritos e de tudo na religião é uma desordem destruidora de formas, é um desmoronamento que segue a tendência própria da matéria. Nós que lutamos e dizemos NÃO a esse dilúvio de novidades, queremos restaurar o primado do espírito nas coisas espirituais; e nas coisas da visibilidade da Igreja do Verbo Encarnado queremos a força curativa de uma reforma que nos devolva a saúde e a dignidade das coisas santas.
O texto do Observatório prossegue e ainda nos oferece estas frases: "Algumas dessas adaptações são solicitadas explicitamente nos ritos e confiadas ao juízo das Conferências, do Bispo para sua diocese ou do próprio Presidente da celebração, conforme o caso".
Neste ponto, o reparo que faço é que as frases não têm sentido e por isso são a melhor parte do documento.
O Globo, 11-10-75