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A Igreja é dona da verdade

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Muitas vezes vemos estampada em revistas da revolução dita “progressista” esta sentença: “A Igreja não é dona da verdade”, com a qual, quem a enuncia demonstra uma secreta vergonha de pertencer a uma Igreja de vinte séculos que ainda acredita em coisas que o mundo moderno julga inacreditáveis; ou então pensa estar fazendo um gesto de apreciável humildade quando reconhece as manchas e as rugas de tão antiga instituição. Outros sentimentos ainda menos nobres poderão ditar a mesma sentença. Cardeais, arcebispos, bispos, padres e leigos dizem “que a Igreja não é dona da verdade” dentro de uma faixa de intenções que se estende do simples respeito humano até o repúdio apóstata.

Ninguém, evidentemente, jamais pretendeu ou pretenderá atribuir à Igreja a posse das verdades astronômicas, ginecológicas, paleontológicas, econômicas e sociológicas. Alias são justamente os ditos “progressistas” ou “novos bispos” que desembaraçosamente sentenciam sobre esses vários assuntos, e outros mais, em que possuem o que o professor Gudin costuma chamar de “ignorância especializada”. Mas esses personagens, ainda que não tenham apostatado, não são a Igreja: são o que Maritain chamou “son personnel”.

 

Há, porém, um registro em que é preciso dizer que a Igreja Esposa de Cristo, a Igreja-Igreja, única depositária do Sangue de Cristo (nos sacramentos) e das palavras de Deus (na Sagrada Doutrina da Salvação), é guardiã e distribuidora, Mãe e Mestra de todas as verdades que concernem à Salvação e à união com Deus. Nesse registro, que os homens costumam usar para ostentar uma pseudo-sabedoria que foge de qualquer absoluto, nesse sentido nós podemos e devemos dizer que a Esposa de Cristo, em comunhão de bens com o Esposo, é dona da verdade que liberta e que salva.

 

O que não se pode dizer é que a Igreja seja a causa primeira e autora dos artigos de Fé. Não se pode dizer, por exemplo: “Creio na ressurreição da carne porque a Santa Madre Igreja ensina”. A maneira acertada é esta outra: “Creio na ressurreição da carne PORQUE DEUS REVELOU e porque a Santa Madre Igreja ensina”. No primeiro PORQUE está a razão, o objeto formal da Fé: a Revelação de Deus; no segundo porque está o condicionamento (conditio sine qua non) de nossa adesão, porque Deus, no plano da Redenção, não quis confiar a cada um diretamente o dado revelado, mas preferiu confiá-lo à Mãe e Virgem: mãe que distribuirá e o ensinará; virgem que não tocará, que não será espessura, obstáculos, nem destruidora da mínima parcela do tesouro que guarda e distribui. Nesse sentido pode-se dizer energicamente com Santo Tomás, que nada e ninguém traz qualquer adição ou restrição ao dado revelado, nem os doutores, nem os anjos, nem a Igreja — “nihil aliquid quam Veritas Prima”. (II, II, 1.1).

 

Mas na pauta das circunstâncias concretas do plano de Deus, para nós, “quod nos”, não é somente errôneo negar que a Igreja não é dona da Verdade, é ímpio, é malícia contra a fé que devemos ter na santidade, sem mancha e sem ruga da Igreja de Cristo. Os chamados “progressistas” inverteram os termos da questão abordada magistralmente por Maritain na primeira parte de seu livro “De L’Église du Christ”. Os “progressistas” flagelam desembaraçosamente a Pessoa da Igreja, mas não admitem que lhes pisem os purpurados calos do personnel, que são para eles mais sagrados do que as cinco adoráveis chagas de Nosso Senhor Jesus Cristo.

 

É preciso dizer por cima dos telhados, aos gritos, com cólera ou com dor, que nós não precisamos dos conselhos e da colaboração dos protestantes para decidir a feição de nosso culto de adoração, isto é, para observar e apartear o que temos de mais íntimo na vida da Igreja. Esta falsa modéstia, esta falsa humildade, este falso ecumenismo é que clamam aos céus e a nós nos ferem em nossa honra e no nosso amor.

 

Editorial Permanência, n°56, Ano VI, Junho de 1973.

 

 

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